No ensaio, “Um teto todo seu”, escrito por Virginia Woolf, no início do século XX, a escritora inglesa reflete sobre o não reconhecimento da notoriedade das mulheres em diversas áreas e sobre suas condições sociais.
A escritora pontua as dificuldades enfrentadas pela mulher para a livre expressão de seu pensamento, para que essa expressão pudesse ser transformada em uma escrita sem sujeição e, finalmente, para que essa escrita fosse recebida com consideração, em vez da indiferença comumente reservada à escrita feminina, na época.
Por que a grande glória atribuída ao grande dramaturgo William Shakespeare não era dada a sua irmã, por exemplo? Por que muitas mulheres tinham que se esconder por detrás de nomes masculinos para que tivessem valor na literatura?
A resposta considera que a mulher vem construindo “um teto todo seu” ao longo do tempo, ou seja, ganhando voz e autonomia, à medida que deixa de ser a filha do Sr. Fulano, ou a esposa do Sr. Beltrano, e assim vem conquistando (ainda a duras penas) seu teto. E, na época de Shakespeare, seria uma transgressão uma mulher assinar um texto, já que nem atuar no teatro podia – os papeis femininos eram encenados por homens.
Na Inglaterra, do século XIX, temos George Eliot que era Mary Ann Evans, e na França, no mesmo século, George Sand era Amantine Dupin. Ambos Georges eram mulheres que publicaram obras primas, mas que não puderam assinar como mulheres.
No Brasil, Nair de Tefé (1886 – 1981) era pintora, pianista e escritora. É lembrada, além de sua veia artística, por ter sido uma das primeiras mulheres a usar calças compridas, no Brasil – além de ter sido primeira-dama do país entre 1913 e 1914, como esposa do marechal Hermes da Fonseca. Mesmo sendo uma mulher à frente de seu tempo, Nair utilizava um nome interessante para publicar seus textos nos jornais da época: Rian – que, além de ser “Nair” de trás pra frente, também tem som semelhante à palavra francesa para “nada”, rien.
Oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, o chamado Dia Internacional da Mulher é comemorado desde o início do século XX, e com esta data podemos relembrar anualmente suas conquistas sociais e políticas. Não as merecidas, mas as que foram possíveis até então, resultados de histórias de luta, persistência e determinação de algumas heroínas, conhecidas ou anônimas.
A história nos mostra expressivos movimentos pela emancipação da mulher, como o protesto denominado “pão e paz” na Rússia (1917), que contou com a participação de noventa mil mulheres; o movimento sufragista, na Inglaterra (1918) que marcou a conquista do direito ao voto, garantido no Brasil pela Constituição de 1932. A Carta das Nações Unidas (1945), um marco para o reconhecimento da igualdade de gênero. Especificamente no Brasil a lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio (2015), que estabeleceram instrumentos para punição de violência doméstica contra a mulher.
Mas esta data comemorativa não elimina o cenário degradante em que a maioria das mulheres ainda está submetida. Foram muitas conquistas, mas precisamos refletir sobre a desigualdade de gênero, pois ainda há muita disparidade quanto às oportunidades ofertadas às cidadãs se comparadas às ofertadas aos cidadãos. As mulheres ainda têm sobrecarga de trabalho, em razão das diversas jornadas; remuneração inferior no exercício das mesmas funções; violência de gênero e participação política ainda inexpressiva. Convivemos ainda, nesta sociedade, com a falta da sororidade, que é a discriminação da mulher feita pela própria mulher.
Triste realidade, mas a mulher ainda continua integrando um segmento “invisível” da população, pois não há um justo reconhecimento de sua efetiva participação no desenvolvimento da sociedade.
No Dia internacional da Mulher temos muito a comemorar mas ainda há muito pelo que lutar, para que realmente a mulher possa conquistar “um teto todo seu”.
Prof. Dra. Heloisa Helou Doca – Doutora em Letras e docente da Universidade de Marília.
Profa. Dra. Walkiria Martinez Heinrich Ferrer – Doutora em Educação e docente da Universidade de Marília.