Os bares estavam abarrotados, quem quisesse pegar um lugarzinho precisaria chegar cedo.
Estava um frisson só, parecia que todas as pessoas resolveram sair de casa naquele dia.
Não era uma sexta ou sábado, já havia passado há muito os horários pré estabelecidos para o happy hour.
As pessoas comemoravam como se fosse final de copa do mundo, como se um gol da seleção acabasse de ocorrer.
Se beijavam, se abraçavam, se cheiravam, se tocavam sem medo, sem receios.
Se lambiam, trocavam seus fluidos, o cigarro podia ser tragado por outra boca que não a sua, aquele “dá um gole aí” já não soava como ofensivo.
As pessoas respiravam, a cidade respirava, o mundo respirava.
O medo retornara para os porões, para as UTIs, os laboratórios.
Deixara de imperar comandos: lave as mãos assim e assim e assado, distância de tantos metros, não toque, não espirre, não morra, não mate.
Tal qual a cegueira branca descrita por Saramago, como chegou, foi embora. Levando consigo vidas, amores, paixões, esperanças.
Mostrando que a espécie mais perigosa é a humana. Os países infectados perderam vidas e ganhou vida, rios mais limpos, menos poluição.
Descobrimos o óbvio, a vida é breve, delicada e não tem hora marcada para acabar, a morte existe e está perto.
Os bares não estão cheios, os beijos estão escassos, os contatos humanos rareados.
Mas estamos planejando quando iremos novamente sentar num bar, beijar bocas, trocar saliva.
Quando iremos oferecer a bebida para o outro dar uma bicada.
Nós, que em nossas redes sociais defendíamos cada dia mais o isolamento, uma noite de pipoca e netflix sem contato humano.
Estamos torcendo para que a normalidade de nossas vidinhas entediantes e chatas volte a imperar.
Onde o isolamento social seja uma escolha e não um imperativo.
Onde possamos escolher se pegamos ou soltamos a mão de alguém.
Ninguém solta a mão de ninguém. Estamos soltando.