Ninguém nasce racista: o que eu senti.

Viralizou – e virou polêmica – um vídeo produzido pela rede Globo que reproduz modelo de grvação de depoimentos reais para mostrar o choque que condutas de preconceito e agressão causam. Sob o tema “ninguém nasce rascita” o vídeo colocou crianças para ler ofensas contra pessoas negras, ofensas infelizmente comuns.

Na minha opinião o vídeo da rede Globo é mais que polêmico: é uma faca de dois gumes. Ao tempo que ressalta a importância de combater o racismo, erra de cara ao escalar o elenco: as crianças na posição de ofender a mulher negra são geralmente as crianças ofendidas no decorrer de sua vida. O vídeo mascara quem realmente comete/reproduz esses atos.

O que eu senti ao ver um vídeo foi retornar à minha infância no período escolar e perceber que eu aceitava coisas que não podiam ser aceitas, eu naturalizava o racismo que sofria na escola para que eu pudesse ter amigos, mas isso não era positivo no todo. O fato de aceitar brincadeiras e piadas não minimizava o que eu sentia, pelo contrário, era uma tortura não poder revelar a raiva e a tristeza que eu sentia, e ter que demonstrar que eu era “legal” e que as crianças podiam continuar “meus amigos”.

Agora me diz que desespero para um criança ouvir que o cabelo dela era “ruim”? Ou pior, ter o dedo mindinho quebrado por ser negrinha, e a criança que fez isso, sair gritando pra todo mundo que fez porque não gostava da negrinha?

Eu me coloquei no lugar daquelas crianças… eu senti a aflição delas ao ter que repetir aquelas frases para uma mulher negra, eu me vi criança e adulta ao mesmo tempo. Reproduzir aquilo era ME OFENDER !!! E pensar que aquela situação que vivia na infância nunca ia acabar! Foi horrível a sensação ao assistir isso. Sei que foi feito na melhor das intenções, mas falhou na tentativa de sensibilizar, fez sensaciolismo.

Muitos vão me perguntar, mas como você superou tudo isso? Graças aos meus pais, dentro de casa sempre tive elogios, representatividade dentro de casa, meu pai assinava a revista Raça e eu sempre via pessoas negras como pessoas normais, bonitas e responsáveis, isso se chocava com que eu via na tv e meus pais sempre conversavam comigo sobre racismo, me explicando os dois lados, eles me falavam que as pessoas não eram ruins, mas nós não podíamos chegar batendo nelas porque elas nos ofendiam, tínhamos que fazer por nós, senão seriamos que nem elas que precisavam de ajuda para melhorar.

Por isso hoje, com o coletivo Negras Ginga levo o empoderamento à crianças e mulheres negras, pois muitos deles não tiveram as palavras que eu tive no meu processo de formação.