Ele tinha 30 anos estudante de medicina, crédulo que só, cheio de sonhos e considerava que podia abraçar o mundo.
Era tímido no limite da timidez, aquele tipo de vergonha que parece charmosa aos olhos de outras pessoas, possuía um cabelo preto que reluzia ao encontro do sol, olhos castanhos profundos que causavam suspiros em moças, mulheres e senhoras.
Era um rapagão. Suspiros, risadinhas, cochichos e desejos libidinosos contagiavam o ambiente em que ele estava.
Felipe sorria muito, mas sorria para fora. Era triste, de uma tristeza distante, dessas que ninguém alcança, nem mesmo aqueles que julgavam conhecê-lo.
Felipe morava sozinho, gostava da solidão mesmo sua terapeuta não recomendando isso. Gostava de chegar a sua casa e escutar o silêncio ou o barulho das coisas silenciadas.
Uma cadeira arrastada, seu chinelo coçando o chão, suas pisadas que faziam barulho ao tocar o assoalho, o barulho do chuveiro. O som do seu silêncio.
Mas se sentia deslocado, não pertencente a este mundo, parecia que estava visitando um amigo sempre, o mundo, o planeta terra, eram apenas passeios de uma alma que vinha de muito longe, ele não sabia de onde.
Não era religioso acreditava em tudo e duvidava também ao mínimo questionamento de qualquer crença.
Às vezes Felipe se julgava importante, emitia opiniões sem que o questionassem, considerava que sabia demais em alguns aspectos.
Era um desengonçado social, não tinha tato com as pessoas, nem mesmo com mulheres que só por sua aparência facilitava qualquer flerte.
Fazia Medicina porque cria que poderia ajudar as pessoas a terem outras oportunidades, não era salvar uma vida, era dar-lhe outra chance.
Mas não queria contato com seres humanos, odiava os joguinhos sociais e toda a demanda antropológica que as relações sociais traziam.
De uns tempos para cá, Felipe andava mais quieto que o normal, sorria envergonhado, se esquivava dos colegas da faculdade e daqueles com os quais convivia mais.
Alguns suspeitavam que Felipe estivesse namorando ou apaixonado, outros que ele devia está com algum problema de saúde ou familiar.
Ninguém ousava perguntar, afinal, Felipe era muito introspectivo e não gostava de dividir sua intimidade, era algo tão sagrado para ele que se ela, a intimidade, fosse personificada ele montaria um altar para ela.
É que Felipe estava cansado, percebeu que dar segundas chances às pessoas só permitiam que essas cometessem mais erros e mais danos.
Sua solidão, embora fosse algo que apreciasse trazia à tona toda uma série de questões, fossem elas sociais ou existenciais.
Felipe não aguentava mais viver, a vida era como um peso, uma bigorna amarrada em suas pernas, como chibatadas em suas costas numa tarde ensolarada na qual jogavam sal em suas feridas sangrando e há pouco abertas.
Viver o deixava sufocado, como pesava ter que vestir máscaras, fazer tipos, caber em roupas, sair, trabalhar, estudar, trepar , rir, de todas as atividades, a que mais lhe doía, era rir.
Felipe continuava sua rotina, dormir, acordar, escovar os dentes, tomar café, colocar uma roupa, levar seu jaleco, estudar, sair vez ou outra com os amigos que ele já sabia que eram colegas, rir para disfarçar a dor e evitar perguntas.
Não gostava que perguntassem sobre a sua dor, fazia com que ela emergisse chegava e zombava dele. Felipe tinha medo.
Foi cumprindo a sentença, cada dia cumpria suas obrigações, dormir, acordar, dormir, acordar. Pouco importava o que ocorria no intervalo, só queria acelerar os dias para que tudo terminasse o quanto antes.
E Felipe foi se tornando apagado, desinteressante. O cabelo já não reluzia como antes, seus olhos castanhos tornaram-se embotados.
As moças, mulheres e senhoras já não suspiravam diante de sua presença. Felipe estava quase invisível.
Suas roupas já não possuíam força na cor, suas pisadas já não eram fortes como antes, ele quase já nem era notado.
Felipe foi esquecido paulatinamente, as pessoas já não conseguiam ver sua cor, seu cheiro, seus olhos, seu tom de pele, o seu cabelo.
E num dia qualquer Felipe se foi, sumiu como vapor no ar. Apagou tanto que muitos nem lembravam mais dele, quando questionavam sobre o rapaz bonito de olhos profundos, as pessoas, os colegas, as paqueras, os amigos, se olhavam embasbacados como se tivessem deixado passar algo.
Felipe foi evaporando aos poucos e sumiu num dia qualquer, não fez alarde na partida, como havia feito na chegada, foi partindo silencioso, isolado, olhando a todos com estranhamento e com a certeza de que não fazia parte desse mundo.
Preencheu-se de vazio, a única coisa da qual ele estava cheio, não deu aperto de mão, nem beijo na testa, nem ao menos deixou recado, abraçou o silêncio o único amigo que havia encontrado e ali encontrou sua morada.