Qual é o papel do pai na saúde mental dos filhos? Essa é uma pergunta muito importante, sobretudo considerando alguns aspectos e dados. Segundo a Arpen-Brasil (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), com números obtidos a partir do Portal da Transparência do Registro Civil, na página de Pais Ausentes, só nos três primeiros meses de 2023, mais de 60 mil crianças foram registradas apenas com o nome da mãe no Brasil.
“Por fazermos parte de uma sociedade que ainda entende que a função de cuidadora é exclusiva da mulher, e que a responsabilidade do homem nesse aspecto é menor ou até mesmo inexistente, muitas vezes as conversas sobre paternidade partem da ausência em vez da presença. Temos dados que mostram o número de crianças sem o nome dos pais na certidão de nascimento, mas isso vai muito além. Não são raros os casos de crianças, jovens e adultos que têm o nome de seu pai nos documentos mas vivem o abandono paterno”, explica a psicanalista e CEO do Ipefem (Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), Ana Tomazelli.
A importância da presença paterna
A presença paterna é de grande importância para o desenvolvimento dos filhos – e para a saúde dos pais, também. O tema da paternidade ativa tem ganhado outra dimensão nos últimos anos, e o tema passou a ser incluído no PNAISH – Programa Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, do Ministério da Saúde, com iniciativas que visam estimular a participação no parto e nos cuidados básicos com o recém-nascido, fortalecendo esse vínculo desde o início.
“Falando de presença, e de uma presença positiva, respeitosa, acolhedora, os benefícios para pais e filhos são inúmeros. A paternidade ativa fortalece os vínculos afetivos e emocionais com os filhos, além de trazer mais significado para a vida do pai. É crucial reforçar que o pai tem papel tão importante quanto o da mãe na vida de um filho. Diversos estudos mostram que a presença paterna influencia diretamente no desenvolvimento cognitivo e social da criança. Além disso, influencia também na saúde mental da mãe. A presença do pai tem benefícios sistêmicos”, destaca Ana Tomazelli.
Já pelo lado da ausência, também há impactos na saúde mental. “A ausência paterna opera grandes impactos na vida de uma criança – lembrando que essa criança será um adulto, que também trará esses traumas e vazios. Muito se fala na “pãe”, que é a mãe que exerce algo do papel do pai para minimizar de alguma forma os desdobramentos emocionais nos filhos, mas pouco se diz sobre a carga emocional para a mulher e para a criança que vive esta situação. Hoje a sociedade avançou nos debates sobre família, maternidade e paternidade, sobretudo por conta dos formatos de família que vão além do que é “tradicional”, mas a paternidade versus a saúde mental das crianças ainda é um tema que precisa de muita conversa e aprofundamento”, destaca a especialista.
A especialista destaca que a ausência paterna tem raízes sociais e históricas no Brasil. “Países colonizados em geral, sobretudo de colonização de exploração, como o Brasil, são países fundados na violência contra os corpos femininos negros e indígenas, o que pautou a ausência paterna, nos filhos que nasciam sem pai conhecido. Ou seja, há uma linha histórica que dita tudo isso. Além disso, socialmente, os pais também, muitas vezes, viveram a incompetência paterna com seus próprios pais, sem demonstrações de afeto, sem diálogos e até mesmo com violência. Obviamente essa não é uma justificativa, não é uma desculpa, mas é como se o “ser pai” fosse ensinado através das gerações dessa forma”.
Ana destaca que essa é uma luta que deve ser proposta pelas gerações atuais, que ainda podem mudar o cenário. “O que digo é que alguma geração vai ter que tomar a decisão de interromper esse ciclo. Então, cada vez mais, é preciso haver um convite para a reflexão não só dos novos pais, mas dos que já são pais, e até pais mais velhos, para que repensem sobre esse contexto e rompam com essa forma de paternar”.
Dados do relatório “Situação da Paternidade no Brasil” apontam que 82% dos pais brasileiros concordam que fariam tudo o que fosse necessário para estarem muito envolvidos com o cuidado do filho recém-nascido ou adotado nas primeiras semanas, mas 68% deles não tiraram sequer a licença-paternidade de cinco dias prevista por lei após o nascimento ou a adoção dos seus filhos. Outro estudo, “Atitudes globais em relação à igualdade de gênero”, aponta que um quarto da população brasileira acredita que homens que ficam em casa para cuidar dos filhos são “menos homens”.
“Infelizmente, vivemos em uma sociedade onde a ausência paterna é naturalizada. Ao assumirem o papel de cuidadores, muitos homens entram em conflito emocional, pois acreditam estar desempenhando um papel que não é deles. E isso tem consequências na criação das crianças. Uma paternidade saudável tem muito a oferecer na formação de um filho. Portanto, os pais precisam assumir que criar a criança é uma tarefa dividida por igual, e que a presença é fundamental, bem como o diálogo com os filhos e a comunicação assertiva. Como diz o provérbio africano, “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”, e a boa experiência dessa criança na sociedade, nessa aldeia, nessa comunidade começa no seu núcleo familiar”, finaliza a psicanalista.
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Fonte: Mulher