O futuro da educação superior (ou o presente?)

Em homenagem ao Professor José Roberto Marques de Castro

O futuro da educação superior (ou o presente?)
O futuro da educação superior (ou o presente?)

Marília - Em 2024, o SEMESP – instituição que honrou a Unimar com a parceria para o maior congresso de iniciação científica do Brasil – realizou um grandioso evento, em parceria com a Universidade de Coimbra e o Consórcio Sthem Brasil, intitulado “O Admirável Futuro da Educação Superior”.

As predições são variadas, dentre aqueles que, num processo comum, enxergam a necessidade de adaptações, principalmente as que se dobram à tecnologia, e os que afirmam que as universidades, como as conhecemos hoje, não mais existirão.

É inafastável, primeiramente, a perturbação de que os ciclos acadêmicos mudam. E mudam de maneiras, muitas vezes, assombrosas. Se, de acordo com o Ministério da Saúde, nos últimos cinco anos, o número de pacientes com ansiedade aumentou 200% no SUS, por outro lado a procura pelo curso superior de psicologia aumentou 112,4% entre 2010 e 2021, segundo o INEP, reverberando num aumento de 41% de matrículas nos cursos superiores no mesmo período. Curiosamente, em 2022, foi o segundo curso mais procurado pelos vestibulandos da Universidade de São Paulo, perdendo apenas para Medicina. A procura reage à demanda.

O mesmo SEMESP, em 2024, em pesquisa realizada, afirmou que os cursos de tecnologia têm atraído cada vez mais atenção dos brasileiros, ficando em terceiro lugar na procura dos estudantes, com 13%, perdendo apenas para a área da saúde (28%) e negócios (17%). A propósito, nessa seara, os cursos de Administração também mantiveram seu reinado dentre os mais procurados.

Nesse jogo, o mais curioso não é acompanhar, mas prever as expectativas futuras. Todo curso superior alcança um ponto de saturação, momento em que a procura cai. Com a procura diminuindo, formam-se menos profissionais. Com o tempo, o número de profissionais no mercado escassa e os que existem passam a ser demandados. Efeito imediato é o aumento da procura pelo curso superior. Nenhum segredo. É como a lei de oferta e procura na economia. É tendência, claro.

Mas nem todos sofrem aumentos expressivos de intenção subitamente por razões inesperadas. Embora os cursos de saúde se mantenham como demandados, a pandemia de COVID convocou-lhes novamente a uma posição de destaque. E, junto com eles, os cursos que envolvem tecnologia. Até porque a tecnologia se alinha, perfeitamente, a qualquer curso superior.

E não se fala em outra coisa além de inovação!

Em uma pesquisa realizada pela Times Higher Education (THE) – famoso instituto norte-americano que, dentre outras atividades, rankeia universidades ao redor do mundo -, após ouvir cerca de 2400 reitores dos Estados Unidos, anotou que apenas 14% deles afirmaram que já haviam revisado seus currículos para fins de inserção de habilidades atinentes ao uso da inteligência artificial generativa.

Eu confesso que quando abro um currículo lattes – que tem esse nome em homenagem a César Lattes, o maior físico brasileiro de todos os tempos – e vejo que não é atualizado há mais de três meses, mal continuo a análise. Num sistema corporativo, quando fui advogado da Petrobras, ouvi do Gerente Executivo do Jurídico que quem produzisse, mas não registrasse, na prática, não produzia. Achava absurdo, mas, na prática, é exatamente a mesma lógica acadêmica. Há quem brinque: “o que não está no lattes, não está no mundo”. Do lado de lá, respondem, ironicamente, “a vida não se resume ao lattes”.

Ah, e sim, todos as plataformas do CNPq (atualmente Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) são homenagens a pesquisadores brasileiros, como também Newton “Sucupira” e Carlos Chagas. E também outras da área de educação, como a Plataforma Carolina Bori do MEC. Baita duma sacada!

Mas, retornando ao tema, fico triste mesmo quando abro o currículo atualizado de um Professor Titular, de instituição pública ou privada, e vejo pobreza bibliográfica. Não estou falando de quantidade. Não apenas. Mas, principalmente, de qualidade. Se há uma missão no professorado, que tenho para mim, é a de ser eterno em uma vida acadêmica, deixando àqueles que ficam seus duradouros ensinamentos, que podem ser desatualizados, nunca inúteis. Se não for assim, perdoem-me a expressão, não vejo a tão sonhada eternidade.

O Professor produz ao mundo (ensino), à academia (pesquisa) e à sociedade (extensão).

No campo acadêmico, “índices” não faltam. Nenhum é justo. Há aqueles que privilegiam determinados línguas. Há os mais tendenciosos para determinadas áreas do conhecimento. Há, por fim, aqueles cujos critérios são absolutamente incompreensíveis. São parâmetros, não determinantes. Aliás, nada é determinante na educação superior.

Eu já manifestei, na minha área do conhecimento, extrema preocupação com a quantidade de cursos de Direito no Brasil[1]. Na época, eram 1240 cursos de Direito no Brasil – contra 1100 do resto do mundo -, formando cerca de 200 mil novos bacharéis por ano. Frente ao absurdo, uma vez que a maioria dos cursos eram de péssima qualidade, o MEC fechou as portas a novos cursos. Alguns anos depois, abriu novamente a torneira e hoje são 1900 cursos, aproximadamente.

Lembram do tal do “índice”? Pois é, os Governos adoram, principalmente os que mostram que, formalmente, há mais alunos matriculados no ensino superior – a qualidade é um plano secundário.

Chego até aqui para dizer que não quero falar de futuro. Prefiro o presente. As predições são exaustivas e, muitas vezes, inconclusivas. Quiçá, indignas.

Se for para eleger os valores que devem mover os circuitos universitários, aqui vão: responsabilidade socioambiental, inovação e humanismo.

Quem tem isso, já tem meio caminho percorrido. Não que o restante será fácil…


[1] BORGES DE OLIVEIRA, Emerson Ademir. Avaliações externas em nível superior e os cursos de direito no Brasil. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, n. 31, 2017, p. 127-143.

Emerson Ademir Borges de Oliveira
Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado pela Universidade de Coimbra. Professor Titular da Universidade de Marília.