O jornalista e escritor José Arbex Júnior, 63 anos, professor na PUC de São Paulo, é um dos personagens apresentados em um documentário que será destaque do festival É Tudo Verdade para contar a história da Libelu (Liberdade e Luta), um dos principais movimentos estudantis contra a ditadura militar na década de 70.
Arbex nasceu em Marília em 18 de maio de 1957, filho de um casal sírio que manteve por muitos anos uma loja na cidade. Desde criança consumia literatura de forma voraz como frequentador na biblioteca municipal.
Viveu na cidade até os 17 anos, quando um concurso o levou para os Estados Unidos. Na volta mudou-se para São Paulo pensando em estudar engenharia na Politécnica da USP. Reforçou sua visão contra a ditadura, foi cursar jornalismo e ingressou na Libelu.
O movimento foi responsável por ondas de protestos, manifestos, documentos e outras ações contra a ditadura de grande repercussão. Foi inovador pelo tipo de envolvimento, por divergir de outros movimentos de resistência à ditadura e por grandes manifestações contra o governo militar.
Além de Arbex, um jornalista com carreia em grandes veículos, reuniu mais estudantes que hoje são personalidades, como o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, os jornalistas Reinaldo Azevedo, Laura Capriglione e Mario Sergio Conti ou o crítico gastronômico Josimar Melo.
O documentários será exibido pelo Festival no dia 30 com programação online.
Giro Marília – Como é reencontrar as memórias da Libelu?
José Arbex Júnior – Muito importante. A experiência na Libelu teve um papel fundamental na minha formação cultural, política, ideológica, existencial. Sem essa formação, eu não teria percorrido uma carreira tão pessoalmente satisfatória e significativa no jornalismo. Seria uma outra pessoa.
Aprendi na Libelu o valor da luta pela democracia e pela liberdade, aprendi a confiar nos camaradas que compartilhavam comigo as convicções e os riscos de enfrentar a ditadura. Aprendi a sustentar valores que não se limitavam à minha vida individual, mas que, ao contrário, diziam respeito ao destino do país. Nós acreditávamos que poderíamos mudar o mundo para melhor. E nos dedicávamos a isso, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Tempo integral.
Giro Marília – Qual a importância que o movimento teve na década de 70 e porque essa memória deve ser resgatada?
José Arbex Júnior – A Libelu foi parte importante do movimento estudantil, que lançou nas ruas o primeiro grito de liberdade contra a ditadura, após o decreto do AI-5 (13 de dezembro de 1968). Dentro do movimento estudantil, a Libelu foi o primeiro grupo a gritar abertamente “abaixo a ditadura”, mesmo contra a opinião dos outros grupos, que achavam que era “muito cedo” para desafiar abertamente o regime ditatorial. Nesse sentido, assumimos um papel de liderança, de vanguarda no processo que conduziu à derrocada do regime militar.
Ora, no momento em que o Brasil vive dias tenebrosos, com um presidente que elogia torturadores e é capaz de mentir abertamente diante da Assembleia Geral das Nações Unidos, nesse momento é mais importante do que nunca resgatar as memórias de luta pela democracia e pela liberdade. A sociedade precisa recuperar a noção de que o poder está nas mãos do povo, daqueles que se mobilizam.
Veja o que está acontecendo nos Estados Unidos, com o movimento contra o racismo. É algo impressionante e monumental. Nós podemos e devemos tomar as ruas do Brasil, em defesa dos interesses dos jovens, dos trabalhadores, dos movimentos pelas liberdades democráticas, contra o racismo e contra a destruição ambiental. Daí a importância da memória.
Giro Marília – Como foi seu caminho de Marília até a participação na Libelu?
José Arbex Júnior – Em Marília, tive uma ótima formação no Instituto de Educação Monsenhor Bicudo, uma escola pública excelente, com professores fantásticos que me despertaram o gosto pela leitura. Recordo-me até hoje das aulas de filosofia, por exemplo. Fiz o vestibular e entrei na Escola Politécnica da USP, para fazer Engenharia.
Mas comecei a participar do movimento estudantil, das lutas contra a ditadura e, aos poucos, fui percebendo que meu negócio era muito mais escrever e debater do que calcular. Larguei a Engenharia e comecei a fazer Jornalismo. Foi nesse processo que entrei em contato com a Libelu.
Giro Marília – Como é sua visão sobre a luta contra ditadura na década de 70 e o movimento estudantil atual?
José Arbex Júnior – É difícil traçar um paralelo, pois são situações radicalmente distintas, sob muitos pontos de vista. Não existe mais a Guerra Fria, como nos anos 70, mas existe um mundo multipolar; não estamos sob uma ditadura militar, embora o governo seja extremamente autoritário; o dito “socialismo real” fracassou e agora as alternativas ao capitalismo não são tão claras como pareciam ser no passado. Finalmente, no campo tecnológico existem a internet, as redes sociais e o telefone celular, que fazem toda diferença do mundo.
Mas, há uma coisa que nunca muda: o desejo pela democracia, pela liberdade, pelo direito a uma existência digna. Portanto, é preciso ter cuidado na hora de avaliar semelhanças e diferenças, pois os contextos são muito diferentes.
Giro Marília – Sente que as pessoas entendem como foi lutar para ter direito à liberdade que se usa – e combate – tanto hoje?
José Arbex Júnior – Sim e não. Sim por que, como mencionei antes, todos temos os mesmos anseios pela democracia e pela liberdade. Não, por que os contextos são muito diferentes. É muito difícil para alguém que não viveu os “anos de chumbo” entender o significado da ditadura.
Quando ouço alguém defender a ditadura, por exemplo, eu fico logo pensando: “Esse sujeito não aguentaria uma semana debaixo do regime militar”. Nem tento argumentar, porque, em geral, o sujeito nem sabe sobre o que ele está falando. É difícil explicar. E essa é uma razão a mais para cultivarmos a memória, como faz o documentário sobre a Libelu.
Giro Marília – A política nacional de cultura tem deixado clara a falta de suporte para produções sobre o tema. Acredita que isso vai comprometer o alcance do documentário?
José Arbex Júnior – Sem dúvida. O cenário cultural nacional está um desastre. O Brasil vai na contramão absoluta do que fazem os países mais civilizados e avançados, que investem cada vez mais em cultura, educação e pesquisa científica. Muita gente não sabe, mesmo em Marília – uma terra de japoneses -, mas no Japão, o imperador só se curva diante de uma categoria de trabalhadores: os professores. Isso mostra o respeito do país pela cultura, pela educação.
Um professor do ensino médio chega a receber o equivalente a R$ 20.000,00 mensais no Japão. Não tem nem como fazer qualquer comparação com o Brasil. Isso aqui é uma tragédia, e o governo Bolsonaro acelera o desastre.
Que pesadelo, ter um sujeito como Abraham Weintraub no MEC. Deus do céu. É uma tristeza, especialmente quando consideramos que o Brasil tem uma cultura imensa, feita do encontro de todas as raças, religiões, tradições, histórias. Nossa cultura é a nossa maior riqueza, mais ainda do que a Amazônia (que, aliás, também está sendo destruída).
Giro Marília – Como é sua ligação com Marília atualmente? Acompanha a vida da cidade? Ainda tem vínculos aqui?
José Arbex Júnior – Tenho vínculos apenas afetivos com Marília. De vez em quando, fico um ou dois dias na cidade. Caminho pelas ruas que percorria para sair de casa, no centro (cruzamento da Prudente de Morais com a São Luiz, onde hoje fica a loja Riachuelo), até o Monsenhor Bicudo (av. Rio Branco), para cultivar memórias, lembrar as coisas que aconteceram por lá. Sempre é bom.