Ossos de vidro.

Vida, vai com calma que a santa é de barro.

Então, minha querida Amélie, você  não possui ossos de vidro, você pode suportar os baques da vida.

Assim disse o personagem Raymond Dufayel no filme O Fabuloso destino de Amélie Poulain.

Frase essa que fiz questão de tatuar no próprio corpo para recordar-me o quanto sou forte.

Aliás, analisando bem minhas tatuagens, percebo que o tempo todo tento me provar isso.

Não quero desistir da vida.

Luto incessantemente para estar viva e para assim permanecer.

Estar viva não possui correlação com o ato de respirar, inspira, expira, órgãos funcionando em bom estado (alguns nem tão bom assim) ou somente um ato declaratório.

É sentir a vida com todos os entraves que ela nos coloca, utilizando todas as filosofias e religiões possíveis para estruturar esse esqueleto.

Combina-se Cristianismo, Budismo, Umbanda, vamos de sincretismo para o convencimento de que viver vale à pena.

Que a impermanência (Budismo) é muito semelhante ao “choro pode durar uma noite inteira, mas a alegria vem ao amanhecer” (Cristianismo).

Que os Orixás, que regem as forças da natureza e trazem tempestade, também providenciam a calmaria.

É o convencimento constante de que nós não quebraremos.

Que o risco ainda compensa, e o atrevimento pode trazer coisas boas.

A novidade pode assustar no início, contudo, logo veremos que é a vida se rearranjando.

As mudanças causam incômodo, no entanto, a vida não é água parada.

É mar, sacoleja, bate, puxa para o fundo, joga para fora.

Não espere calmaria, mesmo que essa seja a busca o tempo todo.

Eu mesmíssima queria mar calmo ininterruptamente.

Não me venha com “mar calmo, não faz bom marinheiro”, não quero, nem nunca quis, ser marinheira. 

Queria a marola mesmo, a brisa, o som calmante.

Mas como todos sabemos, querer não é poder.

Utilizamos subterfúgios para não enlouquecermos, não nos entregarmos, não nos abatermos.

E tal qual a personagem Amélie, alguns dias enfiamos a mão num saco de grãos, sentindo toda a delícia do tato e das pequenas grandes coisas.

No outro, tentamos não encarar a realidade, tal qual a mesma Amélie.

Não há como passar a vida só com a parte boa, o sol nasce para todos, a chuva cai sem distinção.

Há os que apreciam dias de sol e céu anil, outros, meu caso, chuva e céu gris.

A vida não virá com calma, nem para mim, para a Raquel e   nem para o Paulo.

Ela virá tal qual ela é, tirando seu lugar mais gostoso.

Zona de conforto só conhece aqueles que partiram, há controvérsias, e os que não nasceram ainda.

Está gostosinho? Feito sofá, cobertor e brigadeiro num dia frio?

Perderá o sofá, cobertor, o brigadeiro, todos eles.

Rogo incessantemente à vida para que me dê mar calmo, que meus ossos não sejam postos à prova.

Bullshit!

Não parece que ela se importe com meus clamores.

Turrona que sou, não me faço de rogada.

Quando me lança ao mar bravio, percebo que meus ossos não se quebram.

Faço charme, como somente uma filha de Iemanjá é capaz e nado lindamente.

Se meus ossos não se quebram no impacto com a água, percebo que Amélie não é a única que suporta os baques da vida.