Marília

Romances que separei para minha mãe ler

Romances que separei para minha mãe ler

Separei sete romances:

Expresso do Oriente : de Grahan Greene.
A última torre : Walter Scott.
Risíveis amores : Milan Kundera.
Náufragos do passado : Jocelyn Haley.
A filha do reverendo : George Orwell
O fiel e a pedra : Osman Lins.
Paris é uma festa : Ernest Hemingway.

É uma pequena listagem, mas que lhe dará bastante trabalho e – espero – prazer literário. São autores diversos, qualidade alternada e estilos muitos diferentes. Até antagônicos. Imagine-se comparando Hemingway e Orwell ou Grenne com Kundera. 

Em todo caso, hoje vi os livros na mesa da cozinha. Ela começara a leitura pelo Walter Scott, apenas porque era o primeiro da pilha. De passagem para tomar água – escassa por aqui –, não sei explicar como se deu, mas fui tomado por irresistível curiosidade. Daquele tipo que põe o gato no telhado.

Não pensei, apenas espalhei os livros pela mesa e fiquei olhando seus autores, títulos, cores, tamanhos e formatos tão díspares. Alguns já li, e faz tempo. Nada me importava naquela hora. Somente uma fixação que durou segundos. Mecanicamente, olhava-os, como se procurasse por algo escondido em cada um. Não pensava adequadamente ou racionalmente sobre o que fazia. Tomava água e olhava. O que estaria ali, que não via de forma clara?

De repente, do nada, fui mudando a ordem aleatória que havia distribuído anteriormente. Em segundos, estavam um ao lado do outro, mas com uma lógica novíssima. Aliás, sem serventia alguma. Mas, estavam ali, alinhados, contando-me outra versão dos fatos. Na verdade, arrumados de alguma forma, os títulos me deram outra história. Olhei e dei risada desse ócio criativo – assim mesmo, sem finalidade, a não ser aquela que nos entretém quando somos curiosos e criativos.

Fui chamá-la para ver minha história personalizada. Quando ela viu os livros todos espalhados já fez aquela cara. Mas, sentou-se de frente para a fileira de livros que cobria a mesa. Olhou-os, leu os títulos mentalmente e me olhou. Nessa hora, narrei a história que se fizera do acaso. Ficara assim:

Paris é uma festa, mas como tudo tem o fiel e a pedra. Ali, fugindo de seus náufragos do passado, e à procura de novos risíveis amores, a filha do reverendo pegou o Expresso do Oriente para chegar à última torre”.

O que aprendi nessa estranhíssima experiência é que, na vida, nem tudo precisa ser útil. Assim como a literatura deve ser lida desinteressadamente – e não apenas de forma utilitária, para passar em vestibular ou para recitar a sapiência aos amigos/inimigos –, muitas coisas bem simples podem aproximar pessoas, e sem interesses ocultos.

Rimos e cada um voltou a fazer o que queria. Eu alimentei os peixes e vim descrever minha proeza.

(*) Professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Pós-doutor em Educação e em Ciências Sociais. Doutor em Ciências Sociais (UNESP) e em Educação (USP). Mestre em Educação e em Direito. Bacharel em Ciências Sociais e em Direito.