Carrego pessoas em mim.
Faz dois anos que caminho a quatro pés.
Levanto o meu direito, levanto outro direito, o esquerdo e a mesma coisa.
Faz dois anos que carrego o meu peso e o peso de outro.
Abaixo sozinha, mas levanto acompanhada. Não necessito de uma academia para fazer agachamentos.
Assim como não preciso de uma quadra de tênis para fazer o movimento do tenista.
São dois anos de movimentos repetitivos, rotina repetitiva.
Vejo o outro aprendendo a andar e aprendo junto. Percebo o esforço para movimentar um braço, o ombro e me esforço junto para não confundir o meu corpo com o de outra pessoa.
O esforço para levantar da cama, o esforço para deitar nela.
A vontade imensa de se fazer entender e as únicas palavras que saem é um audível “ laladu” intermitente e constante.
Noto também a frustração quando há inúmeras tentativas em dizer algo mas ninguém, por mais que tente, entenda.
Muitas vezes tratamos o outro como gostaríamos de ser tratado, e esse “ eu gostaria de ser tratado” faz toda diferença.
Dar o seu melhor, muitas vezes, não é suficiente para o outro, você está no seu limite, mas para o outro, talvez, seja só uma amostra de um pequeno esforço.
Tendemos a medir o que outras pessoas querem com a nossa régua. Se eu gosto disso, ele também gostará. Se eu faço isso e aprecio, é claro que ela vai apreciar também.
Muitas vezes no cuidado com outras pessoas tendemos a confundir o nosso eu com o dele. Considerando que o que me agrada com certeza vai agradar outra pessoa.
Quando temos alguém cheio de fragilidades e somos o suporte dessa pessoa pensamos que temos a solução para todas as suas dores.
Não temos solução para as nossas, imagina a dos outros.
Uma pessoa doente e que não tem a fala como suporte usa outros meios para se comunicar, minha mãe usa todo seu rosto para mostrar o que lhe apraz ou o que a desagrada.
Me vejo aprendendo a ler pessoas, a analisar para além das palavras ou até mesmo dos comportamentos.
Leio rostos ora felizes, ora tristes, olhares cismados, bocas baixas. Mãos apreensivas, pés que desejam a fuga.
Leio a desaprovação e o contentamento nos semblantes, o cansaço, o pedido de desistência.
Não somente em minha mãe, que é a pessoa que observo vinte e quatro horas, nas cuidadoras que se revezam em minha casa, nos meus colegas de trabalho, nas pessoas que interajo para além da casa / trabalho.
Nós não andamos muito felizes, há mais pessoas cabisbaixas, destruídas, do que felizes.
Carregar o peso de outra pessoa nos permite olhar duas vezes para os outros , tocá-los com quatro mãos, senti-los com dois corações.
Talvez esteja cansada porque carrego o cansaço, o corpo, o sonho, a frustração de duas pessoas.
Faz dois anos que não vejo só o que meus olhos me permitem, aprendi andar, a sentir, a amar diferente.
Peso por dois e revivo por duas.
Faz dois anos…