Negros e pobres na Nigéria são as maiores vítimas de terrorismo no mundo. Boko Haram, um movimento extremista islâmico baseado na Nigéria, é o mais efetivo em matar, além dos estupros e sequestros.
A Nigéria não está nas redes sociais? Não.
As cidades pobres do Nordeste também não, as vítimas de traficantes ou policiais no Rio e São Paulo também não, os subnutridos da Bolívia também não, as vítimas das Farcs também não, o Haiti também não, as favelas de Marília também não, as duas casas criadas para atender crianças vítimas de abandono ou violência doméstica em Marília também não.
Não é na Nigéria que Chico Buarque tem apartamento, é em Paris. Vamos linchar o Chico Buarque nas redes sociais? O Palácio do Planalto foi iluminado com as cores da França e não dá Nigéria. Alguém aí vai dizer que a Dilma é uma capitalista selvagem?
A mudança na Nigéria é tema urgente. Nas favelas também, no Haiti também e se você vai ter que escolher um dos lados para ficar triste, não vai desfazer desigualdades.
Ou vai haver discussão e preocupação para todos ou vai ser só mais um mimimi nas redes sociais, até a próxima tragédia chegar. E aí sobram dois caminhos para todos, de Paris à Nigéria e ao Brasil: trabalhar pela melhoria para todos, pode ficar na torcida para não ser uma das próximas vítimas.
Em Paris a prioridade é voltar a viver em paz e segurança. Como sua campanha contra a comoção pública em torno de Paris vai mudar isso e fazer com que eles pensem na Nigéria, ou no Haiti, ou em Mariana ou nas favelas de Marília?
Nas favelas cariocas ou paulistas, nem a Nigéria e nem Paris importam. Nos morros do Rio ainda há risco de policiais militares serem queimados vivos. Nos dois há risco de pequenos comerciantes serem achacados por policiais e por traficantes e a comoção que importa a eles é esta. Como sua campanha contra a comoção pública em torno de Paris vai mudar isso?
A resposta está no fim do capitalismo? Ah, que bom que as experiências socialistas e comunistas têm sido recheadas de paz, amor e tolerância, com vida para todos.
No muro de ferro entre a separação de capitalismo e comunismo cresceu uma preocupação que vale para os dois lados: tolerância. Nunca esteve tão na moda um discurso clichê: liberdade de expressão para quem fala a favor é fácil, difícil é entender e aceitar a expressão quando ela é contrária à nossa vontade.
O número de vítimas do Boko Haram em 2014 foi mais que o dobro do número de pessoas mortas no atentado de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. E antes do ataque de Paris, quantas pessoas nas redes sociais estavam discutindo a violência do Boko Haram em 2014, sejam páginas de capitalistas ou socialistas?
Ódio e intolerância têm sido ingredientes comuns a regimes de todas as linhas, a diferentes tendências religiosas – quando for falar dos muçulmanos lembre os cristãos que chutam imagens de santos cultuados por católicos, agridem praticantes de candomblé ou são tão complacentes com a agressão e dsicrminação a homossexuais-, e de diferentes culturas.
Para um número cada vez maior de pessoas a violência contra animais é mais impactante com a violência comum contra seres humanos. Vamos excluir todas estas da discussão também? Se forem elas as vítimas de atentado tudo bem?
A intolerância nos movimentos populares bate carimbos sobre as pessoas da mesma forma como os piores fascistas da direita. Está comovido com Paris e não com a Nigéria? É fascista, e aí não importa se gosta de Paris porque esteve lá, vive lá, estudou lá ou simplesmente por ser uma cidade que é referência cultural e não se pode simplesmente negar que é triste ver o que aconteceu.
Particularmente não vejo como fazer um ranking da comoção, não dá estabelecer por quem se deve ficar mais ou menos triste, menos comovido.
Infelizmente para o discurso politizado, Dalai Lama, Gandhi, as letras de John Lennon e até o pessoal do Santo Daime tem sido mais modenro, mais tolerante e muito mais eficaz em envolver as pessoas com o debate a preocupação de todos com todos. Sem esse envolvimento em interesse maior o mundo não muda.
A tristeza não muda com racionalidade. A intolerância muda.