A Petrobras deve ser privatizada?

Eu fui Advogado da Petrobras entre 2010 e 2015, concursado. Mais exatamente, entre 3 de outubro de 2010 e 2 de setembro de 2015. Posso dizer, com absoluta clareza, que foi uma experiência ímpar. Durante 4 anos, atuei na área Trabalhista da Empresa. No meu último ano, o mais proeminente, atuei na área Tributária, ambas em Santos. Estava com viagem de 3 meses marcada para o Rio de Janeiro, para trabalhar no Jurídico da Sede, quando desliguei-me, após terminar meu Doutorado em Direito do Estado na Universidade de São Paulo, para ser professor e advogado no âmbito privado.

O Jurídico da Petrobras é – ou ao menos era – um minimundo, formado por quase 800 advogados, além dos demais cargos que o compõe. E há ainda muita terceirização, em especial em dois casos: ações de massa e repetitivas e também nas ações singulares muito complexas, especialmente em grau recursal, o que é absolutamente normal em uma grande empresa. De todo modo, o Jurídico sempre manteve controle sobre as ações terceirizadas. Nas ações de alta monta, por exemplo, exigia-se uma nota mensal à Presidência.

Por meio de sistemas alinhados com a Lei Sarbanes-Oxley, também era possível um controle muito fidedigno de riscos jurídicos: o remoto, o possível e o provável.

A Petrobras também sempre investiu muito na formação de seus empregados. Perdi a conta de quantos cursos participei nas Universidades Petrobras – centros de estudo específicos da empresa – no Rio de Janeiro e em Salvador. Estive até na Convenção Nacional da Advocacia, em 2014, no RioCentro, um evento magnífico que tinha a Petrobras como patrocinadora.

Sempre elogiei publicamente a estruturação do Jurídico da empresa, já há um tempo comandado pela competentíssima Dra. Taísa Oliveira Maciel, enquanto Gerente Executiva, pois o Jurídico não se organiza como Diretoria. Para aqueles que não sabem, o Jurídico da empresa busca reproduzir a estrutura das Diretorias na Sede, no RJ. Assim, para a Diretoria de Exploração e Produção, há o Jurídico de Exploração e Produção, e assim por diante. Nas Regionais, o sistema é diverso, atendendo mais as necessidades locais.

Até por isso, em Santos, onde trabalhei, o setor trabalhista era atuante, como decorrência das centenas de reclamações e do papel do Sindicato local. Aliás, anoto aqui algo que nunca vi em empresa alguma: milhares de empregados com dezenas de reclamações trabalhistas cada sem nenhum receio de demissão da empresa – cumpre lembrar que não existe estabilidade em sociedades de economia mista. Por vezes, isso permitia a correção de injustiças, mas presenciei inúmeras vezes que o sistema fora utilizado para má-fé dos empregados, como em absurdas ações de equiparação salarial entre empregados Júniores e Sêniores.

Depois que deixei a empresa, vi o Jurídico passar, como as demais áreas, por uma reestruturação, como diminuição de cargos, assim como por Planos de Demissão Voluntária, que reduziram substancialmente a mão de obra qualificada.

Creio que fosse até necessário. Quando entrei em 2010, a empresa tinha aproximadamente 70 mil empregados próprios e cerca de 200 mil terceirizados. Há países menor do que isso!

Todos vimos também como as práticas corruptivas foram devastadoras para a empresa. Os anos de 2014 a 2016 bem o demonstraram, em especial quanto ao valor de mercado da empresa e de suas ações.

Felizmente, ela se recuperou, mas parece-me ter perdido algo essencial na estrada das estatais: o interesse público como objetivo primário. Em um artigo que publiquei na Revista Jurídica da UniCuritiba, em que defendi a criação da Procuradoria-Geral das Empresas Estatais Federais, vinculada à Advocacia-Geral da União, para garantir autonomia e independência ao Jurídico na defesa do interesse público primário, ressaltei que as empresas estatais possuem um ônus que nenhuma empresa particular tem: atingir as finalidades públicas, em especial quando se tratam de áreas estratégicas, como a Petrobras. Aliás, vou aqui confessar que respondi a uma sindicância interna por defender essa ideia, a qual culminara em uma advertência. Depois que deixei a empresa, a publiquei, pois estava convicto de minha opinião científica [1].

Não sou particularmente favorável à privatização da empresa enquanto não houver um cenário realmente competitivo no setor. Sem uma concorrência real, a privatização poderia trazer ainda mais prejuízos ao já sofrido povo brasileiro.

Mas também é preciso olhar para dentro. A União detém a maior parte do capital social com direito a voto, um percentual que já chegou à casa dos 80%, mas hoje é consideravelmente menor, perto de 50%. De qualquer forma, isso significa que a União detém o maior número de cadeiras no Conselho de Administração e o poder de indicar a maior parte da Diretoria da empresa. Logo, é da União, também, uma grande parcela dos lucros da empresa. Somente em 2021, esse número fora superior a 30 bilhões de reais, com um lucro recorde de mais de 106 bilhões de reais no ano passado. Além disso, somam-se cerca de 50 bilhões de reais em tributos federais.

Ressalto: não que a livre concorrência no mercado não seja recomendável. Em um plano ideal, o cenário seria de várias empresas concorrendo no mercado, resultando em preços mais atrativos aos consumidores, mormente diante dos custos extremamente significativos para exploração das camadas de pré-sal. Mas essa não é uma realidade atual. Neste contexto, somente nos sobra ressaltar o papel que a empresa deve ter em prol do interesse público, elevando-se diante dos interesses privados, especialmente os estrangeiros.

O petróleo, ainda, é nosso!

[1] ver em http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/2810