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Cosmético à base de canabidiol pode ser o futuro do mercado de beleza

Reprodução/Freepik/boyarkinamarina cbd
Reprodução/Freepik/boyarkinamarina cbd


O óleo de canabidiol (CBD) já é reconhecido na medicina por suas propriedades potencialmente terapêuticas, mas agora também tem se destacado como um ingrediente promissor na indústria de beleza. Na gringa, marcas de peso já investiram no ativo em suas fórmulas, como a Kiehl’s, do Grupo L’oréal, e a Avon, da gigante brasileira Natura.

Em contato com a pele, o CBD possui efeito anestésico, analgésico, antipruriginoso (contra coceira), além de melhorar a cicatrização. Estudos mostram que o extrato também tem efeito antibactericida e pode diminuir a produção de sebo e de eritema (manchas vermelhas), bem como servir como complemento ao tratamento de acne, rosácea e vermelhidão.

O “canabidiol” acabou virando um nome quase que genérico para o óleo de Cannabis*. O CBD é uma das substâncias extraídas da planta popularmente conhecida como maconha. “A maconha é uma fonte para essa proteína, mas não é que a gente indica para as pessoas: ‘Fume um baseado’, não é isso. A ideia mesmo é o uso dessa substância [CBD], que pode ser extraída da planta ou fabricada em laboratório, justamente para ativar vias de imunorregulação no nosso corpo e aí diminuir a inflamação, a coceira, dependendo do quadro, diminuir o sebo da pele. Mas não é a maconha, é o CBD, que pode vir derivado da maconha”, explica o médico dermatologista Ivo Guterman.

Ele ainda reforça que o canabidiol não possui efeito psicoativo, visado pelo uso recreativo da planta. O responsável por essa sensação é o tetrahidrocanabinol (THC). José Manzi, diretor médico da Simples Cannabis**, pontua que ainda há confusão entre o uso da Cannabis para fim terapêutico e para fim recreativo/adulto. Para ilustrar a fala, ele cita como exemplo o uso da Cannabis para fins medicinais.

“Boa parte das pessoas acabam achando que, se fizer o uso do óleo de Cannabis, ela teria a sensação de ficar ‘chapada’. Tem medo de, por exemplo, dar para um idoso, alguém da família, porque a pessoa acha que teria alguma alteração comportamental importante. E na verdade, não é bem o caso. Boa parte dos tratamentos que usam o THC usam em dose baixa. O THC não é nenhum vilão também, é só que, de fato, ele é psicoativo e dependendo da dose, você pode ter esses efeitos mais eufóricos ou dar a sensação de estar ‘chapado'”.

“Existem muitas dermatites que a gente percebe que o estresse e a ansiedade pioram. Então, ele [o THC] vai trabalhar junto com o CBD para o controle dessa doença. A questão é a dosagem e como você vai administrar, por isso que precisa ter acompanhamento médico”, adiciona Ivo Guterman.

O CBD e o THC são exemplos de compostos chamados de “fitocanabinoides”. Outro termo conhecido no universo da Cannabis é o “cânhamo”, muito usado para se referir à versão da planta com níveis baixíssimos de THC. “Hoje, a nomenclatura correta do cânhamo seria para a planta que não produz fitocanabinoides em geral, seja o CBD, THC ou outros. Até então, a palavra correta era cânhamo para os que não produzem qualquer tipo de fitocanabinoide ou produzem muito pouco e que seriam úteis apenas construção, alimentação, remoção de carbono da atmosfera”, esclarece Leon Maas, sócio-fundador da Simples Cannabis.

No Brasil

Apesar dos benefícios associados ao uso do óleo de Cannabis, o acesso aos produtos no Brasil ainda é bastante restrito. Por meio da RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) nº 327, de 9 de dezembro de 2019, empresas podem receber autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a fabricação e a importação de produtos à base de Cannabis. A prescrição desses produtos pode ser feita por profissionais médicos, dentistas, nutricionistas e fisioterapeutas — recentemente, em junho deste ano, os biomédicos também passaram a integrar essa lista, desde que habilitados em “Medicina Tradicional Chinesa – Acupuntura”.

Mais tarde, a agência reguladora ainda aprovou a RDC nº 660, de 30 de março de 2022, que permite a importação de produtos derivados de Cannabis, desta vez, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado para tratamento de saúde. Essa importação também pode ser realizada pelo responsável ou procurador legal do paciente.

“Para importação e uso de produto derivado de Cannabis, os pacientes devem se cadastrar junto à Anvisa, por meio do Formulário para Importação e Uso de Produto derivado de Cannabis, disponível no Portal de Serviços do Governo Federal”, diz o documento. A aprovação do cadastro dependerá da avaliação da entidade e será comunicada ao paciente ou responsável legal por meio de autorização emitida pela agência.

Já para fins industriais, como é o caso dos cosméticos, o uso do óleo de Cannabis não é permitido no país. Por isso, a indústria nacional de beleza encontrou alternativas legais. Entenda mais a seguir!

Alternativas ao CBD

Antes de seguirmos para o próximo tópico, é importante mencionar que o corpo humano possui um “sistema endocanabinoide”, responsável pela regulação de uma série de funções fisiológicas, como controle da dor, apetite, sono, humor, além de auxiliar nos processos inflamatórios. Ele recebeu esse nome devido à sua interação com compostos semelhantes aos encontrados na Cannabis.

O sistema endocanabinoide é composto basicamente pelos: (1) endocanabinoides, compostos produzidos pelo organismo que agem em resposta a certos estímulos e atuam como mensageiros químicos ao se ligarem aos receptores CB1 e CB2; (2) receptores endocanabinoides, que se dividem em dois tipos principais, conhecidos como CB1 e CB2. Os receptores CB1 estão presentes, principalmente, no sistema nervoso central, enquanto os CB2 estão predominantemente localizados no sistema imunológico e em células periféricas.

A nossa pele também possui receptores endocanabinoides e daí o interesse da indústria de beleza em cosméticos à base de CBD. A ativação do sistema endocanabinoide por compostos externos, como os fitocanabinoides CBD e THC, presentes na Cannabis, também pode ter efeitos sobre as funções citadas mais acima. Vale salientar que os estudos sobre o tema ainda são bastante recentes, e os primeiros deles datam da década de 1980.

Segundo os especialistas ouvidos pelo iG , os fitocanabinoides podem, sim, ser encontrados em outras espécies na natureza, porém, em baixa concentração. Além deles, a Cannabis contém uma variedade de compostos químicos, incluindo terpenos e flavonoides. Os terpenos são os responsáveis pelo aroma e sabor da planta, além de possuírem propriedades terapêuticas. Por exemplo, o β-cariofileno possui propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes.

Já os flavonoides são compostos naturais presentes nas plantas e que lhes confere pigmentação, proteção contra radiação ultravioleta e resistência contra patógenos. Também têm caráter antioxidante e anti-inflamatório, e, por isso, tem potencial farmacológico.

Dito tudo isso, voltamos ao mercado de beleza brasileiro. Como o acesso ao óleo de Cannabis no país é restrito, a indústria de cosméticos encontrou um ingrediente similar que surge como um artifício a essa limitação e é proveniente de matéria-prima legal. Trata-se do CBA (Canabinnoid Active System), desenvolvido pela empresa Beraca, que em 2021 foi adquirida pela multinacional suíça Clariant.

Além de serem derivados de matérias-primas diferentes, o CBA não possui as mesmas propriedades fitocanabinoides que o CBD, mas, segundo nota enviada pela empresa ao iG , ele possui benefícios similares. Sua composição conta com um complexo de óleos naturais, como o óleo de copaíba da Amazônia, rico em β-cariofileno, que consegue estimular o sistema endocanabinóide da pele ao se ligar aos receptores CB2, e o óleo de semente de maracujá, que, por sua vez, é rico em ácido linoléico, conhecido por ajudar a melhorar a permeabilidade da pele aos ativos, aumentando a eficácia dos produtos.

Entre as marcas que apostaram em fórmulas com o CBA, estão a Lola Cosmetics, com a linha para cuidados capilares “Danos Vorazes”, a Haskell, com a linha também para cabelo “CBA Amazônico”, e a Fenzza Makeup, com uma coleção de makes que leva o nome do ingrediente.


Outro nome que você também pode encontrar nas prateleiras por aí é “CB2”, presente em rótulos como do Balm CB2 da Simple Organic. Além desse, a INTT Cosméticos também lançou a linha CB2 de lubrificante e gel estimulante com alto teor dos terpenos β-cariofileno e humuleno. As duas marcas investiram em ingredientes naturais extraídos de plantas da Amazônia; é válido ressaltar que não existe um ingrediente CB2, mas sim um complexo de moléculas que podem atuar no receptor CB2 do nosso corpo.

*Alguns estudiosos reconhecem três espécies de Cannabis: (1) Cannabis Sativa, que tem níveis mais baixos de CBD e mais altos de THC; (2) Cannabis Indica, com níveis mais altos de CBD e menos de THC; e (3) Cannabis Ruderalis, é a espécie menos estudada e conhecida entre as três. Geralmente, possui doses baixas de THC e quantidades maiores de CBD, que podem, porém, não serem suficientes para produzir algum efeito terapêutico.

**Simples Cannabis: empresa focada em facilitar a importação de medicamentos à base de Cannabis junto à Anvisa

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Fonte: Mulher