“Nas últimas décadas, o mercado de trabalho no Brasil tem passado por transformações significativas, incluindo um maior destaque para a presença feminina nas organizações. No entanto, apesar dos avanços, ainda existe um obstáculo a ser superado: a falta de ambiente de inclusão para líderes do sexo feminino. As estatísticas revelam que embora as mulheres constituam uma parte considerável da força de trabalho, sua presença em cargos de liderança ainda é desproporcionalmente baixa.” A opinião é de Daniela Tessler, sócia da Odgers Berndtson, em São Paulo, com 25 anos de experiência profissional em executive search e como consultora de desenvolvimento organizacional.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), apenas 32% dos cargos executivos nas indústrias no Brasil são ocupados por mulheres e de acordo com o IBGE apenas 37% ocupados por mulheres em empresas de grande porte e menos de 10% das presidências. Isso reflete a persistente disparidade entre os gêneros em posições de poder.
“Além da sub-representação em cargos de liderança, a diferença salarial entre homens e mulheres também é uma questão alarmante, mesmo as mulheres tendo mais anos de estudo. Estatísticas apontam que, em média, as mulheres recebem apenas 77,7% do rendimento dos homens em posições similares. Essa diferença ressalta a necessidade de uma abordagem mais igualitária na remuneração. Mulheres são menos promovidas para cargos de liderança do que homens e o crescimento profissional das que são mães é ainda mais lento”, diz Daniela.
O número já reduzido de mulheres em posições de liderança ainda sofre com o fato de que muitas deixaram seus empregos nos últimos anos por falta de oportunidades para avançar na carreira, de apoio da alta gestão, flexibilidade e de compromisso da empresa com a diversidade, equidade e inclusão e bem-estar. Várias barreiras contribuem para a falta de ambiente de inclusão para líderes femininas.
“O viés de gênero, expectativas sociais e estereótipos persistentes são alguns dos fatores que influenciam a promoção e o desenvolvimento de carreira das mulheres. No entanto, também há sinais encorajadores, com empresas que adotam políticas de diversidade e inclusão relatando maior satisfação entre os funcionários e até mesmo melhor desempenho financeiro”, analisa a executiva.
Enquanto o mercado de trabalho brasileiro evolui, é evidente que a inclusão de líderes femininas ainda é um desafio premente. As estatísticas refletem uma realidade que exige ação coletiva para garantir oportunidades iguais e um ambiente verdadeiramente inclusivo para todas as profissionais.
“Como Sócia da Odgers Berndtson, que tem globalmente se dedicado ao tema da diversidade, equidade e inclusão no mercado de trabalho, tenho visto empresas clientes nos solicitarem posições afirmativas de alta liderança de grupos minorizados tais como mulheres e negros. Na minha visão é fundamental a criação de uma cultura inclusiva e igualitária que passa necessariamente pela conscientização e a mudança de postura dos líderes”, diz Daniela. “A inclusão é no meu ponto de vista essencial para atrair, reter e melhorar a performance de funcionários e times nas empresas. Nosso compromisso com a diversidade, a equidade e a inclusão, buscar pontos de vista diferentes é crucial para construirmos times excelentes para os nossos clientes.”
Mudança nas startups
Rafaela Correa, mulher negra, também sócia da Odgers Berndtson, responsável por recrutamento e seleção, na quinta maior consultoria global de capital humano, acredita que “a falta de um ambiente inclusivo para mulheres executivas em startups continua a ser uma questão persistente, refletindo desafios mais amplos dentro do setor de tecnologia. Apesar do crescimento das startups nos últimos anos, as mulheres continuam a enfrentar barreiras significativas para avançar em posições de liderança. A falta de representatividade nos altos escalões, a cultura muitas vezes masculina e a ausência de políticas eficazes de igualdade de gênero contribuem para criar um ambiente onde as mulheres executivas se sentem desencorajadas e excluídas, prejudicando a diversidade de pensamento e limitando o potencial de inovação das startups”.
Para combater essa lacuna, Rafaela diz que é crucial que as startups adotem medidas concretas para promover a igualdade de gênero e a inclusão em todos os níveis hierárquicos. “Isso inclui a implementação de programas de mentoria e desenvolvimento de liderança específicos para mulheres, a criação de políticas antidiscriminação e a promoção de uma cultura organizacional que valorize a diversidade. Ao estabelecer um ambiente mais inclusivo, as startups podem não apenas atrair talentos diversos, mas também colher os benefícios de perspectivas variadas, resultando em tomadas de decisões mais informadas e em soluções mais criativas e abrangentes”.
Perspectiva histórica
Para Bianca Colepicolo, especialista em turismo e políticas públicas, é importante sempre considerar tudo pela perspectiva histórica. “Tenho uma amiga, Dona Mena Gigli, de Guararema, que tem 103 anos e é completamente lúcida. Há pouco tempo, em uma conversa, tomamos consciência de que a mulher só teve direito ao voto quando Dona Mena já tinha 12 anos de idade (1932), e que ela já tinha 42 anos quando foi elaborado o “Estatuto da Mulher Casada”, que permitiu as mulheres trabalharem sem autorização do marido (1962) e 54 anos quando as mulheres tiveram direito a ter um cartão de crédito”, conta Bianca.
Só em 1988 a constituição reconheceu que homens e mulheres são iguais. Dona Mena, portanto, pela lei, passou 68 anos de sua vida sem ter plenos direitos apenas por ter nascido mulher, e passaram-se 35 anos disso, mas ela ainda acompanha a luta de todas nós para equipar as relações de trabalho.
“É pensando na Dona Mena que consigo entender porque ainda é estranho para os outros e para nós mesmas quando assumimos posições de liderança. Há sempre um ar de que todos precisamos nos adaptar, apesar do direito, não somos aceitas de fato. O que acredito ser a melhor maneira de acelerar essa inclusão, é fazer o máximo esforço para elegermos mulheres nos cargos públicos. Isso porque cargos eletivos expõe para toda a sociedade a atuação das mulheres em liderança, servindo de exemplo para todas as outras áreas. Mulheres hoje estudam mais e trabalham mais que os homens porque somos parte de uma transição. É nossa consciência temporal e nosso esforço que pode preparar um ambiente mais igualitário em oportunidades para as próximas gerações quando, espero, que essa diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho não seja mais um assunto”, reforça Bianca.
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Fonte: Mulher