Marília

Pesquisador de Marília vê ilegalidade e abusos em decretos da quarentena

Pesquisador de Marília vê ilegalidade e abusos em decretos da quarentena

Decretos inconstitucionais, arbitrariedades, invasão à privacidade. As análises, aqui bem resumidas, estão em mensagens e vídeos do professor e pesquisador em direito Emerson Ademir Borges de Oliveira, de Marília, que aponta erros graves na forma de adoção e imposição da quarentena contra epidemia de coronavírus no país.

Doutor em direito e docente no programa de pós-graduação da Unimar, o professor diz que a forma e a extensão das medidas ferem a Constituição. Defende medidas de afastamento social e controle sanitário, mas diz que é preciso adotar as decisões sem abandonar a legalidade.

Veja abaixo a análise do professor sobre diferentes situações jurídicas das medidas adotadas pelos governos dos estados e pelas prefeituras.

Giro Marília – O senhor defende que as medidas de restrições teriam que ser adotadas por lei, com votação nas Assembleias e Câmaras. O Estado de Calamidade não dá aos governos o direito de atuar pelos decretos?

Emerson Ademir Borges de Oliveira – Somente pode ser por lei. O Estado de Calamidade é algo que não existe na constituição. Na Constituição temos o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, instrumentos que podem ser utilizados, se enquadrariam perfeitamente, e claro que isso é uma esfera federal, da União. O que defendo é que não existe a possibilidade de isso ser feito por decreto.

Para que isso aconteça tem que haver a decretação do Estado de Defesa ou do estado de Sítio. O Estado de Defesa não precisa de autorização do Congressos, embora o Congresso posteriormente vá ratificar ou não. O Estado de Sítio depende de autorização do Congresso.

Uma vez decretado um ou outro o governo federal pode por meio de decreto estipular os limites. Fora isso não existe nenhuma possibilidade.

Essa questão do estado de calamidade é uma criação política. Isso não é nenhuma situação que autoriza fazer por decreto.

GIRO MARÍLIA – Mesmo com a proposta de lei, as prefeituras teriam ainda mais limites que os governos?

EMERSON BORGES – Os municípios não têm mais limites que os Estados e União. Em termos de normas que tratam de direito econômico, por exemplo, cabe à União editar normas gerais, os Estados podem legislar sobre normas complementares em cada estado e os municípios complementam para tratar de assuntos de interesse local, Não pode desvirtuar da legislação federal nem estadual.

Plenário do STF; decisão do ministro Alexandre de Moras mantém decretos estaduais de quarentena

GIRO MARÍLIA – Se a ilegalidade é tão latente, porque nem os tribunais de Justiça e nem o STF barraram os decretos?

EMERSON BORGES – É um ponto que eu e alguns professores temos discutido bastante. Acredito que neste momento nenhum Tribunal, nenhum juiz, com raríssimas exceções, se sentem tranquilos, se sentem à vontade para declarar essas inconstitucionalidades porque acreditam que o se o fizerem de alguma forma estarão colaborando para o aumento da pandemia.

Então, entre uma inconstitucionalidade e talvez algum risco à saúde preferem manter uma inconstitucionalidade temporariamente.

Mas não é esse o papel do Poder Judiciário. O Papel do Poder Judiciário é reconhecer quando existem violações à Constituição, violações ao texto legal, até porque os impactos que isso possa ter podem ser piores que aqueles que se entende que estão sendo protegidos quando se mantém uma eventual inconstitucionalidade.

Vejo que existe um certo medo, um certo receio, por isso os tribunais têm se omitido de uma forma bem clara em relação a reconhecer esses equívocos inconstitucionais

GIRO MARÍLIA – Em São Paulo o governo iniciou um acompanhamento de movimentação das pessoas pelo sistema de celular. O senhor condena a medida?

EMERSON BORGES – Essa questão dos celulares é uma medida completamente absurda, autoritária e que viola direito à privacidade também. Ontem tinha escutado alguém, não me recordo quem, dizer que não tem nenhum tipo de violação ao direito de privacidade porque a informação é geral. Isso não existe. A antena capta a vinculação entre uma linha de celular e a própria antena. Quando você se desvincula de uma conecta em outra. Então existe sim uma identificação individual e os dados estão sendo passados considerando um coletivo mas que na verdade a soma desse individual que está sendo captado pela antena.

Não poderia ser feito, as próprias empresas lavaram as mãos, permitiram e aceitaram vamos dizer que uma certa imposição do governo estadual sobre estes convênios como foram chamados para não se comprometer também, por acreditar que se puder agir de alguma forma estará ajudando a combater ou qualquer coisa do tipo, então que não tem problema.

Esse momento todo mundo tem receio, todo mundo tem medo, ninguém vai fazer nada, a não ser as denúncias nossas, de juristas, de pessoas comprometidas com a defesa da Constituição. Quando tudo passar e começarmos a olhar para trás vamos ver quantas arbitrariedades, quantos equívocos, quantas violações foram cometidas.

Polícia Militar no Amazonas durante abordagem a moradores

GIRO MARÍLIA – O senhor reagiu ainda mais indignado com a possibilidade de detenção em caso de desrespeito às restrições. Por que esta situação seria tão grave?

EMERSON BORGES – Quanto à possibilidade de detenção essa é talvez uma das mais graves porque ela tolhe de forma patente o direito de ir e vir. Questões que dizem respeito à detenção, ou seja, direito penal, são exclusivas da união, Estado sequer pode tratar de qualquer temática relacionada.

Não há nenhuma violação que possa ser considerada em termos de direito penal porque a base, aquilo em que está se baseando para reconhecer o flagrante, é justamente um decreto que é inconstitucional.

Não temos restrições estabelecidos por lei que estariam sido violadas por cidadão capaz de gerar aí um flagrante ou crime do direito penal que trata de desobedecer imposições restritivas em prol da saúde. Esse crime existe, só que estas restrições têm que estar em acordo com a Constituição, tem que ser legais, não podem violar aquilo que nó chamamos de núcleo essencial do direito.

Por isso que elas são arbitrárias, completamente ilegais do ponto de vista constitucional, não há nem muito o que falar, não poderia por decreto impor restrições que caso restringidas poderiam ensejar essas prisões.

GIRO MARÍLIA – Que medidas judiciais o cidadão poderia tomar frente a esta situação?

EMERSON BORGES – O cidadão pode tentar ir a juízo, como uma loja que exerce uma atividade econômica está fechada, para tentar sua reabertura. Além dessa questão da inconstitucionalidade dos decretos, que é a questão mais pesada, já vi no Paraná uma decisão judicial que permitiu a reabertura de uma academia, claro que adotadas medidas sanitárias porque entendeu que feriu princípio da isonomia: outras lojas, outras atividades estão sendo abertas então porque a academia fechada?

Mas tem que tomar cuidado porque o poder judiciário está um pouco receoso de declarar inconstitucionalidade, de reconhecer violação ao princípio da isonomia,  como nesse caso, são pouquíssimas decisões que temos ainda, talvez nesse momento seja difícil obter

Recordo aqui uma ação civil pública quando a Prefeitura de Marília discutia possibilidade de reabertura, o Ministério Público entrou com uma ação civil pública e a Vara da Fazenda concedeu liminar para proibir que as discussões continuassem se fossem contrárias ao decreto estadual.

Ficou bem claro  que no poder judiciário, principalmente em Marilia, não está querendo enfrentar essas questões sobre eventuais ilegalidades, inconstitucionalidades.

Vi outra decisão, essa no TRF do Rio de Janeiro que reconheceu que as Lojas Americanas como atividade essencial equiparando ao supermercado. É uma outra possibilidade, a atividade econômica tentar se enquadrar dentro daquelas atividades consideradas essenciais para conseguir sua reabertura.

GIRO MARÍLIA – Como deveria ser a regulamentação das restrições considerando a orientação técnica de isolamento social?

EMERSON BORGES – Eu entendo que essa regulamentação de restrições tem que ser feita por lei, a lei federal dá ali alguns parâmetros, embora não faça de forma especificada. O que temos hoje fazendo esse tipo de restrição são os decretos, no meu ponto de vista isso não seria possível.

GIRO MARÍLIA – Mas como o senhor analisa a ideia de restrições, isolamentos e mudanças de comportamento na crise do coronavírus?

EMERSON BORGES – Não sou contra a existência de restrições, elas são necessárias, o momento exige cuidado, mas não dá forma como está sendo feito. Esse é o ponto. Esse tipo de violação em relação ao formato. A orientação técnica de isolamento ela impõe algumas medidas de fato mas desde que essas medidas fossem estabelecidas por lei.

As restrições, os isolamentos, essa mudança de comportamento que eu acho que vai ser duradoura, de certa forma vamos aprender a viver de outra maneira, elas vão ocorrer, vamos ficar acredito bastante tempo ainda nesta situação mais branda, mas de forma duradoura, quando tudo acabar, acabemos adotando uma série de medidas, talvez até algumas espontaneamente.

Agora, as medidas que são parâmetros em termos de medidas sanitárias também precisam ser estabelecidas por lei, não podem ser pura e simplesmente uma convenção, uma ideia de um governador de Estado, de um prefeito, até para evitar medidas sanitárias muito impositivas que na pratica inviabilizam o funcionamento do próprio comercio.

Imagine por exemplo que em um camelódromo você exigir que ele tenha distância de três metros um pro outro, o camelódromo não funciona, não existe, não tem como ele funcionar, é preciso ter cuidado com a realidade.