Pelo menos 7 mil pessoas já assinaram uma petição para que o Conselho Superior de Magistratura (CSM) e o Provedor de Justiça de Portugal divulguem manifestação sobre sentença do juiz Joaquim Neto de Moura que minimizou pena para um marido acusado de agressão doméstica com a justificativa de que a esposa traiou seu companheiro.
De acordo com o processo judicial, após a mulher terminar as duas relações – com o marido e o amante -, sofreu ameaças, ofensas, perseguição e violência física com um pedaço de madeira com pregos nas pontas. O documento traz a descrição de diversos ferimentos por todo o corpo, inclusive com corte no rosto que teve de ser suturado.
O texto da petição afirma que “a desigualdade e a subalternização das mulheres é uma realidade quotidiana da sociedade portuguesa. Mas não contávamos vê-la, assim, expressa de uma forma tão óbvia e tão indigna por parte de um órgão de soberania. Indigna para mulheres, indigna para homens”.
O acórdão assinado pelo juiz no dia 11 de outubro, afirma que a conduta dos agressores ocorreu em um contexto de adultério praticado por uma mulher e traz uma citação da Bíblia para justificar a violência cometida.
“Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, afirmou o juiz, na polêmica sentença.
O acórdão diz ainda que o adultério é uma conduta que a “sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher. Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido X cair em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o ato de agressão”.
Repúdio
Após a ampla divulgação da sentença, a sociedade civil e entidades de defesa dos direitos humanos mostraram preocupação com a legitimação e o incentivo de comportamentos violentos contra mulheres, usando como justificativas possíveis adultérios.
Entidades como a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e o próprio Conselho Superior de Magistratura vieram a público alertar sobre a necessidade de se respeitar os valores expressos na Constituição portuguesa.
O CSM, em nota, afirmou que a “obediência dos juízes à Constituição e à lei determina, necessariamente, que as sentenças dos tribunais devem espelhar essa fonte de legitimidade, realizando a justiça do caso concreto sem obediência ou expressão de posições ideológicas e filosóficas claramente contrastantes com o sentimento jurídico da sociedade em cada momento, expresso, em primeira linha, na Constituição e Leis da República, aqui se incluindo, tipicamente, os princípios da igualdade de gênero e da laicidade do Estado”.
A Amnistia Internacional Portugal, entidade de defesa dos direitos humanos, expressou, em nota divulgada no site, a preocupação “não só pela atuação dos juízes desembargadores ao arrepio dos preceitos legais e constitucionais, mas pelo espelhar de uma cultura e justiça promotora de misoginia, sem ter em conta os direitos das mulheres, e como recurso à compreensão da violência para vingar a honra e a ‘dignidade do homem’”.
O texto ressalta ainda que Portugal está vinculado não só aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais é parte, mas também às obrigações previstas na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Istambul.