Diga-se de cara: nada contra radares. Podem ser soluções em diferentes situações e embutem previsão de mais segurança, especialmente a pedestres. Mas não se pode justificar com os benefícios um jogo de vale-tudo para ter os equipamentos.
E a instalação dos serviços em Marília começa com os traumas de uma cidade que já viveu sob uma indústria de multas agravada por um projeto contaminado por meias-verdades, pressa e pouca informação técnica. E é claro, com uma enorme suspeita de superfaturamento – gasto excessivo e indevido de dinheiro público – e uma ação judicial que questiona a legalidade de tudo.
Vale a pena pontuar algumas situações:
Pouca técnica
– O contrato para instalar radares, assinado na quarta-feira (11) e publicado nesta quinta (12) é resultado de um termo de “anulação da revogação” assinado em 4 de dezembro pelo diretor-adjunto da Emdurb para ser “ratificado” no dia 5 pelo presidente. Não podiam esperar um dia?
– O ato anula dois atos de revogação da própria prefeitura sob a acusação de “falta de justificativa”. A revogação tem quase dez páginas de justificativa. Em duas linhas a Emdurb diz que elas não representam nada? A prefeitura errou em março quando revogou ou em dezembro, quando desistiu da revogação?
– A retomada da licitação não foi acompanhada por campanhas de orientação, pesquisas sobre pontos críticos ou dados técnicos sobre pontos de mais infrações. Ou seja, a prefeitura não demonstrou sinal algum de que tem um modelo de atuação para paz no trânsito. Começa por querer multas.
– A assinatura do contrato ignora dois procedimentos de investigação, do Ministério Público e do TCE, e uma lei aprovada e hoje (13) promulgada pela Câmara.
Pressa
– A partir do momento em que decidiu retomar a licitação, a Emdurb caminhou para testes e previsão de homologação do contrato, todos retomados em silêncio, inclusive sem o tradicional oba-oba político que acompanha projetos políticos
– Assim que vetou a lei contra os radares, a prefeitura retomou o processo para homologar a licitação, antes mesmo de o veto ser votado na Câmara, onde foi rejeitado
– Em quatro meses após decidir instalar radares, a prefeitura chega ao contrato. Muito mais rápido do que decidiu compra de carne para merenda e uniformes para escolas, para ficar em dois processos básicos de investimentos públicos
– Enquanto corria para ter os radares com a empresa da licitação revogada, a prefeitura e a Emdurb mantiveram um inexplicado descaso por procedimentos de transparência e a agilidade para publicar decisões não chegou nem perto da pressa para contratar
Meias-verdades
– A primeira justificativa para a pressa pelos radares foi a informação de que a medida atendia exigência do Ministério Público, tomada com base em um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que demorou a aparecer e mostrou que o MP pedia controle em uma avenida, a radial Leste-Sul (Cascata), onde estariam ocorrendo rachas
– Outra justificativa é o grande número de acidentes, lesões e mortes do trânsito, que usou números gerais e ignorou a separação dos casos da rodovia do Contorno – onde a prefeitura não pode colocar radares – e endereços que nunca apareceram nos projetos.
-A retomada da licitação foi apresentada como “princípio da continuidade” da administração, uma ideia de que a gestão não muda quando mudam as pessoas, que é importante mas não foi considerada em diferentes casos – o mais clássico deles é o Plano de Carreira revogado pelo prefeito Daniel Alonso.
– A defesa do projeto passou a transformar o caso em um Fla-Flu, em que qualquer posição contrária é oposição política ou condenação dos radares, um desserviço ao debate.
E isso sem falar das suspeitas de superfaturamento, sem falar da falta de um plano de mobilidade para definir se os radares são a maior prioridade do setor, sem falar do mais absoluto desinteresse por debates públicos.
E nada disso nasceu na oposição ou nos meios de comunicação. A reação contras os radares também não. Ela começou na base do prefeito, nos indignados com um modelo de gestão que a cada passo deixa mais antigos aliados pelo caminho e segue em alta velocidade para jogar fora uma perspectiva de mudança política e ser mais do mesmo.
Contra essa corrida o único radar que funciona é a atenção pública. O radar pode ser bom, se for feito junto com a comunidade e sem rastros de suspeitas é ainda melhor.