Do ponto de vista biológico, estou no meio da minha idade reprodutiva, que vai dos 18 aos 49 anos, período em que as pessoas decidem se querem ter filhos, sejam eles biológicos, adotivos e até os de coração – aqueles que não escolhemos, mas acolhemos.
No entanto, socialmente falando, isso significa que estou há cerca de 10 anos em meio a comentários públicos, sugestões e julgamentos sobre minha fertilidade. Desde os questionamentos da minha mãe sobre os netos e até as representações de mulheres desesperadas na mídia, é uma realidade difícil de evitar.
No filme “Separados pelo casamento ” (2006), estrelado por Jennifer Aniston e Vince Vaughn há uma cena em que a personagem de Jennifer Aniston, Brooke, está participando de um jantar em família com o personagem de Vince Vaughn, Gary. Durante o jantar, surge uma conversa em que Brooke é questionada diretamente sobre seus planos de ter filhos, o que leva a uma troca estranha e desconfortável – Gary não fica constrangido, os olhares estão atentos à fala da Brooke. O holofote e o microfone são passados para a mulher no momento que ela não quer importunação, mas infelizmente não temos escolha, o assunto privado vira público.
Desde os meus 25 anos, tenho sido perseguida por anúncios on-line que prometem monitorar minha ovulação, confirmar uma gravidez ou fornecer informações sobre o congelamento de óvulos. E quanto ao aspecto masculino? Por que nenhum dos meus amigos ou parceiros anteriores enfrentou essa mesma expectativa? Eu nunca fui a um jantar onde é perguntado sobre a contagem dos homens, mas sobre a minha contagem… já perdi as contas.
No Livro “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir”, a maternidade é a maior e mais inquestionável das obrigações impostas à mulher. O útero é o destino da mulher; a maternidade é o seu absoluto; a própria natureza o exige dela. No entanto, é preciso perguntar se a natureza dita verdadeiramente esse papel para a mulher, se ela o faz por livre e espontânea vontade, ou se é coagida a desempenhá-lo.”
De acordo com pesquisa global da Bayer, apoiada pela Febrasgo e TANCO, um número crescente de mulheres rejeita a maternidade. No Brasil, 37% delas resistem às pressões sociais e culturais para ter filhos, desafiando o relógio biológico e o estereótipo de feminilidade. Como mulher, é importante falar sobre a necessidade de garantir que as decisões relacionadas à fertilidade sejam tomadas de forma autônoma e livre de influências religiosas ou do Estado. Embora a ciência e a tecnologia tenham possibilitado novas opções para a fertilidade, ainda há muitas questões éticas e jurídicas em jogo.
Um número crescente de empresas tem oferecido benefícios ligados à fertilidade, como o congelamento de óvulos e a fertilização in vitro, como forma de investir na saúde e qualidade de vida de seus colaboradores. Isso é um passo positivo, porque permite que mais pessoas tenham acesso a esses tratamentos, que muitas vezes são caros e não são cobertos por convênios médicos.
No entanto, é preciso ter em mente que essas opções de fertilidade devem ser tomadas com cuidado e consideração, levando em conta questões éticas e problemáticas jurídicas. Por exemplo, a escolha do sexo do bebê tem sido um tema cada vez mais discutido, com médicos e pacientes chegando aos tribunais para resolver questões de ética e legalidade – se a mulher tem direito à informação, porque negar?
No que diz respeito à questão da divulgação do gênero do embrião, enquanto alguns profissionais médicos oferecem a opção de escolha, outros optam por não compartilhar essa informação com os futuros pais, alegando limites éticos. No entanto, qual é o posicionamento legal sobre esses casos?
Em janeiro de 2023, apesar do argumento apresentado pelos pais, os desembargadores da 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) não se convenceram e rejeitaram o pedido. O desembargador do caso considerou que a questão em discussão não estava relacionada à legislação brasileira de proteção de dados. De acordo com o magistrado, a finalidade da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é preservar os direitos de liberdade e privacidade, e não garantir acesso indiscriminado a qualquer tipo de informação – para ele, a mulher saber o sexo do bebê que vai gerar é algo indiscrimiado.
O desembargador lembrou que embora o acesso à informação seja um direito consagrado da Constituição, ele está longe de ser absoluto por haver outros valores e bens constitucionalmente reconhecidos que poderiam ser gravemente afetados pelo mau uso do direito à informação – então foi entendido que a mulher que deseja saber o sexo do bebê está fazendo mal uso da informação, mas será?
Para mim, que defendo o Direito das Mulheres e autonomia de decisão e para uma outra centena de mulheres em tratamento de fertilidade, há influência religiosa na decisão – é como se fosse colocado um limite que delimita até onde a ciência pode ir nos “afazeres de Deus”. A concepção de bebês por via médica (FIV, por exemplo) pode ser feita, e vem sendo, há mais de 30 anos, mas escolher o sexo do bebê, não.
A dualidade em torno do tema e a posição de órgãos como o Conselho Federal de Medicina ainda permitem uma maior autonomia do médico na divulgação ou não da informação. Mas é importante que essa questão seja revista, à medida que mais pessoas procuram esse tipo de tratamento. No que diz respeito à questão da divulgação do gênero do embrião, enquanto alguns profissionais médicos oferecem a opção de escolha, outros optam por não compartilhar essa informação com os futuros pais, alegando limites éticos.
De acordo com o entendimento jurídico atual, apesar da decisão do magistrado no caso citado anteriormente, o profissional médico tem a obrigação de fornecer todas as informações relevantes à pessoa que está contratando seus serviços. Isso significa que, se o médico tiver conhecimento do gênero do embrião, ele é obrigado a revelar essa informação ao paciente, independentemente de ter sido questionado ou não, durante a consulta.
A indicação que damos, nos atendimentos na Forum Hub, startup jurídica que oferece serviços jurídicos online, é perguntar ao médico ainda na primeira consulta, se depois da análise embriológica ele passa ou não a informação sobre o sexo do bebê – mais que uma briga no judicário o poder da informação pode solucionar a equação. Em caso de negativa, indicamos buscar outro médico (a), e assim alinhar o pedido.
Esse é um jeito muito simples de resumir umas das necessidades dos casais e principalmente das mulheres sobre paradigmas da gravidez, mas que abre um portal de poder de decisão e Direitos. O Direito no Brasil é de quem exerce, e o exercício só é possível com a distribuição do conhecimento, e por isso que sigo nessa trajetória para aumentar a possibilidade de escolha.
No livro “Feminismo para os 99%”, de Nancy Fraser, Tithi Bhattacharya e Cinzia Arruzza: “Os direitos reprodutivos não são simplesmente o direito de decidir ter um filho. São o direito de ter acesso a cuidados de saúde sexual e reprodutiva adequados, incluindo contraceptivos e aborto legal e seguro, e o direito de criar filhos em condições de dignidade e segurança econômica.”
Enquanto a ciência avança, proporcionando avanços médicos e tecnológicos que permitem opções como o congelamento de óvulos e técnicas de reprodução assistida, as crenças religiosas muitas vezes impõem limitações e restrições baseadas em dogmas. Ao reconhecer e respeitar a autonomia e o direito das mulheres de decidirem sobre sua própria fertilidade, podemos promover uma sociedade mais igualitária, em que cada indivíduo possa traçar seu próprio caminho, livre de influências religiosas que possam restringir suas opções e escolhas pessoais. A emancipação das mulheres em relação à sua fertilidade é um passo crucial para a busca da equidade de gênero e o exercício pleno dos direitos reprodutivos.
Fonte: Mulher