O batom vermelho

Seu dia foi difícil, passou um batom vermelho ao sair de casa na expectativa de que a cor carmesim a fortalecesse.

Por inúmeras vezes sentiu que podia borrar o lábio.

O café, o riso, o choro preso, a angústia lancinante, o sorriso forçado.

Na verdade, não sabia de onde tirava forças para soltar o sorriso amargo, não sabia se de suas entranhas ou do gosto do café que foi passado logo pela manhãzinha.

Sorria como quem chora, o gosto amargo estava lá, o batom vermelho também.

Pôs o batom em sua bolsa assim que passou logo pela manhã, tinha certeza que iria precisar dele.

O vermelho tentava escapar pelos vincos da boca, formados com o andar de um tempo que não perdoa e que forma um código de barras por onde nenhuma cor demora.

Ela precisava daquilo.

Depois do torpor e da sensação de que estava sendo roubada de si mesma, bateu o cartão, mas antes retocou a boca que já estava ressecada da falta de água do esquecimento de um dia de trabalho.

Chegou a sua casa, encontrou seu marido no sofá, entregue ao cansaço e ao desânimo de sua condição, puxou sua camisa, apertou seu rosto e roubou um beijo.

Transferiu o vermelho, sem os limites da boca, com desenho incerto e cheio de desejo.

*mini conto publicado no livro Pequenos Contos Grandes Histórias da Editora Gráfica Heliópolis de minha autoria e assinado como Viviane Novaes.