Democracia não é brincadeira

Assustador!

Quem minimamente acompanha o atual cenário político brasileiro tem essa mesma percepção. E se não tem é mais preocupante ainda.

Recentemente, notícias são propagadas a respeito de uma possível convocação da população para manifestações de apoio ao governo federal. Este fato, por si só, não revela nada preocupante, pois faz parte do contexto democrático.

O que é extremamente preocupante, assustador, desolador e desanimador são rumores de uma possível convocação das forças armadas para destituição de uma das mais importantes instituições políticas do país: o Congresso Nacional.

Em tempos de fake news, esta propagação poderia erroneamente ser atribuída ao governo e sua equipe. Ainda assim, democracia não é brincadeira, não pode estar sujeita a devaneios insanos desse ou daquele representante político. A prática democrática é construída historicamente, por meio de múltiplas ações e, na maioria das vezes, às custas de uma luta incansável e injusta.

A fim de fundamentar a afirmação acima, segue um breve e necessário resgate de nossa história recente, também com o objetivo de sanar possíveis “falhas de comunicação”, ou quem sabe, desinteresse absoluto pela construção do que hoje chamamos de democracia.

– Em 1979, no governo de João Figueiredo, o congresso aprovou a anistia política, que, embora limitada, permitiu a reintegração à vida pública de políticos exilados e de ativistas de esquerda, punidos pelo regime militar. A partir daí, tem início ao processo de “redemocratização do Brasil”. Naquele momento era necessário reaprender a viver em um regime democrático.

– Em 1984, um milhão de brasileiros lotou a praça da Sé. O clamor popular era pelo direito de eleger o presidente da república. Conhecida como “diretas já” e tendo Tancredo Neves como símbolo do movimento,  a campanha representou a primeira manifestação popular do período que ficou conhecido como “redemocratização do Brasil”.

– Em 1989 foi eleito Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente civil eleito pelo voto direto, após 21 anos de regime militar. Marcado por denúncias de corrupção, no início de 1992, o então presidente pede apoio à população, solicitando que todos saíssem às ruas vestidos de verde e amarelo em sinal de apoio ao seu governo. Contrariando as expectativas, o que aconteceu foi uma mobilização estudantil, em que os jovens se vestiram de negro e pintaram os rostos de verde e amarelo, surgindo assim o movimento dos “caras pintadas”. Embora tímida, a manifestação dos “caras pintadas” representou a expressão legítima do processo de redemocratização do país. Após os anos da censura, imposta pelo regime militar, a sociedade brasileira faz valer de sua voz e vai para as ruas.

– Em junho de 2013, o país assistiu a diversas manifestações que ficaram conhecidas como “as jornadas de junho”. Inicialmente direcionadas à redução das tarifas de transporte público (o movimento do passe livre), as manifestações cresceram e abordaram temas como a corrupção e investimentos abusivos em eventos esportivos, em detrimento da área social.  Aos poucos, milhares de pessoas foram aderindo ao movimento e “as jornadas de junho” foram consideradas a primeira grande manifestação popular após o impeachment do presidente Collor, em 1992.

Nas ultimas eleições presidenciais novamente a população brasileira pode exercer seus direitos democráticos. Vimos as ruas das principais capitais do país, como também de diversos municípios, repletas de diferentes cores, simbolizando partidos ou apenas ideais políticos.

Mas é importante ressaltar que a sociedade brasileira ainda está aprendendo a ser democrática, pois em termos históricos tudo é muito recente. As manifestações populares, observadas em nossa história recente, assim como as da atualidade, são extremamente saudáveis e felizmente estão se tornando uma prática no Brasil. Exatamente essa participação saudável que promove a evolução do sistema político e o amadurecimento democrático.

O radicalismo político, as paixões desmedidas e o desrespeito às instituições não fazem nada bem à democracia.

Organizem-se, reúnam-se, promovam manifestos. Essa é prática democrática. Mas não desrespeitem a memória daqueles que se dedicaram à luta pelo regime democrático, no Brasil, pois, pelo empenho dessas pessoas, hoje, pode-se exercer o direito ao voto, o direito à manifestação, à liberdade de expressão e tantos outros benefícios trazidos pela democracia.

Exerçam todos seus direitos, mas não brinquem com a democracia, pois o custo social dessa brincadeira poderá ser muito alto.