Fui gerada no incômodo.
Minha mãe não sonhou minha vida, meu pai tampouco.
Possivelmente ele sonhou com um moleque que pudesse aprender jogar futebol ou que pudesse acompanhá-lo nas festas em que tocava sanfona e onde permanecia por semanas inteiras sem aparecer.
Tal qual a história repetida por Chico Buarque “ele assim como veio partiu não se sabe pra onde, e deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe, esperando, parada, pregada na pedra do porto, com seu único velho vestido cada dia mais curto”.
Partindo desse pressuposto, não poderia chegar à fase adulta agradando as pessoas, principalmente aquelas que não gostam do que eu sou.
Nasci mulher e isso pressupõe que se eu não performar feminilidade não agradarei socialmente, o fato de ter nascido mulher já é uma forma de desagradar o mundo.
Tenho orgulho de ser uma mulher que gera incômodo.
Em algum momento da vida já sentiram orgulho do que se tornaram? Ando nesse momento, não me sinto realizada financeiramente, tão pouco profissionalmente.
Mas me considero uma pessoa tão bacana, construí minha personalidade de forma que eu mesma consigo me admirar.
Sim, senhoras e senhores, sou uma mulher admirável. E não é pelo meu cabelo ondulado e cheiroso, pelo meu corpo curvilíneo, nem pelas bochechas à la Mariah Carey.
Mas porque sou corajosa, luto pelas minhas causas, defendo meus ideais.
Sou independente, não tenho medo da solidão e não nego minha sexualidade, me atrevo a dizer o que penso e sinto e utilizo minha honestidade em todas minhas relações.
Arrisco relações para não perder o que acredito ser minha essência e faço tudo isso, muitas vezes, com o choro entalado na garganta e outras tantas dividindo a tristeza com o travesseiro.
Mas sobrevivo sozinha às minhas dores, perdas, ao choro reprimido.
E escrevo para declarar amor por mim, pela minha história e assumir que tenho um respeito danado pelo que permiti que a vida me fizesse.
Não nasci para agradar, não fui desejada na concepção, nasci sem muita vontade de ter nascido.
Desde o nascimento tenho trabalhado minha história para que algumas repetições sofram interrupções, mas de uma coisa tenho certeza, estou condenada a ser um incômodo até os últimos dias de minha vida pois como disse Marcelo D2 “eu tô aqui pra incomodar”.
E como diz o pessoal da internet, se não fosse para incomodar, eu nem viria, no meu caso, nem teria nascido.