Me esconjuro.

Você  é escritora?

Silêncio do lado de cá.

Escritora? Não,  não  posso ofender Marina Colasanti, Raquel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, seria muita presunção e falta de bom senso.

Respondo que não  possuo método, regra, rotina na escrita.

Escrevo porque sou atormentada pelas palavras e dizê-las não  é  suficiente. Eu preciso escrever.

E escrever, embora faça  parte de nossa vida e rotina, é  difícil demais.

Não  por conta do léxico, mas porque é  difícil expressar o que sentimos.

As palavras, muitas vezes, não  dão  conta da bagunça ou organização que estão aqui dentro.

Dos sentimentos que, para além do espírito,  da alma, tomam coração,  vísceras,  destroem o estômago,  seja pelo excesso de álcool ou de borboletas.

Geralmente as borboletas bebem um pouco do álcool.

Às vezes, nós  somos tão imensos, que nada dá  conta de expressar isso.

Como disse Djavan, nem que eu bebesse o mar encheria o que eu tenho de fundo, põe fundo nisso.

Não  há  alcance humano para um grande amor, seja ele romântico,  por um filho, uma mãe.

 Para a angústia que toma posse do Timo, causando-lhe dor e torcendo o coração.

Aquela tristeza do chumbo, que transforma os jardins suíços em páginas velhas de jornais acinzentados.

As palavras, por mais poderosas que sejam, não  alcançam com plenitude os sentimentos humanos.

Alguns escritores, os gênios selecionados por alguma divindade mais sensível,  chegam muito perto de nossa alma, sussurram aos nossos ouvidos o inenarrável.

Nos causam arrepios, nos contam os nossos segredos,  nos revelam nossas dores.

Conheci alguns escritores, esses que possuem livros lançados,  que comemoram o parto dos mesmos.

Escritor sempre parece um ser esquisito, à espreita, tentando perscrutar  as almas e os corações dos homens.

Esses seres não  são  muito confiáveis.

Você  considera que ele esteja sentado numa mesa de bar tomando sua cervejinha, macambúzio, distante da realidade.

E lá  está ele observando.

As mãos nervosas de quem o serve, o rapaz do outro lado ansioso esperando um encontro, a moça de shorts curto e justo que vira cabeças e acorda hormônios.

Há  pessoas que são  muito receosas com psicólogos,  eu sou com escritores.

Você  conversa, interage com um,  e pode se transformar num personagem de um livro ou ser o objeto de uma crônica.

Deus me livre de quem escreve. Não  entendem os próprios demônios, mas  tentam entender o dos outros.

Quanto a pergunta do meu interlocutor, manterei silêncio.

É  uma resposta que, por ora, não  me arrisco dar, enquanto não  revelar os segredos dos outros, nem contar o que nunca foi dito. .

Serei apenas a moça  que expulsa os próprios demônios e se mantém distante dos demônios dos outros.

 E se escreve.