Marília

Veja íntegra da decisão que manteve a CIP

Direta de Inconstitucionalidade nº 2086633-58.2015.8.26.0000 
Autor: Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo
Réus: Prefeito do Município de Marília e Presidente da Câmara Municipal de Marília
Comarca: São Paulo
Voto nº 22.309

Ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei nº 7.566, de 21 de novembro de 2013, que alterou a Lei nº 5.377, de 26 de dezembro de 2002, ambas do Município de Marília, que dispõe sobre a majoração dos valores da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (CIP) e estabelece critérios para sua indexação monetária. Ausência dos alardeados vícios de inconstitucionalidade da legislação municipal questionada, por afronta aos princípios da moralidade, finalidade, interesse público e razoabilidade, inseridos no artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo Município que tem ampla liberdade para fixar o montante do tributo sobre o qual detém competência impositiva, submetendo-se apenas aos limites legais e constitucionais pertinentes, cuja inobservância não foi alegada na presente ação Execução da lei com a desconsideração dos fundamentos expendidos em sua exposição de motivos que não representa vício a comprometer a vigência e validade da norma legislativa municipal, porquanto essa motivação traduz mera intenção do legislador e não a vontade da lei, que se expressa por si só, em seus próprios termos, sem qualquer vinculação àqueles argumentos Inexistência, de qualquer modo, de descompasso entre as razões expostas pelo legislador e a realidade fática, porquanto a alegada responsabilidade pelo serviço de iluminação pública, prevista no artigo 218 da Resolução Normativa nº 414/2010 da ANEEL, ainda poderá ser atribuída ao Município, que se encontra amparado em simples provimento judicial de caráter provisório, passível de reversão na instância recursal, o que compatibilizaria a destinação dos recursos com a justificativa apresentada como fundamento para a edição da legislação municipal contestada nos autos Exposição de motivos, ademais, que apontou a não tributação da população de baixo poder aquisitivo como uma segunda razão para a majoração impugnada, tendo sido efetivamente observada esta providência na lei em causa, o que já basta para afastar a alegação de incongruência entre a motivação e a realidade fática Ausência, portanto, de vícios de inconstitucionalidade formal ou material na lei objurgada Exame da validade do artigo 218 da Resolução ANEEL nº 414/10 que, de resto, mostra-se despiciendo na espécie, porquanto a existência ou não desse ato normativo no ordenamento jurídico não traz qualquer reflexo para a legislação municipal impugnada, de modo a prejudicar o controle incidental de constitucionalidade suscitado pelo autor Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo em face da Lei nº 7.566, de 21 de novembro de 2013, que alterou a Lei nº 5.377, de 26 de dezembro de 2002, ambas do Município de Marília, promovendo a majoração dos valores da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP) e estabelecendo critérios para sua indexação monetária.

Alegou o autor, em essência, que: a leitura da exposição de motivos da legislação impugnada demonstra que os valores da contribuição foram majorados para fazer face aos encargos decorrentes do artigo 218 da Resolução nº 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL, que determinou às empresas distribuidoras a transferência do sistema de iluminação pública, registrado como ativo imobilizado em serviço, aos Municípios; entretanto, em 8 de janeiro de 2013, o Município de Marília ajuizou ação em face da ANEEL e da Companhia de Força e Luz (CPFL) com vistas a ver-se exonerado dessa obrigação, postulando o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da aludida Resolução; o Juízo da Segunda Vara Federal de Marília concedeu a antecipação da tutela de mérito perseguida naquela demanda e, depois, julgou procedente o pedido inicial ali formulado, estando referido processo em grau de recurso (Processo nº 0000047-95.2013.4.03.6111); daí decorre a inconstitucionalidade arguida na ação, pois o motivo que embasou a edição da legislação municipal questionada nos autos não corresponde à realidade, em frontal contrariedade aos artigos 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo; embora o poder público possa  aumentar o valor de tributo, mediante lei, quando o faz vinculado a algum motivo determinado, este deve ser exato e real, sob pena de desvio de poder no ato legislativo, passível de exame em controle concentrado de constitucionalidade; enfim, a lei impugnada é tisnada pela incompatibilidade vertical com os princípios da moralidade, finalidade, interesse público e razoabilidade, carecendo de boa-fé mensurável objetivamente, ante a incoerência das condutas do Município de Marília, que evidencia o desvio de seus propósitos, na medida em que se valeu de seu poder tributário para fins diversos daqueles a que se presta, adotando medidas inadequadas e desnecessárias, por isso, desarrazoadas, alheias ao interesse público primário; de qualquer modo, se tais argumentos não bastarem, há que se reconhecer incidenter tantum a inconstitucionalidade do artigo 218 da Resolução nº 414/2010 da ANEEL, pois a transferência ali determinada não se compatibiliza com o artigo 21, inciso XII, b, da Constituição Federal, além de impor unilateralmente obrigação a terceiro, sem que este fosse previamente consultado, agindo à margem da legalidade estrita, em ofensa ao artigo 37, caput, da Constituição Federal.

A Procuradoria Geral do Estado foi citada para a demanda (v. fls. 259/260), manifestando seu desinteresse em realizar a defesa da lei atacada nos autos (v. fls. 264/265).

O Prefeito e o Presidente da Câmara Municipal de Marília prestaram as informações requisitadas e juntaram documentos, defendendo a constitucionalidade do ato normativo impugnado (v. fls. 268/279 e 281/285).

A Procuradoria Geral de Justiça insistiu na rejeição da preliminar e na procedência da ação (v. fls. 290/295). É o relatório.

Cumpre, de início, afastar a objeção arguida pelo Prefeito de Marília em suas informações, haja vista que há expressa indicação na petição inicial de que a “lei impugnada é tisnada pela incompatibilidade vertical com os princípios da moralidade, finalidade, interesse público e razoabilidade, constantes do art. 111 da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144” (v. fl. 24), arredando a alegada ausência de parâmetro para exame da constitucionalidade da norma municipal.

De qualquer modo, a partir do exame do mérito, a ação não merece acolhida.

A Lei nº 5.377, de 26 de dezembro de 2002, do Município de Marília, dispunha, in verbis: “Art. 1º. Fica instituída no Município de Marília a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública CIP, prevista no artigo 149-A da Constituição Federal. Parágrafo único. O serviço previsto no caput deste artigo compreende o consumo de energia destinada à iluminação de vias, logradouros e demais bens públicos e a instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública.

Art. 2º. É fato gerador da CIP o consumo de energia elétrica por pessoa natural ou jurídica, mediante ligação regular de energia elétrica no território do Município.

Art. 3º. Sujeito passivo da CIP é o consumidor de energia elétrica residente ou estabelecido no território do Município e que esteja cadastrado junto à concessionária distribuidora de energia elétrica titular da concessão no território do Município.

Art. 4º. Os valores da contribuição são fixados em Reais, conforme tabela anexa, a qual é parte integrante desta Lei.

§ 1º. Estão isentos da contribuição os consumidores da classe ‘rural’ e da classe ‘poder público’.
§ 2º. A determinação da classe de consumidor observará as normas da Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL, ou órgão regulador que venha a substituí-la.

Art. 5º. A CIP será lançada para pagamento juntamente com a fatura mensal de energia elétrica.

§ 1º. Fica o Poder Executivo autorizado a celebrar convênio com a Companhia Paulista de Força e Luz CPFL, objetivando a cobrança e o repasse dos recursos relativos à Contribuição de que trata esta Lei.

§ 2º. O convênio de que trata o parágrafo anterior deverá, obrigatoriamente, prever repasse imediato do valor arrecadado pela CPFL ao Município, retendo os valores necessários ao pagamento da energia fornecida para a iluminação pública e os valores fixados para remuneração dos custos de arrecadação e de débitos, que, eventualmente, o Município tenha ou venha a ter com a CPFL, relativos aos serviços supra citados.

§ 3º. O montante devido e não pago da CIP a que se refere o caput deste artigo será inscrito em dívida ativa 60 (sessenta) dias após a verificação da inadimplência.

§ 4º. Servirá como título hábil para a inscrição:

I a comunicação do não pagamento, efetuada pela concessionária que contenha os elementos previstos no artigo 202 do Código Tributário Nacional;
II a duplicata da fatura de energia não paga;
III outro documento que contenha os elementos previstos no artigo 202 do Código Tributário Nacional.

§ 5º. Os valores da CIP não pagos no vencimento serão acrescidos de juros de mora, multa e correção monetária, nos termos da legislação tributária municipal.

Art. 6º. Fica criado o Fundo Municipal de Iluminação Pública, de natureza contábil, que será administrado pela Secretaria Municipal da Fazenda.

Parágrafo único. Para o Fundo deverão ser destinados todos os recursos arrecadados com a CIP para custear os serviços de iluminação pública previstos nesta Lei.

Art. 7º. Se necessário, o Executivo regulamentará a presente Lei.

Art. 8º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação e seus efeitos operar-se-ão a partir de 1º de janeiro de 2003.

Art. Revogam-se as disposições em contrário”.

TABELA

CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA
CIP Classe Consumo kW/h Mensal
Valor em Reais (R$) 

INDUSTRIAL
todos 10,00

COMERCIAL
todos 8,00

RESIDENCIAL
até 500 2,50
acima de 500 3,50

CONSUMO PRÓPRIO
todos 5,00

Essa legislação foi alterada em parte pela Lei nº 7.566, de 21 de novembro de 2013, objeto da presente ação, que estabeleceu:

“Art. 1º. O § 3º, do artigo 4º, da Lei nº 5.377, de 26 de dezembro de 2002, modificada posteriormente, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 4º. … …
§ 3º. Os valores da contribuição serão atualizados anualmente pelo Índice Geral de Preços de Mercado IGP-M, da Fundação Getúlio Vargas, acumulado nos últimos 12 (doze) meses’.

Art. 2º. A Tabela anexa à Lei nº 5.377, de 26 de dezembro de 2002, modificada posteriormente, fica substituída pela que integra a presente Lei.

Art. 3º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, observadas as seguintes disposições:

I os novos valores da contribuição serão aplicados a partir do primeiro dia do mês subsequente ao decurso do prazo de 90 (noventa) dias da data de publicação desta Lei;

II a atualização dos valores da contribuição será feita após decorridos 12 (doze) meses da vigência dos novos valores, conforme inciso I deste artigo.

Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário

”CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA CIP

Classe Faixa de Consumo (em kW/h)

Contribuição (R$)
BAIXA RENDA 0,00

RESIDENCIAL
até 50 2,70
51 a 100 5,97
101 a 150 6,88
151 a 200 7,86
201 a 300 8,85
301 a 400 10,89
401 a 500 13,32
501 a 1000 15,90
1001 a 1500 20,89
1501 a 2000 25,87
acima de 2000 28,90

COMERCIAL
até 100 16,87
101 a 200 17,56
201 a 300 18,92
301 a 500 19,96
501 a 1000 21,95
1001 a 2000 39,96
acima de 2000 49,12

INDUSTRIAL
até 100 21,88
101 a 200 22,77
201 a 300 23,87
301 a 500 24,91
501 a 1000 25,87
1001 a 2000 50,34
acima de 2000 59,48

RURAL
todos 0,00

PODER PÚBLICO
todos 0,00

ILUMINAÇÃO PÚBLICA
todos 0,00

SERVIÇO PÚBLICO
todos 15,00

CONSUMO PRÓPRIO
todos 15,00

Pois bem.

Não se vislumbra a alardeada incompatibilidade vertical da legislação municipal questionada, por afronta aos princípios da moralidade, finalidade, interesse público e razoabilidade, inseridos no artigo 111 da Constituição do Estado de São Paulo como norteadores da conduta da Administração Pública.

Em linha de princípio, como a própria Procuradoria-Geral de Justiça admitiu na exordial, o Município possui ampla liberdade para fixar o montante do tributo sobre o qual detém competência impositiva, submetendo-se apenas aos limites legais e constitucionais pertinentes, cuja inobservância não foi alegada na presente ação.

É certo que aludida majoração veio escudada em alegação certa do Executivo Municipal, consistente em uma suposta “adequação dos valores da contribuição para que possa ser dado cumprimento à Resolução Normativa nº 414, de 09 de setembro de 2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL, pela qual foi transferida aos Municípios toda a responsabilidade referente à elaboração de projeto, implantação, expansão, operação e manutenção das instalações de iluminação pública” (v. Exposição de Motivos da Lei nº 5.377, de 26 de dezembro de 2002), motivação esta que acabou por não se concretizar, haja vista que o Município obteve provimento judicial de natureza provisória que o dispensou de assumir a obrigação que lhe fora imposta pela aludida resolução da agência reguladora.

Todavia, tal justificativa não representa vício a comprometer a vigência e validade da norma legislativa municipal, porquanto se trata de mera intenção do legislador e não da vontade da lei, que se expressa por si só, em seus próprios termos, sem qualquer adstrição aos argumentos apresentados em sua exposição de motivos.

Aliás, a propósito, em parecer lançado em ação direta de Inconstitucionalidade em trâmite perante o Colendo Supremo Tribunal Federal, relativa a caso análogo ao dos autos, o ilustre Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros realçou precisamente que:

“A exposição de motivos da LC 110/2001, conquanto justifique a criação das contribuições dos arts. 1º e 2º no déficit das contas vinculadas do FGTS, não vincula desse modo a lei elaborada a partir dessa proposição. Nada impede que a lei dê destinação diversa da constante na justificação da proposição legislativa, desde que para atender a finalidade constitucionalmente prevista e desde que seja válido o suporte linguístico da norma.

A vontade objetiva da lei prevalece sobre a intenção do legislador. A mens legislatoris, conquanto relevante para a interpretação autêntica da norma jurídica, não se sobrepõe à mens legis.

Já o esclarecia muito bem CARLOS MAXIMILIANO: ‘A lei é a vontade transformada em palavras, uma força constante e vivaz, objetiva e independente do seu prolator; procura-se o sentido imanente no texto, e não o que o elaborador teve em mira. O aplicador extrai da fórmula concreta tudo o que ela pode dar implícita ou explicitamente, não só a ideia direta, clara, evidente, mas também a indireta, ligada à primeira por semelhança, deduzida por analogia. Eis por que se diz que ‘a lei é mais sábia que o legislador’ […]. A pesquisa da intenção ou do pensamento contido no texto arrasta o intérprete a um terreno movediço, pondo-o em risco de tresmalhar-se em inundações subjetivas. Demais, restringe o campo da sua atividade: ao invés de a estender a toda a substância do Direito, limita ao elemento espiritual da norma jurídica, isto é, a uma parte do objeto da exegese e eventualmente um dos instrumentos desta. Reduzir a interpretação à procura do intento do legislador é, na verdade, confundir o todo com a parte; seria útil, embora nem sempre realizável, aquela descoberta; constitui um dos elementos da Hermenêutica; mas, não o único; nem  equer o principal e o mais profícuo […].Procura-se, hoje, o sentido objetivo, e não se indaga do processo da respectiva formação, quer individual, no caso do absolutismo, quer coletiva, em havendo assembleia deliberante como fundamento de todo o labor do hermeneuta. […] Com a promulgação, a lei adquire vida própria autonomia relativa; separa-se do legislador; contrapõe-se a ele como um produto novo; dilata e até substitui o conteúdo respectivo sem tocar nas palavras; mostra-se, na prática, mais previdente que o seu autor. […] Logo, ao intérprete incumbe apenas determinar o sentido objetivo do texto, a vis ac potestas legis; deve ele olhar menos para o passado do que para o presente, adaptar a norma à finalidade humana, sem inquirir da vontade inspiradora da elaboração primitiva1” (v. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.053/DF).

Irrelevante, nesse passo, a justificativa apresentada na exposição de motivos da legislação municipal questionada como fundamento para a majoração da contribuição em causa, à qual não está adstrita a Administração.

Por outro lado, ainda que ad argumentandum tantum admita-se que os fundamentos apresentados na exposição de motivos do projeto que deu origem à legislação objurgada vinculem o administrador na execução da lei, certo é que, in casu, não há descompasso entre as razões ali expostas e a situação fática concreta, mostrando-se temerário afirmar a imoralidade do ato ou que tivesse sido praticado com desvio de poder.

Impende considerar que, nos termos da motivação invocada pelo autor, o aumento do valor da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública CIP destinava-se a custear a transferência do sistema de iluminação pública, registrado como Ativo Imobilizado em Serviço AIS, da distribuidora para o ente público local, nos moldes impostos no artigo 218 da Resolução Normativa nº 414/2010 da ANEEL; ora, tal determinação permanece válida e em vigor, apenas não atingindo o Município de Marília neste momento em razão deste haver obtido provimento judicial favorável em ação que moveu para se ver exonerado dos ônus estabelecidos naquele aludido ato normativo; no entanto, tal decisão tem caráter meramente provisório, passível de reversão na instância recursal, à qual encaminhados os autos, de modo que aludida obrigação ainda lhe poderá ser atribuída, compatibilizando a destinação dos recursos com a justificativa posta na exposição de motivos da legislação municipal contestada nos autos.

Não há, destarte, que se falar que “o motivo que embasou a edição da lei objurgada não corresponde à realidade”.

Ainda na linha de raciocínio adotada pelo autor, releva notar que a Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 106/2013, que resultou na Lei Municipal nº 8.566/2013, também apontou um segundo fundamento para a majoração da CIP, consistente em privilegiar os contribuintes da classe “baixa renda”, os quais passariam a ser isentos do recolhimento; e esta providência foi efetivamente observada na edição da legislação atacada, como se verifica da tabela mencionada em seu artigo 2º, que não prevê a tributação dos consumidores de baixa renda (v. fl. 59), evidenciando a coerência entre a motivação e a realidade fática, o que já basta a arredar os argumentos expendidos na exordial, sabido que não se exige a inteira congruência entre os motivos expendidos e os fatos verificados para que se reconheça a validade do ato praticado pelo Poder Público. disso, forçoso reconhecer que o escalonamento estabelecido na citada tabela de valores da CIP, anexa à legislação municipal impugnada, ao revés do que afirma o autor, atende o interesse público, na medida em que cria várias faixas de tributação, favorecendo os contribuintes com menor consumo mensal de eletricidade, em atenção às mais recentes diretrizes governamentais e da agência reguladora, que preconizam a economia e um melhor aproveitamento dessa fonte energética.

Nesse passo, não se pode falar a esta altura que o Município beneficiou-se indevidamente com a majoração prevista na lei, sem que tivesse arcado com os custos decorrentes da transferência dos ativos da iluminação pública, carecendo de boa-fé mensurável objetivamente, uma vez que o ato normativo municipal acabou por atingir as demais finalidades sociais a que se propôs, afastando o argumento de violação aos princípios da moralidade, finalidade, razoabilidade e interesse público, máxime porque, como visto precedentemente, o ente público local poderá ser ainda compelido a assumir a responsabilidade total pelo sistema de iluminação pública.

De resto, descabe aqui enveredar pelo exame da razoabilidade do aumento da espécie tributária introduzido com a vigência da legislação municipal, o que nem sequer foi suscitado na petição inicial da ação, pois não se pode desconsiderar o fato de que o exame de compatibilidade dos novos valores da CIP, fixados na tabela anexa à Lei nº 7.566/2013, com a norma constitucional pertinente impõe a análise de matéria fática, o que se revela incabível em sede do controle concentrado de constitucionalidade. Neste sentido, precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal assentou, na justa medida, que: “Não se legitima a instauração do controle normativo abstrato, quando o juízo de constitucionalidade depende, para efeito de sua prolação, do prévio cotejo entre o ato estatal impugnado e o conteúdo de outras normas  jurídicas infraconstitucionais editadas pelo Poder Público. A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. A inconstitucionalidade deve transparecer, diretamente, do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (v. AgR no ADI nº 416/ES, Tribunal Pleno, relator Ministro CELSO DE MELLO, j. 16/10/2014).

Aliás, também este Colendo Órgão Especial vem entendendo que não pode o Poder Judiciário, em ação direta de inconstitucionalidade, enveredar-se pelo exame de questões de natureza subjetiva, substituindo-se ao Poder Legislativo em sua atividade normativa natural.

Recente julgado, ao decidir questão similar a dos autos, assentou, na justa medida, que: “… há convir que, em se tratando de ato político, com base no discricionarismo da pública administração, a rigor não admitiria contrasteamento pelo Judiciário. Sob pena de ser substituído o subjetivismo de um órgão pelo do outro. Do órgão próprio (Executivo, com o placet da Câmara Municipal) pelo impróprio (Judiciário) que, com as razões de oportunidade e conveniência que lhe digam respeito do mérito da atuação administrativa, em última análise -, nada tem a ver. O discricionarismo do poder próprio, em tema de tal ordem, não pode ser afastado pelo Judiciário, as razões de oportunidade e conveniência da Comuna têm que ser respeitadas. Nesse sentido, de longa data, Hely Lopes Meirelles, já na 4ª edição (1976), em lição sempre atual de seu Direito Administrativo Brasileiro. Isto é (pg. 666): ‘Ao Poder Judiciário é permitido perquirir todos os aspectos de legitimidade, para descobrir e pronunciar a nulidade do ato administrativo onde ela se encontre e seja qual for o artifício que a encubra. O que não se permitir ao Judiciário é pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judicial. O mérito administrativo, relacionando-se com questões políticas e elementos técnicos, refoge do âmbito do Poder Judiciário, cuja missão é a de aferir a conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais de direito’. Segue-se que (ob. cit., pg. 669), por maiores razões isso se aplicando para os provimentos de caráter político, por maior razão não devem ser examinados a não ser sob o aspecto da legalidade. Ou, de acordo com Castro Nunes ali citado (Teoria e Prática do Poder Judiciário), ‘os Tribunais não se envolvem, não examinam, não podem sentenciar nem apreciar, na fundamentação de suas decisões, as medidas de caráter legislativo ou executivo, políticas ou não, de caráter administrativo ou policial, sob aspecto outro que não seja o da legitimidade do ato, no seu aspecto constitucional ou legal’. Disso decorre que (ob. cit., pg. 671), ‘O processo legislativo, tendo atualmente contorno constitucional de observância obrigatória em todas as Câmaras e normas regimentais próprias de cada Corporação, tornou-se passível de controle judicial para resguardo da legalidade de sua tramitação e legitimidade da elaboração da lei. Claro está que o Judiciário não pode adentrar o mérito das deliberações da Mesa, das Comissões ou do Plenário, nem deve perquirir as opções políticas que conduziram à aprovação ou rejeição dos projetos, proposições ou vetos, mas pode e deve quando se argui lesão de direito individual verificar se o processo legislativo foi atendido em sua plenitude, inclusive na tramitação regimental. Deparando infringência à Constituição, à lei ou ao regimento, compete ao Judiciário anular a deliberação ilegal do Legislativo para que outra se produza em forma legal’. Em resumo (pg. 672): ‘Daí não se conclua que tais assuntos afastam, por si sós, a revisão judicial. Não é assim. O que a Justiça não pode é substituir a deliberação da Câmara por um pronunciamento judicial sobre o que é da exclusiva competência discricionária do Plenário, da Mesa ou da Presidência. Mas pode confrontar sempre o ato praticado com as prescrições constitucionais, legais ou regimentais, que estabeleçam condições, forma ou rito para o seu cometimento’” (v. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2003606-17.2014.8.26.0000, relator Desembargador LUIZ AMBRA, j. 12/02/2014).

Em suma, não havia realmente óbice à edição do ato normativo impugnado, inexistindo inconstitucionalidade formal ou material a ser pronunciada em relação à Lei Municipal nº 7.566, de 21 de novembro de 2013, do Município de Marília.

Por fim, inexistindo relação de sujeição entre a exposição de motivos e a vontade da lei atacada nos autos, como explicitado precedentemente, é despiciendo o exame da validade do artigo 218 da Resolução Normativa nº 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL, na medida em que sua existência ou não no ordenamento jurídico não importa em qualquer reflexo na legislação municipal sob exame, restando, pois, prejudicado o respectivo controle incidental de constitucionalidade suscitado pelo autor.

Ante o exposto, julga-se improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade.

PAULO DIMAS MASCARETTI