O TCE (Tribunal de Contas do Estado) aceitou representação assinada por uma advogada de São Paulo e suspendeu a concorrência pública para terceirizar os serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto em Marília.
O Tribunal abriu prazo de cinco dias para que a prefeitura explique acusações de irregularidades do Edital. A advogada pede a impugnação da concorrência, ou seja, anulação total do processo.
A representação aponta série de irregularidades no edital. O relatório que suspendeu a licitação cita três acusações mais importantes que justificam a paralisação do processo:
– O edital veda a participação de empresas com suspensão do direito de participar de licitações ou impedidas de contratar com a Administração Pública de forma generalizada, que abarcaria todos os órgãos e esferas de governo, o que contraria a legislação de licitações
– O edital limita o número e espécie de atestados que podem ser apresentados para comprar qualificação técnico-operacional
– Os índices para cálculo de qualificação econômico-financeira não são justificados, especialmente em relação a pesquisa de mercado sobre o endividamento de empresas do segmento licitado.
A decisão foi divulgada ontem, dia 14, e já no final da tarde a prefeitura preparou portaria para suspender o processo. O termo de suspensão foi divulgado nesta sexta-feira no Diário Oficial do Município.
Além do prazo para apresentação das justificativas da prefeitura, o Tribunal determinou que o caso seja encaminhado para pareceres da assessoria técnica e do Ministério Público de Contas. Só então retornará para julgamento.
O despacho que suspendeu a licitação cita o direito de a prefeituras anular toda a concorrência. Ainda assim, a cidade teria de cumprir uma série de exigências para evitar multas.
Confira a íntegra do despacho que suspendeu a licitação
“Representante: Isabela Abreu dos Santos (OAB/SP nº 344.769)
Representada: Prefeitura Municipal de Marília Responsáveis pela Representada: Vinícius Almeida Camarinha – Prefeito
Subscritor do Edital: Bruno Valverde Alves de Almeida – Presidente da Comissão Permanente de Licitação
Assunto: Representação contra o Edital da Concorrência nº 013/2015, promovida pela Prefeitura Municipal de Marília, para obtenção da melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica, objetivando a delegação, na modalidade concessão, da prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, bem como a prestação de serviços complementares na área de concessão, sob regime de concessão de serviço público, previsto na Lei Federal nº 8.987/95 e na Lei Complementar Municipal nº 735/2015.
Valor Estimado da Contratação: R$589.456.966,46
Vistos.
1. RELATÓRIO
1.1.Trata-se de representação formulada por ISABELA ABREU DOS SANTOS contra o Edital da Concorrência nº 013/2015, promovida pela PREFEITURA MUNICIPAL DE MARÍLIA, para obtenção da melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica, objetivando a delegação, na modalidade concessão, da prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, bem como a prestação de serviços complementares na área de concessão, sob regime de concessão de serviço público, previsto na Lei Federal nº 8.987/95 e na Lei Complementar Municipal n.º 735/2015. A sessão pública da licitação está marcada para ocorrer no dia 05/02/2016, às 09: 00 horas.
1.2. A representante insurge-se contra o Edital assinalando que o mesmo padece de irregularidades, afrontando dispositivos e princípios norteadores do Direito Administrativo, restringindo a participação de potenciais licitantes no certame licitatório. Critica a disposição do subitem “6.2”, alíneas “i” e “ii” do Edital, que veda a participação de empresas apenadas por qualquer órgão da Administração Pública, nos termos do art. 7º da Lei nº 10.520/02, o que se mostra desarrazoada, notadamente pela jurisprudência desta Corte, cujo entendimento do aludido artigo são os mesmos do art. 87, inc. III da Lei nº 8.666/93. Cita o processo TC-003341/989/15. 6.2. É vedada a participação de empresas: (i) Que tenham sido declaradas inidôneas para licitar ou contratar com a Administração Pública; (ii) Que estejam cumprindo pena de suspensão do direito de participar de licitações ou impedidas de contratar com a Administração Pública”.
Censura a requisição do subitem “7.2”, alínea “iv” do caderno convocatório, tendo em vista que o Edital não pode estabelecer relação de subordinação interna ao consórcio, nem que haja limitação do exercício de liderança a empresas com qualificações extraordinárias, descumprindo o art. 33, inc. II da Lei de Licitações e Contratos. 7.2. O instrumento de constituição de consórcio ou de compromisso de constituição de consórcio deverá conter os seguintes requisitos: (…) (iv) outorga de amplos poderes à empresa líder do consórcio para representar as consorciadas, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente, em todos os atos relativos à licitação, podendo assumir obrigações em nome do consórcio.
Afirma que as exigências de qualificação técnica afrontam a Súmula nº 24 desta Corte, na medida em que o Edital em nenhum momento quantificou qual parcela de execução anterior de objeto semelhante seria o suficiente para comprovação da qualificação técnica, o que leva à conclusão que a licitante deve demonstrar que já realizou 100% do serviço destacado.
Sustenta que o subitem “10.2.2.1” do ato convocatório traz limitação na apresentação de atestados, circunstância que colide com a jurisprudência deste Tribunal, pois a Lei de Licitações não fixa um número mínimo ou máximo de atestados. 10.2.2.1 Para atendimento das alíneas “a”, “b”, “c” e “d é permitida a apresentação de até 4 (quatro) atestados, sendo, nessa hipótese, 01 (um) atestado para atendimento de cada alínea. O atendimento da alínea” e” é admitida por meio de apresentação de múltiplos atestados, desde que, pelo menos um dos atestados refira-se a captação não inferior a R$62.500.000,00 (sessenta e dois milhões e quinhentos mil reais) e as demais não possuam valor inferior a R$ 12.500.000,00 (doze milhões e quinhentos mil reais).
Condena as cláusulas dos subitens “10.3.3” e “10.3.3.2” do Edital, na medida em que este Tribunal posiciona-se no sentido de que as exigências de regularidade fiscal devem restringir-se aos tributos decorrentes do ramo de atividade da licitante e compatível com o objeto contratual. Menciona as decisões TC-027069/026/10 e TC-008810/026/08. 10.3.3. Prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente na forma da lei; (…) 10.3.3.2. A prova de regularidade para com a Fazenda Estadual do domicílio ou sede da licitante, se estiver inscrita, ou outra equivalente, na forma da lei;
Protesta contra o subitem “10.4.3” do caderno convocatório, que trata dos documentos relativos à qualificação econômico-financeira, porque requisita índices contábeis desarrazoados para Liquidez Corrente e Endividamento Global , em discordância com os considerados legais e razoáveis por esta Corte. 10.4.3. Demonstrativos de índices financeiros, extraídos do balanço patrimonial do último exercício social, apresentado para fins de análise das condições financeiras das LICITANTES. Os índices serão apresentados em números inteiros com 02 (duas) casas decimais após a vírgula com arredondamento: ILC = Ativo circulante / Passivo circulante (ii) O ILC – Índice de Liquidez Corrente define a capacidade da empresa em liquidar seus compromissos a curto prazo. O Índice de Liquidez Corrente (ILC) apresentado deverá ser igual ou maior que 0,90. IEG = Passivo circulante + Exigível a longo prazo / Ativo total (iii) O IEG = Índice de endividamento global define a participação de recursos financeiros por terceiros, sendo um indicador de risco da empresa. O Índice de Endividamento Global (IEG) apresentado deverá ser menor ou igual a 0,65.
1.3.Nestes termos, requer a representante seja determinada a suspensão liminar do procedimento licitatório e, ao final, o acolhimento de sua impugnação com a determinação de retificação do instrumento convocatório. É o relatório.
2. DECIDO
2.1. A concessão da medida liminar de paralisação do certame é ato que se impõe neste momento para afastar possíveis impropriedades trazidas pela representante, especialmente diante do exame sumaríssimo do processamento do Exame Prévio de Edital, de cognição não plena do ato convocatório, pois não cabe análise aprofundada e prematura da matéria discutida; cumpre verificar, tão somente, dentre as objeções oferecidas pela peticionária, se há sinais de “bom direito” para que se expeça a medida liminar.
2.2.A notícia trazida pela insurgente acerca da exigência editalícia que veda a participação de empresas com suspensão do direito de participar de licitações ou impedidas de contratar com a Administração Pública de forma generalizada, que, utilizando-se os termos do inc. XI, do art. 6º da Lei nº 8.666/93, abarcaria todos os órgãos e esferas de governo, está a fornecer indícios suficientes de confronto com o inc. III, do art. 87, do mesmo diploma legal referido, e jurisprudência desta Corte, nos termos dos julgamentos dos processos TC-007644/989/15-4 (Sessão Plenária de 11/11/2015, de Relatoria do Eminente Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo), TC-002009/989/15-3 (Sessão Plenária de 27/04/2015, de Relatoria do Eminente Conselheiro Renato Martins Costa), TC-002684.989.15-5 (Sessão Plenária de 27/04/2015, de Relatoria do Eminente Conselheiro Renato Martins Costa), entre outros.
Outra questão de relevo apresentada pela peticionária é com relação à limitação de atestados para a comprovação da qualificação técnico-operacional, de acordo com o subitem “10.2.2.1”, do Edital, que não encontra guarida na lei de regência, haja vista o termo utilizado no plural de “atestados”, consoante prescreve o §1º do art. 30.
Não menos importante é a insurgência contra os índices de qualificação econômico-financeira, na medida em que carecem de justificativas hábeis a legaliza-los, notadamente na demonstração de pesquisa de mercado sobre o endividamento de empresas do segmento licitado.
2.3.Tais questões mostram-se suficientes, a meu ver, para uma intervenção desta Corte, com o intento de obstaculizar o prosseguimento da licitação, para análise em sede de exame prévio de edital, por estar caracterizados indícios de ameaça ao interesse público.
2.4.As demais censuras formuladas devem ser devidamente justificadas pela Municipalidade de Marília, a fim de que não causem comprometimento, restrição ou frustração do caráter competitivo da licitação.
2.5.Ante o exposto, tendo em conta que a data de abertura da sessão pública está marcada para o dia 05/02/2016, com fundamento no artigo 221, parágrafo único, do Regimento Interno deste Tribunal, DETERMINO A IMEDIATA PARALISAÇÃO DO PROCEDIMENTO, até a ulterior deliberação por esta Corte, devendo a Comissão de Licitação abster-se da realização ou prosseguimento de qualquer ato a ele relacionado, exceto na prerrogativa conferida à Administração Pública quanto à disposição do art. 49, da Lei nº 8.666/93.
2.6.Fixo o prazo máximo de 05 (cinco) dias à PREFEITURA MUNICIPAL DE MARÍLIA para que apresente cópia integral do Edital e dos seus Anexos, para o exame previsto no art. 113, §2º, da Lei nº 8.666/93, ou, alternativamente, que certifique a este Tribunal que a cópia do Edital acostada aos autos pela representante corresponde fielmente à integralidade do Edital original. Caberá à PREFEITURA MUNICIPAL DE MARÍLIA, no mesmo prazo, apresentar as alegações e esclarecimentos que julgar oportunos em relação a todas as insurgências levantadas na representação.
Outrossim, alerto que o não atendimento à requisição de remessa de cópia do Edital poderá implicar na cominação de multa à autoridade responsável de até 2.000 (duas mil) UFESP´s, nos termos do art. 104, inc. III, da Lei Complementar nº 709/93 c.c. artigo 224, inc. I, do Regimento Interno desta Corte.
Alerto o responsável da Administração representada que, caso exerça a prerrogativa de anular ou revogar o procedimento licitatório em exame, nos termos das Súmulas nºs 346 e 473 do C. STF, com fundamento no art. 49 da Lei nº 8.666/93, para a espécie dos autos, deve encaminhar o parecer devidamente fundamentado, com aprovação do responsável competente do órgão, bem assim a respectiva publicação na imprensa oficial do Município, sendo que a ausência do atendimento desta determinação incidirá, igualmente, na aplicação de multa nos termos dos artigos supracitados.
Ficam autorizadas, desde já, vista e extração de cópias aos interessados. Transcorrido o prazo concedido para o oferecimento de justificativas, encaminhem-se os autos para manifestação da Assessoria Técnica, do d. Ministério Público de Contas e da Secretaria-Diretoria Geral.
Publique-se.”