Marília

Veja íntegra da sentença que condenou Herval Rosa Seabra

VISTOS.

HERVAL ROSA SEABRA E TOSHITOMO EGASHIRA, qualificados nos autos, foram denunciados pela JUSTIÇA PÚBLICA como incursos no artigo 312, caput, por 309 (trezentas e nove) vezes, c.c. os artigos 29, 71 e 327, § 2º, todos do Código Penal, porque, segundo a denúncia, nos anos de 2001 e 2002, nas dependências da Câmara Municipal de Marília, localizada na Rua Bandeirantes, nº 25, nesta cidade e comarca, em 309 (trezentas e nove) ocasiões, de forma continuada, agindo com auxílio mútuo, unidade de propósitos e desígnios, desviaram, em proveito próprio, dinheiro público no valor de R$ 4.823.522,80 (quatro milhões, oitocentos e vinte e três mil, quinhentos e vinte e dois reais e oitenta centavos), provenientes da conta bancária da Câmara Municipal.

É dos autos que HERVAL SEABRA, então vereador deste Município, no biênio 2001/2002 exerceu a função de Presidente da Câmara Municipal (cf. ata de fls. 150). TOSHITOMO, por sua vez, desde o ano de 1999 exercia a função de Diretor Geral da Câmara (fl. 151). Ambos, pelo que se apurou, arquitetaram um plano para desvio de verbas públicas visando ao financiamento de campanhas eleitorais e ao custeio de despesas particulares. Para o êxito desse esquema, passaram a emitir cheques da contabancária da Câmara em valores superiores ao gasto público para os quais se destinavam e, em outras oportunidades, sem que existisse prévio procedimento de despesa, nem mesmo o empenho. Em todos os cheques, havia a necessidade de assinatura conjunta de ambos.

Apurando essa fraude, dois peritos do Instituto de Criminalística elaboraram minucioso exame nos registros contábeis daquela Casa Legislativa, em comparação com os microfilmes dos cheques emitidos no período e com extratos bancários (laudo às fls. 106/141). A partir dessa sistemática, descobriu-se que os corréus emitiram, somente no ano de 2001, o total de 137 cheques com valores superiores aos consignados nos registros da Câmara e/ou sem vínculos com pagamentos registrados.

Como se verifica, de acordo com a tabela apresentada na denúncia, a diferença dos valores entre os constantes nos cheques e nos registros contábeis são, em sua grande maioria, quantias “redondas”, ou seja, com o acréscimo de R$ 1.000,00, R$ 2.000,00, R$ 3.000,00 até R$ 20.000,00, R$ 30.000,00 e R$ 60.000,00, tudo desviado pelos acusados. Além disso, vários cheques eram nominais ao próprio TOSHITOMO, enquanto muitos outros, a maioria, eram assinados conjuntamente pelos réus em benefício da própria Câmara Municipal (dela para ela, portanto), num nítido artifício para obter a disponibilidade do dinheiro, em espécie.

Ainda segundo a perícia, do total de R$ 6.676.035,38 em cheques, somente naquele biênio (2001/2002), apenas R$ 1.852.512,58 encontrava correspondência com os registros contábeis, restando um total de R$ 4.823.522,80 de saídas financeiras sem lastros em despesas públicas, ou em valores superiores a elas.

O desvio alcançou tamanho vulto que, para cobrir o “rombo” causado nas contas daquele órgão, os corréus viram-se obrigados a efetuar vários depósitos na conta da Câmara Municipal. Por isso que, como constatou a perícia, havia depósitos no valor total de R$ 1.782.652,85, alheios à receita dos duodécimos da Prefeitura Municipal de Marília (única receita da Câmara Municipal). E tudo sem registro contábil específico. Assim, subtraindo do valor desviado (R$ 4.823.522,80) o montante de depósitos sem origem no repasse dos duodécimos (R$ 1.782.652,85), tem-se que o total de R$ 3.040.869,95 foi retirado da conta bancária da Câmara sem superveniente reposição.

Investigando a destinação de cada cheque, foi possível apurar, a partir das “fitas de caixa” do banco sacado, que o cheque de nº 184760, emitido no valor de R$ 1.177,60 e nominal à Câmara Municipal (fl. 876), foi descontado no caixa e seu valor depositado em contas de terceiros, sendo um depósito de R$ 1.000,00 e outro de R$ 177,60. O valor de R$ 1.000,00 foi creditado na conta de nº 0011-010301138-6 (fls. 880/881 e 1955), de titularidade de Maisa Massue Suegama (fl. 1963), então funcionária de uma empresa administrada por TOSHITOMO (fls. 1969/1970).

A grande quantia desviada da Câmara Municipal, ano após ano, fez com que aquela Casa ficasse sem verbas para o pagamento de algumas obrigações financeiras. Por isso que, em 2005, o Instituto de Previdência dos Servidores (IPREM) enviou um ofício cobrando o recolhimento da contribuição previdenciária de servidores (fls. 2029/2030). Assim que os fatos vieram à tona, ganhando espaço da mídia local, o réu HERVAL SEABRA, ainda como Presidente do Legislativo, tratou, rapidamente, de enviar ofício para vários órgãos públicos (fls. 2074/2076) e de constituir, ele mesmo, uma “comissão especial” para apurar os fatos (fl. 2031), cujo relatório final concluiu que “toda a responsabilidade” era de TOSHITOMO (fls. 2037/2051).

Passo seguinte, HERVAL SEABRA fez uso do setor jurídico do Município e da Câmara para a propositura de ação civil de responsabilidade unicamente contra seu ex-comparsa (feito nº 2383/2005, que tramitou pela 5ª Vara Cível local), tudo no afã de safar-se da imputação (cf. petição inicial às fls. 2077/2102).

O Presidente dessa “comissão especial” foi Nelson Fernandes, que naquele momento ocupava o cargo de Diretor Geral Substituto (fl. 2031, ou seja, hierarquicamente subordinado a HERVAL SEABRA, o qual, como Presidente da Casa, tinha o poder de nomeá-lo e destituí-lo, ad nutum. Outro membro inicial da comissão foi Alex Sandro Gomes Altimari (fl. 2037, primeiro parágrafo), advogado de HERVAL SEABRA em várias ações (conforme pesquisa efetuada no sítio do TJSP cópias anexas). O advogado Alex logo no início teve de ser substituído, sendo nomeado para ocupar seu lugar Paulo César Colombera, que pouco depois passou a responder pela Diretoria Geral (cf. subscrição do ofício de fl. 2053).

Além disso, analisando o trabalho final dessa comissão, HERVAL SEABRA fez questão de consignar o seguinte: “Pelo laborioso trabalho da Comissão de Sindicância por nós nomeada, o que desde logo deixamos registrado […]” (fl. 2052, sem destaques no original). Portanto, mediante a nomeação de pessoas próximas de si para integrar a comissão, e sem economizar elogios para a conclusão final, HERVAL SEABRA, mentor de todo o esquema, buscou encobrir sua autoria.

Contudo, o Ministério Público do Estado de São Paulo, pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, no ano de 2007 moveu ação civil pública contra HERVAL SEABRA, diante de sua notória responsabilidade pelo desvio de verbas públicas (feito nº 1786/2007, em trâmite pela mesma Vara Cível).

As duas ações acima citadas foram julgadas procedentes em primeiro grau de jurisdição, por sentença de março de 2012 (fls. 2313/2315). O réu TOSHITOMO só recentemente CONFESSOU todo o esquema. Confirmou que agia sob as ordens do Presidente da Casa, HERVAL SEABRA, que se valia do dinheiro desviado (sempre em espécie, jamais com depósito em contas bancárias vinculadas a ele) para financiamento de campanhas eleitorais e para o custeio de gastos seus, de familiares e aliados políticos (fls. 2215/2252 e 2289/2296).

Além dessa confissão cujos detalhes operacionais foram corroborados pela prova pericial -, o vulto dos valores desviados da Câmara Municipal quase cinco milhões de reais em dois anos evidencia que HERVAL SEABRA tinha plena ciência de tudo. Na verdade, concorreu para os desvios de verbas perpetrados por TOSHITOMO, que certamente não conseguiria desviar vultosa quantia sem o conhecimento do Presidente da Casa, até porque este assinava os cheques sem a comprovação contábil de utilização pública dos numerários.

HERVAL SEABRA, ademais, confessou que assinou cheques tendo a Câmara Municipal como beneficiária, sob o pueril argumento de que o dinheiro seria utilizado para fazer frente à “pequenas e inadiáveis despesas” (fl. 2028). Portanto, mediante emissão de 309 (trezentos e nove) cheques sem correspondência com prévia despesa pública, ou em valores superiores a ela, os corréus, de cheque em cheque (nominais a TOSHITOMO ou à própria Câmara), conseguiram desviar o total de R$ 4.823.522,80 do erário, com a reposição de apenas R$ 1.782.652,85.

Menciona a denúncia, ademais, que, à guisa de informação, ambos os réus já foram processados criminalmente pela mesma prática, pelo mesmo modus operandi, ou seja, por desvios de verbas da Câmara Municipal de Marília, o ano de 2005 (Processo-crime nº 1118-05 3ª Vara Criminal de Marília), além de serem alvos de várias ações civis pública.

Recebida a denúncia à fl. 2526 Devidamente citados, os réus ofereceram respostas escritas à acusação (fls. 2600/2632 e 2654/2675). Durante a instrução, foram colhidos os depoimentos de onze testemunhas, algumas delas inquiridas através de carta precatória (fls.2923 – precatória, 2971 – precatória, 2979/2987 e 2992), sendo, ao final, os réus interrogados (fls. 2988/2992).

Em alegações finais, o representante do Ministério Público requereu a procedência do pedido contido na denúncia e condenação dos acusados, nos termos da denúncia ofertada. Pugnou pela majoração da pena em razão do grande prejuízo causado aos cofres públicos. Postulou ainda para que seja reduzida a pena de Toshitomo Egashira em 1/3, de acordo com benefício da delação premiada amparada pelo artigo 14 da Lei Federal nº 9.807/1999, e, que o regime inicial para o cumprimento de pena deste réu seja o semiaberto. Pugnou para que Herval Rosa Seabra tenha o regime inicial fechado, pois qualquer outro regime, à evidência, seria insuficiente para a reprovação e prevenção do fato criminoso. O Ministério Público requereu, ainda, a decretação de perda do cargo público dos acusados (fls. 2997/3002).

A defesa do acusado Toshitomo Egashira em memoriais postulou a absolvição do acusado pela fragilidade do conjunto probatório, e, subsidiariamente, em caso de condenação, requereu o benefício da delação premiada, aplicado em sua plenitude: perdão judicial ao acusado. Subsidiariamente, requereu a unificação das penas deste feito com as já aplicadas anteriormente ao ré u no feito nº 1118/2005 (fls 3009/3032).

A defesa do acusado Herval Seabra em memoriais requereu a nulidade do processo para obter nova perícia. Postulou, ainda, a absolvição do acusado por falta de provas, e, em caso de condenação pugnou pela desclassificação para a forma culposa e para que seja reconhecida a continuidade delitiva e não cúmulo material (fls. 3059/3067).

O Juízo converteu o julgamento em diligência para ordenar a realização de perícia documentoscópica-mecanográfica nas cópias dos cheques anexados às fls. 280/1952 ( fls. 3158/3159).

Laudo pericial foi juntado às fls. 3179/3228. As partes, Ministério Público (fls. 3230/3235) e Defesas (3241/3244 e 3250/3252) reiteraram o que já haviam postulado anteriormente em memoriais.

É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO. O pedido deduzido na presente ação penal é procedente, nos termos das razões fáticas e jurídicas adiante alinhadas.

A materialidade dos delitos imputados aos réus restou devidamente comprovada através da perícia contábil realizada durante a investigação policial (fls.106/141), pelo laudo pericial de fls. 3179/3228, bem como diante da prova oral coligida.

A autoria, da mesma forma, restou induvidosa. A despeito dos argumentos deduzidos pelas Defesas, entendo não haver dúvida de que Herval e Toshitomo realizaram as ações criminosas que lhe são imputadas.

Certo que, Herval, ao ser interrogado, tanto em Juízo como na fase policial, negou a prática das infrações penais. Relatou que foi Presidente da Câmara no período dos anos de 2001 e 2002. Disse que, em Agosto de 2005, foi procurado pela Sra. Nilma, Presidente do IPREM, que lhe disse que a Câmara estava devendo 4 ou 5 meses dos valores da previdência. Relatou que essa notícia “causou-lhe estranheza” porque assinava cheque todo mês referente ao pagamento, mas que iria averiguar o que ocorrera. Informou que chamou Toshitomo que lhe disse ter havido algum equívoco.

Foi então que pediu a ele que lhe trouxesse as guias mensais do pagamento para conferência. Aduziu que Toshitomo saiu para busca-las e não voltou até o final do expediente. Disse o réu que, nesse momento, percebeu que “algo estava errado porque não havia guia alguma paga”. Determinou que Toshitomo não retornasse no dia seguinte, convidando, naquela mesma noite, o Senhor Nelson Fernandes para assumir o cargo e adotar as providências cabíveis. Relatou que, após esse ocorrido, comunicou a polícia e lhes pediu que fosse instaurado inquérito policial.

Também comunicou ao Tribunal de Contas e instaurou sindicância para que tudo fosse apurado pois desconhecia o tamanho da fraude. Na sindicância apurou-se que havia cheques adulterados e pela perícia feita pela polícia científica com a requisição dos cheques originais, constatou-se que houve adulteração no valor numérico e por extenso (ano de 2005), e que a assinatura foi lançada depois de preenchidos os cheques. Relatou que após ter a fraude comprovada, exonerou da direção da Câmara Toshitomo e informou a Delegacia de Polícia, o Ministério Público e o Tribunal de Contas. Disse que, a partir disso, determinou mudanças internas na Câmara para que evitasse a ocorrência de novos fatos.

Explicou como era o funcionamento da Câmara, e que como disse a testemunha Cristina, alguns cheques não eram devolvidos à contabilidade. Disse que foram constatadas irregularidades também na gestão do Presidente Cavina e no ano de 2001 e 2002. Questionado pelo Dr. Promotor sobre perícia de 2001/2002 que apontou quase 7 milhões de cheques e desvio de 4 milhões, disse que “é impossível porque se o desvio fosse de 4 milhões não haveria recursos sequer para o pagamento com pessoal”, que hoje equivale a 60% da folha de pagamento. Relatou que havia um conluio entre Toshitomo e o banco para realização do saque dos cheques já que foram feitos pagamentos de cheques que continham somente uma assinatura – de Toshitomo.

Acrescentou que os cheques que continham as duas assinaturas estavam adulterados conforme perícia realizada nos cheques originais. A Defesa de Toshitomo questionou-o sobre a afirmação do Ministério Público de que ele sabia o tamanho da fraude e comunicou os órgãos com a finalidade de se safar da responsabilidade, e, sobre ser ele o responsável pela comissão. O réu respondeu que”não existia provas disso na denúncia e que ele nomeou os membros da comissão que investigava os fatos”.

Questionado sobre a afirmação de conluio com o banco, o réu respondeu que o banco, através das gerentes Sra. Ingrid e Sr. Samuel, não comunicou as irregularidades. O Acusado respondeu que nunca prometeu contratar advogado para defender Toshitomo em outro processo e que a versão que este apresentou inicialmente no outro processo era verdadeira, aquela em que o inocentava.

Disse também que Toshitomo só apresentou outra versão a partir do momento em que ouviu dizer que era possível a delação premiada. Relatou que, em 2001/2002, Toshitomo era diretor da Câmara e chefe da contabilidade e permanecia na posse do talão de cheques. Relatou ainda que era ele quem preenchia os canhotos no valor correto e eram os funcionários que preenchiam os cheques apresentados com empenho. Disse que a partir da assinatura do declarante é que os documentos eram adulterados e que Toshitomo gozava de prestígio na sociedade Mariliense e tinha sua total confiança. Disse que as pessoas que nomeou para a comissão não sofreram nenhuma ingerência de sua parte. Informou, ainda, que conversou com Toshitomo e o questionou sobre sua atitude mas este lhe disse que tinha várias empresas e que suas funcionários dilapidaram-nas e, por isso, acredita que a saída encontrada por ele foi realizar os desvios.

Contudo, não é essa a conclusão a que se chega pela análise dos elementos de prova.

O réu TOSHITOMO EGASHIRA (fls.2988/2989 e 2992), em seu interrogatório, disse que foi diretor geral da Câmara nos anos de 2001 e 2002 e que prestou depoimento em “delação premiada” relatando tudo o que aconteceu, detalhando minuciosamente. Informou que foi induzido e coagido a fazer o trabalho pelo Presidente da Câmara, Herval Seabra. O acusado ratificou integralmente os termos da delação premiada, bem como o depoimento prestado na delegacia de polícia.

Relatou que, como  funcionário subordinado a Presidência, obedecia as determinações oriundas de Herval Seabra, no período compreendido entre os anos de 2001 e 2002 porque tinha medo de perder o cargo. Questionado pelo Dr. Promotor, respondeu que não teria como fazer os desvios sozinhos por que os cheques exigiam a assinatura do Presidente.

Disse que, às vezes, arrumavam notas de serviços ou de produto para justificar a emissão dos cheques que eram descontados na boca do caixa. Não se recorda de haver dito, no processo de 2005, que Herval não sabia de nada. Nunca recebeu vantagem alguma para inocentar Herval no outro processo, mas teve a promessa de que ele iria repor o dinheiro desviado, o que não foi feito e, por isso, teve que usar seus próprios bens para realizar a reposição, perdendo tudo que tinha, já que não ficou com dinheiro algum do que foi desviado.

Informou que fazia caixa através de contas fictícias e o dinheiro desviado era usado em seu proveito e de Herval. Contou que Herval sabia que os cheques representavam valores, mas ele não chegava a especificar o valor. Relatou que não tinha como Herval desconhecer o desvio do dinheiro. Disse que foi alienada uma casa de sua irmã para pagar o IPREM. Disse, ainda, que não se recorda de Herval ter colaborado com tal pagamento (IPREM). Relatou que Herval ensinou Mário Bulgareli, sucessor na presidência, e Cavina, a fazer um “caixa dois”. Relatou que no processo, do ano de 2005, Herval prometeu-lhe um advogado mas não cumpriu com a promessa.

A testemunha Wilson Carlos Frazão (fls. 2979 e 2992), delegado de polícia, em seu depoimento em Juízo disse que investigou os fatos no ano de 2005 porque houve uma comunicação da Câmara Municipal de que o Iprem estava cobrando importâncias que na Câmara constavam que teriam sido pagas. Então, foi instaurado inquérito policial para a apuração de eventuais desvios naquele ano.

A partir da conclusão desse inquérito foi instaurado outro inquérito para apuração dos desvios referentes aos anos de 2001 a 2004. Informou que estes autos são um desdobramento de outros anteriores, e que se refere ao período de 2001/2002 em que Herval era Presidente da Câmara e Toshitomo o Diretor Geral. Foram inquiridas testemunhas, bem como realizada perícia contábil nas cópias dos cheques e se constatou que havia cheques emitidos descontados e não contabilizados ou contabilizados em valores menores.

Quando questionado, Herval disse que não tinha conhecimento da movimentação bancária e que assinou os cheques em conformidade com empenhos. Disse, todavia, a testemunha, que não havia documentos que justificassem a emissão de tais cheques. Declarou que Toshitomo requereu os benefícios da delação premiada alegando haver sido coagido por Herval quando fez os desvios.

Perguntado pelo Dr. Promotor, respondeu que Toshitomo, na fase policial, dizia não ter obtido nenhum proveito e que decidiu delatar em razão de já responder a outros processos.

Indagado pela Defesa de Toshitomo, respondeu que não analisou o regimento interno da Câmara no tocante a responsabilidade para gerenciamento de operações. Disse que boa parte dos cheques foram emitidos nominais a Toshitomo, e, que o inquérito não se bastou na evolução patrimonial dos acusados. Relatou que os inquéritos anteriores eram de crimes da mesma espécie e que os desmembramentos dos inquéritos se deram em razão do volume dos papéis e a quantidade de informações a serem examinadas.

Perguntado pelo Defensor do acusado Herval, a testemunha respondeu que foi Herval quem comunicou a cobrança por parte do IPREM das importâncias que já constavam como pagas. Questionou os funcionários do banco sobre o desconto, “na boca do caixa”, de cheques de valores altos, mas estes lhe informaram que como o cheque estava assinado e havia saldo na conta corrente, não tinham como evitar o pagamento.

Constatou-se que houve depósito em dinheiro na conta de Maisa Suegama, funcionária de empresa ligada a Toshitomo. Declarou que, no primeiro inquérito, aparecem depósitos em contas de pessoas ligadas a Toshitomo, mas como todos os cheques foram pagos no caixa, não havia necessidade de ser realizado o depósito na conta de ninguém.

A testemunha Maisa Massue Suegama (fls. 2980 e 2992), funcionária da empresa Marteen, em Juízo, declarou que sua conta salário era no banco Banespa mas nunca movimentou essa conta porque recebia seu salário em dinheiro ou cheque. Disse que Toshitomo era dono da empresa de uniformes Marteen. Relatou que na delegacia de polícia o delegado mostrou-lhe extrato bancário com depósito de mil reais na sua conta corrente. A testemunha declarou desconhecer como o dinheiro entrou e saiu da sua conta. Relatou também que não conversou com Toshitomo nem com ninguém a respeito do dinheiro em sua conta. Informou que soube pelo delegado de polícia que, por três vezes, entrou dinheiro na conta do banco Banespa mas que nunca sacou porque não sabia do dinheiro depositado. Perguntado pelo Dr. Promotor, respondeu que seu nome ficou sujo perante o banco Banespa quando, então, conversou com Toshitomo para saber o porquê e este lhe disse para não se preocupar.

Perguntada pela Defesa do réu Herval, disse que acredita que Toshitomo conseguia movimentar tal conta.

A testemunha de defesa Euflásio Girotto (fls. 2981 e 2992), disse que soube dos fatos pela imprensa. Foi vereador e encerrou o mandato em 2000 e “sempre teve boa impressão de Toshitomo, mas não conviveu muito com ele”.

Acrescentou que Toshitomo sempre se mostrou obediente às ordens de seus superiores, pois era funcionário público. No mesmo sentido a testemunha de defesa Roberto Nicolau Schorr (fls. 2982 e 2992). Declarou que soube dos fatos pela imprensa e que conhece o réu desde 1975. Informou “que são amigos e frequentam a mesma paróquia”.

Declarou ainda que não conversou com Toshitomo sobre as notícias da imprensa e que sempre o teve como uma pessoa honesta. Informou que sabe que a esposa de Toshitomo passa por um momento difícil de saúde mas não conhece a situação econômica dele.

Maria Cecília Guimarães Rocha (fls. 2983 e 2992), testemunha de defesa, declarou que não tem conhecimento dos fatos e que conhece os dois acusados. Disse que Toshitomo é seu amigo pessoal e sempre o teve como boa pessoa, mas nada sabe sobre seus negócios. Conhece Herval como “advogado de campanhas políticas”. A testemunha sabe que a vida financeira de Toshitomo é complicada e que sua esposa passa por problemas de saúde. Relatou, ainda, que não houve evolução no patrimônio de Toshimoto e que sua filha é quem ajuda a manter a família.

A última testemunha de Defesa de Toshitomo, ouvida através de carta precatória, João Francisco Garcia Hernandes (fls. 2969/2971), soube dos fatos apenas após ter sido convocado para testemunhar. Conhece Toshitomo mas não manteve mais contato com ele desde o ano de 1999. Afirmou que Toshitomo entrou em contato por telefone perguntando se ele poderia ser testemunha em um processo, mas não relatou os fatos, limitou-se a dizer que era sobre a Câmara de Marília.  A testemunha disse que sabe ser o réu “detentor de boa reputação”.

A primeira testemunha de defesa do réu Herval, Alex Sandro Gomes Altimari (fls. 2984 e 2992), disse conhecer os acusados já que foi assistente jurídico da Câmara de Janeiro de 2001 a Dezembro de 2008, contratado por Herval, presidente na época. Informou que no ano de 2005 a Câmara passou por problemas pois  houve informação de que não estavam sendo recolhidas as contribuições do IPREM.

Na condição de assistente jurídico, foi contatado pelo presidente Herval para adotar providências. Foram comunicados o Ministério Público e demais órgãos. A testemunha relatou que “Herval disse que não sabia dos desvios e que ficou surpreso”. A partir dos fatos de 2005, o Ministério Público pediu apuração em anos anteriores, incluindo 2001 e 2002.

Disse ainda que na época das providências, Toshitomo foi afastado da Câmara e exonerado, mas em conversa com ele, o acusado disse nada saber. Aduziu que foi Herval quem pediu providências tão logo soube do problema das contribuições e “pediu instauração de sindicância interna para apuração dos fatos”.

Declarou que teve problema com relação a sua conta pessoal em 2004 e Toshitomo pediu-lhe um empréstimo mas não pôde ajudá-lo. Declarou ainda, que, depois, à sua revelia, seu limite bancário teria sido aumentado, onde ficou sabendo que Toshitomo teria providenciado isso, bem como transferências junto ao banco Banespa. Declarou que esse problema foi quitado em 2005 por Toshitomo.

Salvo engano, os cheques da câmara deveriam ser assinados pelo Presidente e também pelo Diretor mas não sabe dizer se no período indicado na denúncia foram encontrados cheques com rasuras. Todavia, no outro período, sabe que existiram cheques rasurados que foram pagos pelo banco.

A testemunha de defesa Luis Henrique Albertoni (fls. 2985 e 2992), soube dos fatos pela imprensa. Era funcionário da Câmara em 2001, mas não conversou com os acusados a respeito dos fatos. Disse que integrou a comissão para apurar fatos ligados ao IPREM referentes ao ano de 2005 onde foi apurada a existência de diferença do contabilizado para o efetivamente pago. Relatou que chegou um ofício do IPREM cobrando valores da Câmara, fato esse que foi levado até Herval.

Foi ordenada abertura de sindicância administrativa e a comunicação a órgãos públicos. Relatou que não tem contato com a parte financeira mas ao analisar o cheque de fl. 2753, disse que a letra existente no canhoto parecia ser de Toshimoto. A testemunha reconheceu no cheque de fl. 2757 as assinaturas de Herval e Toshitomo.

Cristina de Fátima Vieira Carvalho (fls. 2986 e 2992), testemunha de defesa, disse que ouviu comentários sobre o fato e conhece os acusados profissionalmente mas não dialogou com eles a respeito.

Relatou que em 2001/2002 era servidora da Câmara, e que em 2005 foi testemunha em uma sindicância que foi  instaurada. Relatou também que trabalhava no setor contábil na época e não viu nenhuma irregularidade e que Toshitomo passava documentos para o pessoal da contabilidade e os empenhos eram feitos.

Os cheques eram preenchidos e Toshitomo os levava para colher assinatura. Ao analisar a grafia no canhoto de fls. 2753, reconheceu ser de Toshitomo. Declarou ainda que quando os cheques eram entregues ao pessoal contábil, já vinham com duas assinaturas e que apenas Toshitomo tinha acesso ao presidente para a obtenção da sua assinatura. Reconheceu ser de Toshitomo e Herval as assinaturas na fl. 2757.

A última testemunha, Paulo Cesar Colombera (fls. 2987 e 2992), disse que soube dos fatos através da imprensa. Declarou ser funcionário da Câmara e disse que fez parte da comissão de inquérito em 2005, onde substituiu Alex Sandro Altimari que se afastou da comissão. Declarou ainda que na comissão apurou-se a adulteração de cheques por Toshitomo. Sabe que os cheques eram sempre emitidos com duas assinaturas e que segue com empenho e outros documentos para análise do Presidente mas nunca acompanhou isso de perto,” pois só quem despacha com o Presidente é o Diretor Geral”. Disse que a letra do canhoto de fl. 2754 é muito semelhante a de Toshimoto.

O laudo pericial do Instituto de Criminalística de fls. 106/141 concluiu que foram emitidos e pagos no ano de 2001 e 2002, cheques em valores maiores aos contabilizados pela Câmara Municipal de Marília, no valor de R$ 4.823.522,80 e que foram sacados e não repostos na conta da Câmara, no mesmo período, R$ 3.040.869, 95.

Transcrevo trecho da conclusão dos peritos: “(…) Diante do exposto, foram sacados da conta bancária da Câmara Municipal de Marília e não repostos, nos anos de 2001 e 2002, o valor total de R$3.040.869,95 |(três milhões quarenta mil oitocentos e sessenta e nove reais e noventa e cinco centavos).”

Às fls. 280/403 estão as fitas de caixa Santander (extrato e microfilmagem do referidos cheques) onde constam as transações de grande parte dos cheques emitidos pela Câmara Municipal de Marília e “pagos no caixa”.

Registre-se que os cheques depositados em contas correntes na mesma instituição bancária, são considerados “pagos no caixa” para efeitos de compensação.

Há nos autos identificação de depósito dos saldos remanescentes dos cheques descontados na conta corrente da própria Câmara Municipal. O cheque de nº 184760, emitido com valor de R$ 1.177,60 nominal à Câmara Municipal de Marília foi descontado no caixa e o valor utilizado para dois depósitos, nos valores de R$ 1.000,00 e R$ 177,60 em contas correntes de terceiros.

O documento juntado às fls. 1963 pelo Banco Santander atesta a titularidade das contas correntes favorecidas (conta 0011-010301138-6 Maisa Massue Suegama e conta 0037-0130002210-7 Divetec Com Assis Técnica Relógios Ltda São José do Rio Preto).

O laudo pericial de fls. 3179/3228 apontou “possível” adulteração em alguns cheques mencionados na denúncia. Digo possível porque o próprio laudo vem acompanhado de esclarecimentos de que não é tecnicamente viável e recomendável que se realize exame documentoscópico, visando conclusão sobre a idoneidade das peças questionadas, em cópias reprográficas. Frise-se de má e péssima qualidade.

De qualquer modo, não há sequer indícios de qualquer adulteração em quase duas centenas de cártulas, caindo por terra qualquer alegação de que os desvios teriam sido efetivados apenas pelo corréu Toshitomo.

DO ACUSADO TOSHITOMO.

O acusado Toshitomo confessou a prática do delito nas duas oportunidades em que foi ouvido. Admitiu expressamente que agia sob as ordens de Herval Seabra, então Presidente da Câmara, este que, segundo ele, também se beneficiava de parte do dinheiro desviado. Acrescentou que obedecia as ordens emitidas porque “tinha medo de perder o cargo”.

Não socorre o acusado a alegação de que atuou sob coação moral irresistível. Trata-se de instituto que atua como causa dirimente da culpabilidade. Aquela que pode ser resistida, que pode ser arrostada, sem que disso resulte situação de grave perigo para o agente, não serve para isentá-lo da responsabilidade penal.

Perder o cargo certamente representaria situação de perigo?! Se assim agiu é porque estava disposto a cometer os delitos retratados nos autos e deve ser responsabilizado por seu comportamento.

Incabível o pleito defensivo de unificação das penas, levando-se em conta a pena aplicada no feito de nº 1118/2005 da Terceira Vara Criminal de Marília e aplicando a regra do artigo 71 do Código Penal. Para que se aplique a regra do crime continuado os delitos têm que ter ocorrido nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, dentre outras semelhantes. Veja-se que o requisito temporal não foi preenchido.

Os crimes apontados no feito que tramitou na Terceira Vara Criminal ocorreram em 2005, enquanto os fatos tratados nestes autos referem-se a delitos que se consumaram nos anos de 2000 e 2001.

Registro que Toshitomo trouxe aos autos relato de suma importância a identificação e responsabilização criminal do do corréu Herval. Nesse sentido, entendimento doutrinário e jurisprudencial:

A confissão do comparsa e a sua delação quanto as participações do corréu constituem importantes indícios de autoria. Júlio F. Mirabete, na obra “Processo Penal”, ed. Atlas, 8ª edição, 1998, p. 289, ensina: “Não há dúvida, porém que a delação é de grande valor probatório, podendo servir de suporte para a condenação, principalmente quando harmoniosa e coerente, encontrando apoio na prova circunstancial. Além disso, a delação do corréu tem relevância probatória quando não procura ele inocentar-se, máxime quando vem ela corroborada por outros elementos de convicção.”.

Nesse sentido: “Prova Delação de corréu e confissão policial retratada em juízo Condenação Suficiência A delação de corréu e a confissão policial, ainda que retratada em juízo, são suficientes a embasar decreto condenatório.”
(TACRIMSP AP 1.048.721 3ª C Rel. Juiz Poças Leitão J. 01.04.1997).

DO ACUSADO HERVAL.

Herval negou a prática delitiva. Argumentou que os cheques que fazem prova do desvio de dinheiro do patrimônio público foram adulterados após o lançamento de sua assinatura e atribuiu a autoria delitiva ao acusado Toshitomo

Todavia sua negativa mostrou-se isolada no conjunto probatório. De efeito, apurou-se nos autos que Herval foi questionado pelo Presidente do Iprem sobre um débito na Câmara de Vereadores e que respondeu “tratar se de equívoco porque assinava o cheque destinado àquela despesa”. Exigiu que as guias de recolhimento lhe fossem apresentadas e afastou Toshitomo, no mesmo dia, apesar da sua negativa de autoria, fazendo a nomeação de novo diretor.

O comportamento de Herval é no mínimo suspeito. Quando questionado sobre o débito alega tratar-se de “engano”, mas mesmo assim apresenta comportamento drástico afastando Toshitomo do cargo, tudo no mesmo dia. Não poderia tratar-se de engano?

O que fez Herval chegar à conclusão de que algo errado estava acontecendo? Por que

Herval não foi cauteloso aos imputar fatos de extrema gravidade ao Diretor da Casa? O comportamento de Herval contraria informações anteriores dadas por ele quando do seu interesse disse: que “Toshitomo gozava da mais alta confiabilidade naquele momento, não só na Câmara, mas na sociedade Mariliense […]

Uma pessoa acima de qualquer suspeita. Todo mundo confiava nele, inclusive eu, Presidente” (CD de fl. 2992 24:58 a 25:47)

Veja-se que nem mesmo a documentação juntada (fls. 3089/3156), em sede de memoriais, pelo acusado Herval foi suficiente para elidir a prova contábil.

Não se trata de documento elaborado por órgão Oficial do Estado e portanto desprovido de presunção de veracidade.

As supostas adulterações em alguns cheques e atestadas pelo laudo pericial de fls. 3179/3228 limitaram-se a apontar possível adulteração em 102 cheques dos 301 que fazem parte integrante desta denúncia.

Logo não há falar que não tinha ciência sobre os desvios de dinheiro sob o argumento de que as adulterações ocorriam após a sua assinatura, mesmo porque não há prova das adulterações e, se ocorreram, se foram levadas a efeito antes ou após o lançamento de sua assinatura. De mais a mais, a grande maioria do dinheiro desviado ou, minimamente em 199 ocasiões, Herval participou ativamente dos desvios em concurso com Toshitomo.

Os cheques foram assinados, na grande maioria, pelos dois acusados Herval e Toshitomo e com valores incompatíveis com as despesas da Câmara.

As tabelas contidas na denúncia foram extraídas do laudo pericial de fls. 106/141 e demonstram significativa quantidade de cheques tendo a Câmara Municipal como titular do crédito.

Não vejo razão alguma, senão benefícios de ordem pessoal, o fato de muitos dos cheques emitidos estarem nominais a própria Câmara municipal. E esta informação não foi contrariada pela prova pericial. Herval afirmou que assinou cheques em que Câmara era a beneficiária do pagamento e argumentou que o dinheiro era utilizado para realizar “pequenas e inadiáveis despesas”.

Apurou-se que o montante dos valores desviados quase atingiu o montante de cinco milhões de reais no período de dois anos. Seriam estas “pequenas despesas?” É crível o Presidente da Câmara alegar que desconhecia o desvio do montante de cinco milhões de reais? Além disso, ele assinava os cheques a pedido de Toshitomo e nunca suspeitava de nenhuma irregularidade? Durante dois anos?

Afasto a tese defensiva de desclassificação do delito para o crime de peculato culposo. Para recordar ocorre peculato na forma culposa quando o funcionário público encarregado da guarda e segurança do patrimônio da administração, por negligência, imprudência ou imperícia, infringe o dever de cuidado, permitindo, involuntariamente, que outro funcionário aproprie-se de qualquer bem público de que tem a posse em razão de sua função.

Não há qualquer indício de conduta culposa, eis que da análise do conjunto probatório, é possível concluir que o réu efetivamente se apropriou de parte do numerário desviado dos cofres públicos. Tinha plena consciência dos atos que praticava e o fim para o qual praticava. Evidenciado o dolo na vontade consciente de se apossar do dinheiro desviado. Portanto, fica afastada a pretensão de desclassificação para o crime de peculato culposo.

Farta é a documentação juntada aos autos demonstrando que os acusados se locupletaram, apropriando-se das quantias mencionadas de forma ilegal. Herval concorreu para os desvios de verbas perpetrados por Toshitomo que não tinha como fazê-lo sem conhecimento e anuência do Presidente. Ambos agiram em coautoria.

Outrossim, observo que o delito previsto pelo art. 312 do Código Penal, em suas modalidades desvio e apropriação, restou evidentemente comprovado. 

Prevê o caput da norma: “Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”.

O documento de fls. 148/150 faz prova de que os acusados eram funcionários públicos à época dos fatos. Veja-se que houve sessão na câmara municipal elegendo o acusado Herval para o cargo de Presidente, durante biênio de 2001/2002.

Enquanto o documento de fl. 151, atesta que Toshimoto Egashira exercia o cargo de Diretor Geral da Câmara, no mesmo período.

A conduta dos réus encontra perfeito enquadramento típico nos delitos constantes na peça inicial.

Observo ainda ter sido demonstrado o dolo dos agentes em agir “em proveito próprio”, visto que além de apossarem-se dos valores, não procuraram ressarcir o patrimônio público em sua integralidade, evidenciando sua intenções de locupletarem-se.

Destarte, é certo é que o peculato tipifica-se com a simples apropriação ou desvio do dinheiro público, pouco importando os valores ou a maneira como o agente gastou o numerário alcançado e até mesmo o ressarcimento..

Para Rui Stocco: “O elemento subjetivo do tipo, no tocante ao peculato-apropriação é o dolo simples: vontade livre e consciente dirigida à apropriação do dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, de que se tem a posse em razão do cargo. Basta a vontade referida à apropriação, sendo que esta pressupõe, conceitualmente, o animus rem sibi habendi e a obtenção de proveito”. (STOCO. Rui, FRANCO. Alberto Silva. Código Penal e sua interpretação. 8.ed. São Paulo: RT, 2007. p. 1435).

O delito deu-se ainda em “razão do cargo” tendo em vista que os acusados utilizaram-se dessa prerrogativa para desviaram e se apropriar dos valores.

Com efeito, como já demonstrado, os réus eram funcionários públicos, dispunham de talonário de cheque e administravam o dinheiro público e aproveitaram-se de todas essas circunstâncias para cometerem os crimes.

Por fim, observo estarem plenamente caracterizados todos os elementos do tipo penal.

Assim prevê a jurisprudência:

PECULATO – Caracterização – Materialidade delitiva comprovada por meio de termo de constatação, prova testemunhal produzida em processo administrativo disciplinar, no inquérito policial e ratificada em juízo – Alegação de inocência do acusado que restou isolada no conjunto probatório dos autos (TRF – 1.a Reg.) – RT 857/724

PECULATO – Caracterização – Funcionário público que, no exercício de suas funções, e em união de desígnios com os demais agentes, desviou e apropriou-se do erário público (TJAP) – RT 853/590.

PENAL – PECULATO – AUTORIA E MATERIALIDADE – COMPROVAÇÃO – PROVA INDICIÁRIA – VALOR PROBANTE – IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1.- Materialidade e autoria delitivas comprovadas pelo conjunto probatório francamente desfavorável à Apelante. 2.- Além da prova oral produzida, a presença de indícios veementes também contribui à formação do convencimento do julgador, e constitui elemento apto a autorizar o decreto condenatório. 3.- Constitui circunstância elementar do tipo penal descrito no art. 312 do CP que o agente se valha da facilidade que sua qualidade de funcionário lhe proporciona. Para a caracterização do delito é indiferente a auferição de lucro pelo agente. O que importa é principalmente a ofensa aos interesses da Administração Pública de que os funcionários são guardiões, deles se exigindo lealdade e fidelidade. 4.- Improvimento do recurso. ACR – APELAÇÃO CRIMINAL 10191. Processo: 2000.03.99.046335-5. SEGUNDA TURMA. DESEMBARGADORA FEDERAL SYLVIA STEINER. 15/10/2002

De rigor, portanto, o decreto condenatório. Adotando-se o critério trifásico previsto no artigo 68, do Código Penal, a dosagem da pena a ser aplicada deve ser feita nos seguintes termos.

Na primeira fase de fixação da pena, observo que tanto Herval quanto Toshitomo são tecnicamente primários, malgrado tragam registros de feitos criminais (Toshitomo: fls. 2438, 2444, 2568, 2583 e 2584/2585; Herval: fls. 2433).

Em que pese parte do prejuízo causado ao erário ter sido restituído aos cofres públicos ( R$ 1.782.652,85), certo é que os delitos executados são de extrema gravidade e desviaram dos cofres públicos quantia vultosa, causando prejuízo significativo a sociedade (mais de três milhões de reais), de modo que a penas-base de cada um dos acusados são estabelecidas em 04 (quatro) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, cujo valor unitário fixo no mínimo legal para cada um dos crimes de peculato.

Superada esta primeira fase, não estão presentes circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas que possam modificar as penas até agora  estabelecidas.

Na sequência, está presente a causa de aumento de pena prevista no artigo 327, § 2º do Código Penal para os dois acusados. Toshitomo exercia o cargo de Diretor, enquanto Herval exercia o cargo de Presidente, ambos na Câmara Municipal de Marília, de modo que elevo suas penas em 1/3 para fixa-las em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa.

Considerando que à hipótese se aplica a regra do artigo 71 do Código Penal, qual seja, a da continuidade delitiva, há que se adotar em relação às penas o sistema da exasperação penal. Tomam-se as penas de um dos delitos (no caso idênticas) e se faz incidir sobre elas aumento de um sexto (1/6) a dois terços (2/3).

No caso, Herval e Toshitomo executaram o delito 309 (trezentas e nove) vezes, a exasperação há de se dar no máximo previsto (que é de dois terços). Com isso, ambos têm as penas elevadas para 08 (oito) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 8.034 (oito mil e trinta e quatro) dias-multa (artigo 72 do CP, aplicável ao crime continuado, a despeito de opiniões em sentido inverso), cujo valor unitário fixo no mínimo legal. No caso de Herval esta pena é adotada como definitiva à míngua de outras causas modificadoras.

Considerando que o corréu Toshitomo, contribuiu para apuração dos delitos constantes na denúncia, identificando e facilitando a responsabilização criminal do corréu, ele faz jus ao benefício da da delação premiada. Desse modo, com fundamento no artigo 14 da Lei 9807/99, reduzo suas penas em 1/3 para estabelecê-las definitivamente em 05 (cinco) anos, 11 (onze) meses e 03 (três) dias de reclusão e 5256 (cinco mil, trezentos e cinquenta e seis) dias-multa ( artigo 72 do CP), cujo valor unitário fixo no mínimo legal, observando-se que a gravidade do fato e repercussão social dos fatos criminosos não deixam margem à maior redução ou ao perdão judicial.

Diante do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido deduzido na presente ação penal para CONDENAR:

a) HERVAL ROSA SEABRA, qualificado nos autos, pela prática do delito previsto no artigo 312, caput, por 309 (trezentas e nove) vezes, c.c. os artigos 71 e 327, §2º, todos do Código Penal, às penas de 08 (oito) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 8.034 (oito mil e trinta e quatro) dias-multa, cujo valor unitário fixo no mínimo legal e;

b) TOSHITOMO EGASHIRA, qualificado nos autos, pela prática do delito previsto no artigo 312, caput, por 309 (trezentas e nove) vezes, c.c. os artigos 71 e 327, §2º, todos do Código Penal, tudo ainda c.c. artigo 14 da Lei nº 9.807/99, às penas de 05 (cinco) anos, 11 (onze) meses e 03 (três) dias de reclusão e 5256 (cinco mil, trezentos e cinquenta e seis) dias-multa ( artigo 72 do CP), cujo valor unitário fixo no mínimo legal.

Os réus não preenchem os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade  zor pena restritiva de direitos, tendo em vista que a pena aplicada é superior a quatro anos e as consequências do delito e culpabilidade se encontram acima do patamar da normalidade.

No caso de Toshitomo, beneficiado pelo Instituto da delação premiada, terá sua pena privativa de liberdade cumprida inicialmente em regime semiaberto. Já para Herval estabeleço o regime fechado para o início do cumprimento da pena, diante da gravidade dos delitos praticados e da quantidade da pena aplicada, com fundamento no artigo 33, § 2º, alínea “a” do Código Penal.

Os réus responderam ao processo em liberdade e poderão recorrer soltos desta sentença.

Condeno os réus ao pagamento das custas processuais, observando-se, se o caso, o disposto no artigo 12, da Lei nº 1.060/50.

Transitada em julgado a presente decisão, comunique-se a Justiça Eleitoral para os fins previstos no art. 15, III, da CF. Oportunamente, expeçam-se mandados de prisão.

Nos termos do art. 92,I, a e b, do Código Penal, decreto a perda do cargo exercido pelos corréus, considerando a gravidade dos fatos e as conseqüências dos delitos, os quais causaram um prejuízo de mais de três milhões de reais, condutas criminosas efetivadas com violação aos deveres para com a Administração Pública.

P.R.I.
Marilia, 14 de julho de 2015.
Luiz Augusto Esteves de Mello
Juiz de Direito