Marília

Marielle mora ao lado. Os assassinos também

Marielle mora ao lado. Os assassinos também

A vereadora Marielle Franco, socióloga e líder comunitária, foi vítima de um atentado em que uma coleção de suspeitos envolvem o Estado, servidores públicos e organizações montadas com apoio ou omissão destes.

O caso provocou merecida comoção internacional para uma mulher que até às 21h30 de ontem era desconhecida para a gritante maioria da população assim como a maioria das situações que ela viveu, criticou e buscou mudar sua vida inteira.

Há sempre uma Marielle perto de você e infelizmente também existem em todo o país as condições políticas, econômicas, desvios de comportamento, impunidade. Máfias, bandidos ricos e bandidos pobres prontos a executar Marielles. Isso precisa mudar independente do perfil político que você tenha.

Marielle nasceu negra, em uma comunidade de baixa renda e foi mãe adolescente. Marília e o país são cheias de mulheres assim em busca de creche, respeito, apoio, políticas públicas.

Também existem em multidões pessoas que exploram financeira, social, sexual e politicamente essas pessoas. No meio deles, os assessores, os bate-paus para o serviço sujo e a manutenção da desigualdade.

Marielle precisou frequentar um cursinho comunitário para tentar chegar à faculdade. Contrariou as estatísticas e mãe adolescente pobre chegou ao diploma e especialização. A maioria nao chega e Marília, assim como o país, tem alguns vários cursos assim porque a disputa do vestibular e o abismo da rede pública em relação aos cursos privados exigem.

E tem aos montes quem lucra com a desigualdade, quem promete mudanças e só piora o quadro, quem contrata os bandidos que praticam a violência como forma de manter o medo em nome da proteção do patrão.

Negra, mulher, de origem humilde e profissional de ciências humanas, Marielle não era figura constante da grande mídia e seu perfil encaixa entre os profissionais vítimas das listas dos memes e mensagens do nazismo moderno que tratam essas pessoas como cidadãos de segunda classe, profissionais de segunda classe, pesquisadores de segunda classe.

Marília e o país todo estão cheios de pessoas que vivem o mesmo drama e novos nazistas que riem e proliferam as mensagens, apesar de a cidade tem cursos públicos de ciências humanas que são referências e produzem profissionais de altíssimo gabarito, que o mundo científico e grandes instituições privadas reconhecem aos montes, ainda que os cidadãos não o façam.

Marielle nadou contra a maré sua vida toda. Pior. Sempre encontrou quem a empurrasse para o fundo. Até trombar com o pior tipo deles, o verdadeiro ser humano de segunda classe, que segura a arma e suja a mão de sangue em nome de outros bandidos.

Nem precisaria dizer que Marília e o país todo estão cheios de pessoas que vivem essa mesma luta, de negros que mesmo com curso superior e boa condição social enfrentam preconceito grotesco, de mulheres sofrem com assédio e desconfiança no mercado de trabalho, no jogo político, nas relações sociais.

A morte de Marielle dá mais um rosto, um nome e uns dias de visibilidade à indignação, as campanhas contra violência preconceito e será usada por todo tipo de linha política para suas defesas.

Resta saber quanto ela vai ajudar o cidadão comum a ver a Marielle que vive na mesma cidade, no mesmo bairro. O tipo de bandidagem que levou à sua morte também mora ao lado e não vai sair enquanto o cidadão comum não se mexer contra os responsáveis pela mudança.