Marília

O protesto, a cegueira e os limites da decência

O protesto, a cegueira e os limites da decência

Uma estudante que participava de manifestações contra o impeachment em São Paulo sofreu ferimento no olho durante repressão policial ao que foi considerado abuso no protesto. A estudante perdeu a visão do olho esquerdo e sua foto com sangramento e dor viralizou.

Como acontece nos últimos meses, a discussão começou com as acusações de baderneiros e bandidos de um lado e truculentos e abusivos do outro.  E como tem sido farto no período, a discussão descambou para o absurdo: grupos comemorando o fato de a menina ficar cega.

Quem comemora um caso desse precisa de acompanhamento urgente, se não judicial, no mínimo psicológico.

Queimar lixeiras, quebrar vidros e danificar lojas é crime. Sem debate sobre isso. Quem entra na manifestação para fazer isso deveria ser reprimido pelos próprios manifestantes. Aliás, a lei faculta ao cidadão promover a detenção até chegada da autoridade policial. 

Os abusos nos protesto, participar para fazer quebradeira como forma de chocar os defensores do governo ultrapassa em muito qualquer direito e qualquer limite da integridade, decência e democracia que os protestos pregam. Quem faz merece punição. Não é honesto, não é decente, não é humano comemorar que a empresa de alguém, que dá a ele e empregados seu sustento, foi incendiada.

De um lado e de outro, não é tribunal de rua e nem aparato policial que decide a punição. 

Sem contar que além da menina, fotógrafos, jornalistas – até da inglesa BBC – foram agredidos a esmo, assim como pequenos empresários, comerciantes, trabalhadores – até contra o impeachment – sofrem perdas financeiras, emocionais e físicas com os abusos nos protestos.

Mas não há na lei, no senso lógico, em qualquer sentimento jurídico, humanista ou religioso a indicação de que a pena para vandalismo seja perder um olho. Ah, foi um efeito colateral:? Um termo bonito que justifica abusos e erros nos dois lados da moeda.

E uma coisa é entender – para algumas pessoas até aceitar – que estes efeitos colaterais existam. Já são há muitos questionáveis em guerras e tiroteios, imagine em uma manifestação. 

Mas comemorar essa consequência é totalmehte diferente de entender e aceitar. Achar bom que estes desvios aconteçam. Pensar que tudo bem se uma criança morre, era o combate ao terrosimo, ou legal que a mulher do traficante morreu deitada, estava com ele porque queria, “notícia potencialmente boa” que uma jovem ficou cega quando saiu de casa para um protesto político. 

Está errado, quem faz sabe, e isso precisa mudar.

Ataques contra grupos com os quais nos sentimos próximos causam comoção, mas não há indignação quando civis e inocentes morrem em ataques aos outros. Vale contra países onde há terroristas, religiões “exóticas”, comunidades miseráveis e agora políticos de outras linhas. O outro não é humano. E isso está muito errado.

Muito errado quando gente que posta mensagens religiosas, publica orações, celebra mensagens de que “família e amigos” são a melhor coisa do mundo, celebra nas redes sociais o fato de uma jovem ficar cega em situação de violência.

Fica ainda pior se um professor universitário, que deve receber em sua sala todas as vertentes de ideias políticas, religiosas e pessoais e ser um caminho para tolerância e solução vai para as redes sociais comemorar a perda de visão de uma estudante.

Débora Fabri, a vítima, pode ter muitos erros. Existem leis, instituições e medidas a serem tomadas para puni-la, desmotivar outros e impedir novas situações. Não há uma forma humana e racional que diga que tirar sua visão seja uma delas. E não há justificativa civilizada, humana, para comemorar se isso, ainda que por acidente, aconteça.

Não é humano. Não é cristão, não é muçulmano, não é budista e não é decente comemorar que uma jovem fique cega por causa de um protesto.