Nota-se que o Estado brasileiro é orientado pela laicidade, ou também chamado de Estado secular onde não há uma religião oficial, uma consequência do desenvolvimento dos direitos de liberdade e de convicções e crenças. Assim, cada pessoa tem o direito de exercer com liberdade sua convicção religiosa ou filosófica, e o Estado deve se colocar com total imparcialidade ou neutralidade diante desses fatos.
É comum e faz parte da natureza de um Estado laico que se busque leis e ações contra qualquer modalidade de discriminação, com separação total entre política e religião, tema esse que se coloca comprometido quando se trata do cenário político brasileiro.
Não se discorrerá aqui sobre o embasamento histórico, mas é de conhecimento que a separação entre o Estado e a Igreja se deu com o Decreto Ruy Barbosa elaborou o Decreto 119-A/1890, estabelecendo a separação necessária entre os dois segmentos, e na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 19, inciso I, é possível ter a certeza de que o Brasil possui um Estado laico.
Em meio a outras argumentações em prol da apologia realizada em favor da laicidade do Estado brasileiro, existem vários fatores históricos capazes de elucidar o tema com acontecimentos que foram incisivos para que se entenda a separação entre religião e política, como por exemplo, as teses de Galileu Galilei sobre o sol como centro do universo, teoria repudiada pela Igreja Católica, o avanço da Ciência e a valorização da razão humana, o Renascimento, e tantos outros fatores que não foram suficientemente estudados ou conhecidos pelos cidadãos religiosos que são vítimas de lideranças que fazem das Igrejas seu palanque político.
É comum perceber no discurso religioso os fatores de preconceito e de negação de direitos para aqueles que não adotarem as teorias da salvação cristã, resultando em uma série de conflitos sociais que resultam consequentemente na repulsa da comunidade religiosa diante das condutas não aceitas e que acabam sendo interpretados como patologias, e demais itens da moralidade interpretados como contrário à vontade de um suposto Deus ou sobrenatural.
É preocupante quando se assiste no cenário político brasileiro a busca de certa moralização que justifica os acontecimentos sociais por meio das limitações das teorias religiosas, é o que se nota atualmente na presença de uma bancada evangélica na Câmara dos Deputados que utilizam da clientela religiosa para a conquista de votos.
Atualmente o Estado laico resiste a uma série de afrontas com uma bancada evangélica com deputados aliados do Presidente da Câmara dos Deputados afastado Eduardo Cunha. Os deputados aprovaram a conhecida PEC99/2011 que dá o poder para as igrejas de questionarem leis junto ao Supremo Tribunal Federal por meio de ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade, ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. O autor da referida PEC é o deputado João Campos (PSDB-GO), e essa proposta de emenda valerá caso seja aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
O desconhecimento por partes de líderes religiosos sobre uma educação voltada para as conquistas da humanidade, pautada em reflexões oferecidas pela História, Filosofia e Sociologia faz com que surjam manifestações como PEC citada acima apresentando visões distorcidas da estrutura do atual Estado enquanto poder político fundamentado nas conquistas e na busca de amadurecimento democrático, tanto é que o relatório da PEC tenta acusar o STF de agir com “preconceito” para com os religiosos na medida em que o STF tem se posicionado favorável à Ciência e não à religião.
Tamanha insensatez da afirmação na PEC demonstra o despreparo e a falta de estrutura acadêmica de nossos governantes, pois é notório o desastre de um país que, além de abalado pela corrupção também poderá deteriorar a imparcialidade da Lei com a PEC99/2011. Caso essa PEC seja aprovada podemos sofrer com um recuo na História, ou colaborarmos para com o retrocesso da cidadania e das conquistas sociais.
Os líderes e representantes do Estado Democrático de Direito, assim como profissionais do Direito, magistrados e demais cargos, possuem o péssimo hábito de depositarem confiança e crença na ideia de que uma lei é necessária e fundamental para transformar a realidade social, no sentido de que a lei seria capaz de regular e modificar a sociedade como um passo de mágica ou milagre. Seria viável a aceitação da ideia de que uma lei existe pelo fato de a sociedade existir, e uma lei é consequência e causa das necessidades sociais e tecnológicas, principalmente porque as propostas da bancada evangélica de deputados estimulam o rompimento com as pesquisas genéticas e com os direitos sexuais reprodutivos, ou seja, um atraso e retrocesso científico em plena sociedade do século XXI.
A História tem provado que a laicidade é uma conquista a ser alcançada, pois a presença das simbologias religiosas em demonstração ao sagrado e à justiça já não é necessária na contemporaneidade. Infelizmente, a necessidade de recorrer ao discurso religioso é uma estratégia para garantir a manipulação da massa por uma minoria disfarçada de “próximos de Deus e da boa conduta” que articula e engana a massa religiosa em prol de seus objetivos políticos e econômicos, uma realidade crítica e obscura de uma nação que precisa resgatar a honra e a virtude na sociedade. Enfim, a luta pela laicidade é um caminho para o amadurecimento democrático de um país em busca do princípio da isonomia, e a separação entre o Estado e a religião deve ser aperfeiçoada para que uma convivência de respeito seja garantida.
Valmir Bufalari – Graduado em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração – USC/Bauru e Direito pela Universidade de Marília/UNIMAR. Mestrando do Programa de Mestrado em Direito/UNIMAR e Professor Coordenador da Rede Pública do Estado de São Paulo. [email protected]
Profa. Dra. Walkiria Martinez Heinrich Ferrer – Doutora em Educação e docente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília.