Marília

Propaganda eleitoral antecipada: limites e controvérsias

Propaganda eleitoral antecipada: limites e controvérsias

Há dois temas extremamente complexos no direito eleitoral: a propaganda antecipada e o abuso do poder econômico. Complexos em razão da inexistência de uma linha nítida que possa indicar a partir de que momento estamos diante de sua configuração.

 

Falemos, hoje, do primeiro.

Todos assistiram à discussão acerca da propaganda antecipada no festival de rock Lollapalooza, realizado entre os dias 25 e 27 de março deste ano. Em vista da manifestação de preferência política de alguns artistas que se apresentaram no primeiro dia do festival houve um questionamento acerca de eventual propaganda eleitoral antecipada. Na ocasião, a cantora Pabllo Vittar ergueu uma bandeira com a imagem do ex-Presidente Lula, ao passo que a artista galesa Marina proferiu ofensas ao atual Presidente Bolsonaro.

No dia seguinte, em 26 de março, o Partido Liberal, partido do atual Presidente, ingressou com uma ação junto ao Tribunal Superior Eleitoral. O Ministro Raul Araújo, na mesma data, considerou as manifestações políticas como “propaganda antecipada” e “propaganda negativa”, o que é vedado pela legislação, proibindo novos pronunciamentos políticos, com multa por evento de R$ 50 mil.

Por um erro do autor da ação, o qual indicara réus e endereços equivocados, a empresa que organiza o festival – Time4Fun – sequer chegou a ser intimada, embora a decisão tomasse repercussão imediata, especialmente entre os artistas que, espontaneamente, a descumpriram, sob alegação de censura. Ante a ineficácia da decisão, na segunda-feira, dia 28, o Partido desistiu da ação.

Eis aqui um verdadeiro nó górdio do Direito, isto é, um obscuro caminho em que a propaganda antecipada pode se chocar com a liberdade de expressão. De um lado, é de todo desejável o arredondamento das regras do jogo. O artigo 36 da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) apenas permite a propaganda eleitoral após o dia 15 de agosto do ano das eleições. Claro que isso não impede, por exemplo, a menção a uma pretensa candidatura (pré-candidato), exaltação de qualidades pessoais, prévias partidárias, divulgação de posicionamento pessoal e outras atividades afins, desde que não haja pedido expresso de votos. Mas o objetivo é que, dada a largada, todos caminhem juntos.

Da mesma forma, e por paridade, é vedada a realização de propaganda negativa, isto é, aquela em que, mesmo não requerendo votos a si mesmo, tem a finalidade exclusiva de ofender a honra e a imagem do outro candidato, ou valer-se do anonimato para promovê-lo, em especial nos dias conectados de hoje. Do outro lado, contudo, em um ambiente democrático, a Constituição garante expressamente a liberdade de expressão (artigo 5º, IV, CF), vedado o anonimato, bem como a liberdade de expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (artigo 5º, IX, CF) e a vedação a qualquer tipo de censura de natureza política, ideológica ou artística (artigo 220, §2º, CF).

É isso que nos permite, enquanto cidadãos, manifestarmos nossas preferências políticas, pessoalmente ou em nossas redes sociais, vedado o anonimato e garantido o direito de resposta, conforme dispõe o artigo 57-D da Lei 9.504. Daí também a previsão disposta na Resolução 23.761/2021 do TSE, a qual, no seu artigo 27, §2º, atesta que as manifestações de apoio ou crítica a partido político ou candidato antes da campanha eleitoral, próprias do debate democrático, devem ser regidas pela liberdade de expressão.

Ainda, o artigo 28, §6º, da mesma Resolução afirma que a “manifestação espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político-eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidata, candidato, partido político, federação ou coligação, não será considerada propaganda eleitoral”, desde que não ofenda a honra ou imagem de candidatos, partidos, federações ou coligações ou divulgue fatos sabidamente inverídicos.

Cabe lembrar, nesse tema, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.970, contra o dispositivo que proibiu os chamados “showmícios”. Embora a proibição seja válida, eis que visa evitar a captação de sufrágio, isso não impede que os artistas apresentem suas manifestações políticas próprias.

Um termômetro ideal será sempre o pedido de votos ou o objetivo da manifestação. Vale dizer, o apoio espontâneo, de artistas ou qualquer outra pessoa, antes do período de propaganda eleitoral, não realizado de forma anônima, a qualquer candidato, partido, federação ou coligação, é válido e se afina com a liberdade de expressão, desde que, nessa manifestação, não ocorra pedido de votos ou a manifestação não denigra a imagem ou honra do ofendido ou, ainda, não sirva à divulgação de fatos sabidamente inverídicos.

Fora dessas hipóteses, faz parte do fértil e saudável ambiente democrático. Voltaire, filósofo francês, sempre lembrava: “Posso não concordar com uma única palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-la”.