OSÓRIOS, OSÓRIO

Nome mais nome igual a nome,
uns nomes menos, uns nomes mais.
Menos é mais ou menos,
nem todos os nomes são iguais.
Nomes a menos,
Paulo Leminski

A história do indivíduo começa com a do seu próprio nome. E o nome de Osório tem história peculiar. Nasceu em 17 de abril de 1898, em Santa Maria da Vitória, na beira do rio Corrente, afluente na margem esquerda do rio São Francisco, Bahia. Era filho de Catarina Afonso de Oliveira, nascida de “ventre cativo”, e de Pedro de Almeida Castro, comerciante. O registro de nascimento ocorreu apenas no ano seguinte, chamando-se Osório Afonso de Oliveira. Em 1901, foi registrado como Osório Alves, tendo o sobrenome de família do avô materno substituído pelo do padrasto, João Alves de Souza. Em 1920, incorporou o sobrenome do pai, passando a chamar-se Osório Alves de Castro.

Nascido na primeira década do regime republicano, o seu primeiro nome era, então, corrente no imaginário popular. Popularidade que fora reforçada com as evocações e homenagens que, entre 1892 e 1894, o governo do marechal Floriano Peixoto rendia ao general e ex-Ministro da Guerra, Manuel Luís Osorio (1808-1879). Herói na Guerra do Paraguai, quando foi ferido na batalha de Avaí, durante anos a sua estátua no Rio de Janeiro receberia homenagens dos veteranos da guerra.

Pertencera ao Partido Liberal – defesa do poder descentralizado e participação política – e seus méritos militares, atuação política e personalidade afável, tornaram o general encarnação e símbolo da esperança de mudanças nas décadas finais do Império e primeiras da República. Do vale do rio Corrente partiram inúmeros “voluntários da pátria” para os combates no Paraguai. Não foi casual que o afamado militar cedesse o nome aos meninos que lá nasciam, às vésperas do século XX.

Na juventude Osório Alves ganhou a vida no comércio de porta aberta. No balcão, ouviu contos e causos de brejeiros e barqueiros, de vaqueiros e remeiros, de homens e mulheres, das terras e das águas do Corrente e do São Francisco. Engenhoso, transitou por diferentes linguagens artísticas, como música, teatro, jornalismo e poesia. Escreveu o hino “Centenário” para a comemoração dos 100 anos da independência do Brasil, com música do maestro José Leopoldo Lima. Foi Tenente da Guarda Nacional e teve participação ativa na vida política local, sendo Conselheiro (vereador) em sua cidade natal, eleito em 1919.

Mudou-se para São Paulo, em 1923. Seguindo a rota dos migrantes da região correntina, dirigiu-se para o noroeste paulista, acompanhando a expansão da fronteira agrícola, das ferrovias, o crescimento de cidades novas, como Bauru, Lins e Marília, e as oportunidades de vida e de trabalho. Em 1927, vinculou-se ao movimento comunista. Em 1934, fixou residência em Marília e ali instalou a sua Alfaiataria Rex.

Foi neste ofício que garantiu o sustento da família e a educação dos seis filhos. Tornou-se militante e dirigente municipal do Partido Comunista do Brasil (PCB). Após a queda do Estado Novo, em 1945, foi candidato a vereador, quando o PCB elegeu o médico Reinaldo Machado para a Câmara Municipal de Marília. Nesta cidade Osório viveu e trabalhou durante 30 anos, até a sua prisão e a mudança para São Paulo, após o golpe militar de 1964.

A Alfaiataria Rex era pequena, com algumas prateleiras, vitrines, balcão de atendimento e mezanino para máquinas de costura e mestres nas artes do ofício. Localizada na avenida Nove de Julho, em área comercial de grande movimento, próxima ao edifício da prefeitura e junto ao Hotel Líder, tornou-se logo ponto de encontro de jovens poetas e intelectuais, migrantes baianos em trânsito, estudantes, dirigentes e militantes políticos, comunistas ou não, ali reunidos em conversas sobre livros, literatura, política nacional e as rivalidades internacionais entre capitalismo e comunismo.

Alguns metros adiante estava a sede da Associação dos Alfaiates de Marília, da qual Osório foi fundador, em 1944, e que aglutinava, além dos profissionais, numeroso público em solenidades, bailes de carnaval, palestras e volumosa biblioteca.

Foi no interior de São Paulo que escreveu dois de seus livros tardiamente editados. Em 1961, publicou Porto Calendário, na Editora Francisco Alves. Em 1990, a Empresa Gráfica da Bahia publicou Bahiano Tietê. O primeiro é ambientado no vale do rio Corrente e na vida cotidiana de Santa Maria da Vitória, na passagem do século XIX para o XX e suas primeiras décadas.

O romance recebeu o Prêmio Jabuti (1962) e o autor o convite para visitar a União Soviética, em 1963. Em junho de 1977, a Editora Símbolo, de São Paulo, publicou a 2º edição e, em 2017, a Assembleia Legislativa da Bahia lançou a 4º edição. Em Porto Calendário encontra-se o emblemático personagem Pedro Voluntário da Pátria, retratado na dor de sua vida trágica, expropriado dos filhos, carcomido pela forme, a pobreza e a violência de uma sociedade brutalmente opressiva e repressora.

Bahiano Tietê apresenta a saga dos migrantes nacionais, baianos sobretudo, e estrangeiros, trabalhadores do campo e da cidade que, entre 1910 e 1940, fizeram do vale do rio Tietê, no sertão noroestino paulista, um pedaço da Bahia no estado de São Paulo. Em 1978, também pela Editora Símbolo, foi lançado Maria fecha a porta prau boi não te pegar, livro em que afloram os dramas humanos, sobretudo das mulheres no vale do São Francisco, com a formação do arraial e a guerra de Canudos, na última década do século XIX.

Em São Paulo, vivendo com a esposa Josefa Maria Medina, junto das duas filhas e dos quatro filhos, rodeados de netas e netos, escreveu, fez palestras, frequentou instituições culturais, livrarias, personalidades e eventos literários. Deixou inéditos um romance e um testemunho da experiência da longevidade individual no grande centro urbano. Faleceu em dezembro de 1978.

Hoje, as cinzas de Osório Alves de Castro redemoinham nas águas do rio Corrente. Foram lançadas pelo filho, Terto Alves de Castro, em 1982. Dali elas contemplam as paisagens, os bichos e as plantas, as mulheres e os homens, as crianças e os velhos, da terra que o trouxe ao mundo e fez brotar a sua sensibilidade, a escrita, então, rara e afortunadamente aprendida, e o apreço pela liberdade humana. Da terra que fecundou e projeta a sua singular literatura.