Às vezes precisamos colocar nossa humanidade à prova, sentir o que de fato é ser uma pessoa e deixar doer para verificar se não estamos mumificados, se ainda há vida em nós.Dias atrás assisti um documentário na Netflix chamado Olhos que Condenam e percebi então que estou viva.
Se você não assistiu ainda, mais do que recomendo, vai cutucar toda dose de bom senso, justiça, empatia e humanidade que ainda restam aí dentro.
É uma série de uma temporada, conta a história de cinco meninos negros que são presos injustamente. Não, não estou dando spoiler. A série é baseada numa história real, portanto, o enredo e desenrolar podem ser verificados numa busca simples no google, saberá de todos os pormenores.
Mas te faltará a atuação de atores, meninos, que é de ficar boquiaberta.
Prepare-se para o nó na garganta, a sensação de impotência e injustiça que terá que engolir durante a série.
Fazia muito tempo que não assistia algo tão forte e comovente, ao mesmo tempo violento e visceral, mexe com sentimentos nossos bem particulares e nos acorda.
Estamos precisando levar um sacode, é tanta violência cotidiana, banalização da morte e da vida, que uma dose de humanidade não faz mal a ninguém.
Inúmeras vezes pensei abandonar as redes sociais, o facebook para ser mais especifica, acabo desistindo porque escrevo e quem escreve precisa de um leitor, o facebook traz alguns leitores.
No entanto a rede também me traz informações que acabam adoecendo, hoje, por exemplo, vi duas noticias que me tiraram do prumo.
A primeira trata-se de uma foto, gostaria de desver, de um pai junto ao seu filho de 2 anos, na tentativa de atravessar a fronteira México/ Estados Unidos, ele acabou afogando-se. Não sei mais nada da notícia porque evitei terminar de ler e ver, é dolorosa demais a imagem.
A outra notícia que embrulhou o estômago é o assassinato de uma jovem de 14 anos por duas outras adolescentes, o motivo, se é que se pode racionalizar um assassinato, não vem ao caso e nem é importante.
O que importa nos dois casos é a vida, a crueldade com que algumas pessoas morrem. Uns buscando a esperança que mora do outro lado do rio e a outra porque se relacionou com alguém e dois seres, que não sabem lidar com perda ou com a existência de alguém que provoca incômodo, resolvem matá-la e filmam sua morte.
Vocês aí do outro lado que estão lendo esse texto também estão se perguntando o que está acontecendo com o mundo e com as pessoas?
Quando foi que começaram a ficar tão cruéis e impiedosas?
Quando foi que a vida passou a valer nada?
Estão se perguntando isso agora? Respondeu sim? Você está cheia de humanidade, é exatamente sobre isso que escrevo aqui.
Não devemos nos acostumar com a violência, a barbárie, a desumanidade com que alguns seres tratam os outros.
O espanto diante da falta de respeito, intolerância e violência faz parte daqueles que acreditam e praticam o exercício de se colocar no lugar do outro.
De sentir a dor que não é minha deveras mas que é possível chegar até a mim quando percebo que o outro é tão semelhante a mim, que aquilo que o fere, pode me ferir também.
Sempre me dou conta da minha pequenez quando passo próximo a um morador de rua e observo suas vestimentas, sinto o seu cheiro, percebo que o que nos separa é uma linha muito tênue.
O que me afasta de pessoas em situação de rua é que eu tenho acesso a coisas que elas não têm, como banho, roupas, casa, e meios variados de esconder meus odores corporais. Sou melhor que ele? Não, sou mais privilegiada, só isso!
Não estamos imunes à pobreza, à injustiça, ao abandono, à morte, somos todos susceptíveis quanto qualquer outro.
A humanidade se aproxima da empatia no sentido de que sabemos que tudo que afeta um humano, pode nos afetar também, que a dor de perder um filho pode bater a nossa porta.
Que um pai desesperado buscando o melhor pode se jogar num rio perigoso buscando salvar seu filho da pobreza e da miséria.
Que a minha filha, sobrinha adolescente, poderia está no lugar daquela menina morta de forma violenta e irreparável e que para seus pais deve ser desesperador saber da morte de sua filha e pior, saber que o vídeo circula na internet registrando o desespero de sua filha e a crueldade de sua morte.
Que meninos de 13, 14 anos foram presos de forma injusta, poderia ser meu sobrinho, seu filho, seu amigo.
Torço para que não seja necessário que a morte, a injustiça e o desamparo cheguem até nós para que percebamos o quão humano somos.
Que a tua humanidade, assim como a minha, possa vim com gargalhadas de crianças, beijos na testa, abraços carinhosos, declarações de amor inoportunas, brigadeiro de colher num dia frio, pipoca estourada para assistir o filme, jantar romântico com seu amor, o sorriso gostoso da sua mãe, o eu te amo do seu filho, uma tarde com as mulheres de sua vida. Que a crueldade não seja necessária para mostrar o quanto humanos somos.
Que sigamos vivos e espantados reconhecendo que somos mais semelhantes que diferentes, e isso já basta.