Atualmente a Universidade brasileira investe todas as fichas na internacionalização, na busca de melhores postos nos rankings internacionais, produção de patentes, inovação, tecnologia, essa busca incessante tem ocasionado um remodelamento na pesquisa, que se manifesta na diminuição do tempo de titulação de mestrado e doutorado, produção de papers, artigos, participação em congresso, uma corrida tresloucada que não necessariamente resulta no avanço da ciência e da pesquisa.
Florestan certamente não se encaixaria nos moldes atuais da pesquisa e da pós-graduação. Por sua vez, não há que se negar, Florestan foi grande e realizou grandes interpretações da realidade brasileira. Na divisão internacional do trabalho intelectual, a sociologia brasileira nunca ocupou lugar de grande destaque, mas Florestan nunca se contentou em ser mero reprodutor de teorias, desde seu primeiro trabalho monográfico, ousou, remodelou as teorias sociológicas francesas de seus mestres e demonstrou através de intenso trabalho empírico que o folclore paulistano configurava um novo modelo de socialização e autonomia infantil, inaugurando o que hoje convencionalmente denominamos de uma sociologia da infância.
Mas, foi além, os estudos sobre os tupinambás é demonstração de audácia, persistência e seriedade com que reconstruiu a realidade social daqueles índios que desaparecem no final do século XVI. Os estudos sobre a questão racial desmoronou mitos, a ideia de uma democracia racial ao qual Gilberto Freyre e a Unicef compartilhavam, Florestan demonstrou o contrário, insere o negro dentro dos parâmetros da sociedade capitalista brasileira e destacou que o preconceito latente, feroz e nefasto que se configura na sociedade brasileira era de cor.
A educação teve lugar destaque em seus escritos e militância: “verba para pública para a educação pública” foi o mote da campanha em defesa da educação pública em 1959. A coragem também fazia parte de sua personalidade, ao se recusar ser inquirido pelos agentes da repressão e retornar a faculdade de filosofia da USP foi ovacionado com aplausos pelos estudantes. A presença de espírito e a lealdade de princípios foi capaz de unir correntes de esquerdas antagônicas, que se digladiavam pela direção do movimento de massas, mas em seu gabinete conviviam sem grandes discórdias, conforme falava Florestan: “debaixo do meu guarda-chuva, cabem todos os radicais”.
Florestan, ao contrário do seu grande oponente Guerreiro Ramos não tinha a pretensão de construir uma sociologia em “mangas de camisa”, mas arregaçou as mangas para transformar a sociologia em uma ciência capaz de interpretar, transformar e superar as mazelas sociais brasileiras ocasionados pelo modo de produção capitalista. Por isso Florestan foi grande e grande é seu legado!
Marcelo Augusto Totti
Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Unesp de Marília