“Não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde’, A frase é do embaixador Rubens Ricupero, expressa em 1994 em meio a uma campanha eleitoral para tornar Fernando Henrique Cardoso presidente da República.
Ficou conhecida como “escândalo da parabólica”, provocou a queda de Ricupero, que era ministro da Fazenda, e virou símbolo de uma prática antiga nos bastidores políticos, de empresas e relações sociais: o cinismo.
Na época, foi chocante ver na TV. Hoje, quase 24 anos passados, Ricupero provavelmente nem perderia o cargo. O cinismo, que era bastidor, virou regra. Aquela dose de hipocrisia que todos aceitamos em relações sociais, com razões justificáveis para isso, dominou as relações públicas e os poderes.
Governistas e oposição celebram vexames de sucesso. À direita ou esquerda, um número incomensurável de boas pessoas reagem com indignação ao que não interessa e com uma serenidade bovina ao cinismo de quem não é inimigo.
Os juízes que têm encontros com investigados, os deputados financiados pelos grandes grupos que usam mandato contra o Estado, os patos e sapos nas avenidas, o quebra-quebra no meio de protestos, as acusações imundas contra quem não pode se defender após a morte povoam o noticiário.
Você que lê em Marília, onde fica a sede do Giro, não está fora dessa realidade nacional, embora às vezes quem vive focado na cidade pense estar no mundo mágico de Oz. Cuidado, a cidade não é assim tão exceção à regra nacional, apesar de algumas recentes situações dignas de destaque.
Rádios e um jornal que não conseguem apresentar um dono em três diferentes instâncias judiciais fazem acordos e assumem dívidas sem ter donos ou atividades comerciais. Vão pagar com dinheiro de quem? Quem mandou fazer os acordos?
O deputado acusado de ser o dono oculto das rádios está em um outra emissora, na qual é dono declarado e investigado por uso irregular de dinheiro, para expor discursos recheados de sandices três vezes por semana. Representa espalhar nos pronunciamentos alto grau de bobagens que vão de ofensas pessoais e erros em citações bíblicas a mentiras deslavadas como dizer que não tem “nenhum nomeado”, embora a lista dos seus apadrinhados seja pública.
Faz tudo isso em formato de campanha antecipada, que a Justiça eleitoral não pune, baseada na destruição do outro lado, que por sua vez é uma administração que em pouco mais de um ano quebrou um bom número de promessas e espalha cinismo em projetos de lei, atos públicos e discursos que surpreendem mais pelos mal entendidos que pelas revelações políticas.
A mídia coleciona seus casos de cinismo, os partidos dentro e fora do governo, parlamentares, organizações civis espalham situações em que aquela dose de hipocrisia que permite manter relações sociais vira uma regra e as lideranças viram personagens. Como evitar? Buscar informação, checar as informações, não propagar fake news, reagir a manifestações de odio sempre ajuda. Se no fim o que todos querem é paz, todos vão ter que construir juntos, seja por compreensão e apoio, seja por respeito.
Todas as situações em algum momento refletem no cidadão e ele tem mecanismos únicos na história para reagir, conhecer e se manifestar, o que hoje em dia pode ser feito por email a parlamentares, abaixo-assinados online, denuncias a ouvidorias em diferentes órgãos, representações assinadas, encontros, assembleias, associações, sindicatos e diretamente a serviços públicos, como o Poder Legislativo.
Não há solução política e coletiva sem o cidadão, Não existe salvador da pátria. Acreditar nisso ou esperar o justiceiro que vá nos salvar só reforça o mundo da Disneylandia em que a sociedade se transformou, sem o bom humor ou final feliz que acompanha os desenhos animados.