O economista Edward Glaeser, um dos grandes pensadores do urbanismo da atualidade, discorre, em seu livro “O triunfo da cidade” sobre como o contato próximo entre pessoas nas áreas urbanas melhora – ou piora – as características da espécie humana. Entre vários pontos relevantes, ele defende que a verticalização e o adensamento são benéficos para o meio ambiente, e que o espraiamento das cidades prejudica essencialmente a população mais pobre, comprometendo, também, a riqueza da troca entre diferentes comunidades.
Glaeser esclarece que, durante décadas, as cidades desenvolveram regras e condições que favorecem os insiders – moradores tradicionais, interessados na manutenção do status quo e na valorização dos seus imóveis; em detrimento dos outsiders – novos residentes, interessados em moradia acessível, novas alternativas de trabalho, consumo e espaços urbanos.
Os chamados insiders costumam atuar através da força de associações de moradores, que contestam as atividades do setor imobiliário; um exemplo disso é a mobilização contra o surgimento de novos empreendimentos, o que poderia significar o adensamento populacional de um bairro ou de determinada área. Sendo assim, a vizinhança utiliza instrumentos e/ou argumentos jurídicos para defender suas alegações, restringindo as atividades do setor imobiliário.
Já o segundo grupo, os outsiders, forma-se com o objetivo de defender a instalação de novos empreendimentos em bairros consolidados. Esse seria o exemplo, por exemplo, de construtoras e incorporadoras que aprovam determinado projeto para desenvolver prédios de pequenos apartamentos em bairros cuja predominância são grandes casas. Esta atuação é pautada pela legislação urbanística das cidades, planos diretores e afins.
NIMBY (“not in my backyard” ou “não no meu quintal”) é uma expressão utilizada para descrever uma oposição genérica a projetos de adensamento habitacional e comercial em determinadas regiões das cidades – ou seja, a atuação dos insiders. O fenômeno NYMBY representa uma vizinhança consolidada que resiste aos que pretendem residir no mesmo local ou instalar novos negócios naquela determinada região.
A expressão NIMBY foi utilizada, pela primeira vez, na década de 1970, como o nome de um movimento de oposição para a implantação de usinas nucleares que ocorreria principalmente em regiões como Seabrook, New Hampshire e Midland, em Michigan e novas fábricas próximas à cidade de Berkeley, Califórnia. Por isso, na época, a expressão ficou intimamente ligada a movimentos comunitários de moradores de média e baixa renda que queriam evitar as instalações de armazéns para produtos químicos e contaminantes perigosos próximo de suas casas.
A partir da década de 1980, o movimento NIMBY passou a identificar a ação conjunta de residentes de uma determinada região que teriam o poder de se unir de maneira organizada para protestar contra os novos empreendimentos em seus bairros. Estes protestos incluíam deste a exclusão de áreas para novas escolas e hospitais, que geram grande volume de trânsito de carros demandam novas áreas para estacionamentos, até novos residenciais para famílias de baixa renda, evitando assim uma oferta residencial que, aos olhos desta comunidade, poderiam decrescer o valor de venda das suas próprias casas. O perfil dos integrantes era formado, em geral, por americanos mais idosos, de raça branca e de maior poder aquisitivo.
Já o movimento YIMBY (“yes in my backyard” ou “sim, no meu quintal”) é mais recente e começou a tomar força a partir da década de 2010, nos Estados Unidos. São Francisco, na California, é famosa por ser um dos municípios americanos com o custo de aluguel mais caro do País. A cidade não tem conseguido, ao longo dos anos, construir moradias com a mesma velocidade com que a oferta de empregos tem crescido, e por isso é difícil para as pessoas encontrarem imóveis disponíveis a preços mais acessíveis. É neste contexto que surge o movimento YIMBY – como solução para um determinado aspecto da crise habitacional. A ideia seria combater o zoneamento excludente, onde pessoas mais influentes detém o poder de manter ou afastar determinadas comunidades dentro do raio de influência de determinado bairro.
Como resultado do movimento, a legislação da California foi modificada em 2021, acabando com o zoneamento unifamiliar (que permitia apenas a edificação de uma residência por parcela de terra). Esta ação permitirá que 2.2 milhões de novas moradias sejam erguidas no Estado. Antes disso, em 2018, Minneapolis, em Minnesota, liberou a construção de unidades duplex e triplex em pontos da cidade aonde anteriormente apenas casas unifamiliares eram permitidas.
Da California, o movimento se expandiu para outras cidades americanas e para outros Países, entre eles Canadá, Reino Unido, Polônia e França. “No Brasil, há várias pessoas se identificando com a causa do YIMBY, formando grupos que estão começando a ter impacto nas discussões sobre os municípios e sobre urbanismo. São jovens de diversas áreas que não concordam com a visão dos NIMBYs e vêm combatendo as suas ações através do humor e de argumentos sólidos”, assinala o empresário do setor imobiliário e turístico e coordenador do grupo Somos Cidade, Felipe Cavalcante.
Nas grandes cidades brasileiras as causas e origens dos problemas urbanos são diferenciadas, mas problemas como falta de residências, inacessibilidade habitacional e gentrificação são comuns e universais. O problema é que existem regulações e movimentos contra as moradias multifamiliares que acabam muitas vezes provocando o aparecimento de bairros excludentes, ao invés de promover o crescimento da malha urbana. Isto, em países emergentes, evidencia o tamanho da crise de moradia das grandes cidades.
O advogado e criador da “São Paulo YIMBY” Guilherme Pereira argumenta que, em geral, nos debates, quem se opõe a algo consegue cativar e reunir pessoas de modo mais fácil do que aqueles que são favoráveis à mesma iniciativa. Para ele, “os NIMBYS conseguem uma influência maior na imprensa, com políticos e com a sociedade civil, o que afeta diretamente o desenvolvimento urbano e outas políticas públicas”. Pereira questiona, ainda, que se deve refletir sobre se a maneira com a qual a problemática do zoneamento nas cidades brasileiras é discutida tem realmente relação com a melhor perspectiva para a população e para quem mais necessita ou se leva mais em conta a pressão considerável dos grupos mais organizados.
A vizinhança é tema sensível, em se tratando da vida das nossas comunidades. É possível que os vizinhos tenham uma considerável afinidade, é possível também que se manifestem muitas diferenças entre eles. Esta á uma realidade indiscutível na sociedade atual, ainda mais intensa quando a convivência é próxima e compartilhada, como obviamente é o caso da vida nas nossas grandes cidades.
O diálogo entre os dois grupos, NIMBY e os YINBY é difícil. De um lado, a alegação de que se deve pensar na cidade como um todo, e não em pequenos bairros ou zonas urbanas. Do outro lado, a falta de conhecimento da sociedade civil sobre urbanismo e sobre como certas decisões afetam toda uma região metropolitana. Em todos os aspectos, cresce a importância do debate de todos, inclusive nas esferas acadêmica, jurídica e política, sobre as questões que abordam o futuro das nossas idades. Os interesses particulares são legítimos, mas não podem impor grandes custos à sociedade, como um todo.
No caso de Brasilia, agora põe-se em jogo a discussão do PPCUB, ou o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico. É o instrumento regulatório que reúne todas as condições de ordenação do Conjunto Urbanístico de Brasilia, em sintonia com as normas de preservação, em uma cidade tombada e inscrita como Patrimonio da Humanidade pela Unesco. A área de abrangência do PPCUB inclui o Plano Piloto, Cruzeiro, Candangolândia, Sudoeste, Noroeste, Octogonal e SIG.
Em Brasilia já tivemos manifestações diversas, que historicamente se mostraram mais próximas do conceito “not in my backyard” do que propriamente justificáveis; como, por exemplo, atos contra as estações de metrô da Asa Sul; contra a ponte JK; contra a construção do Hospital Sarah Kubitschek do Lago Norte; contra o bairro Noroeste inteiro, contra a implantação do VLT. Manifestações que, com o tempo, se mostraram mais pictóricas, exaltadas e infundadas do que relevantes – mas que alimentaram protestos inflamados.
É este o momento para se deixar de lado as pautas subjetivas, e se discutir seriamente o futuro da nossa cidade – em especial, discutir as alternativas apresentadas e suas viabilidades. Entender basicamente que devemos manter a garantia do direito à cidade, com o olhar dentro da realidade, a projeção para o futuro e o entendimento de que os benefícios têm que ser amplos e gerais.
O cidadão tem o direito de se manifestar, mesmo quando sua manifestação reflete o interesse individual ou quando lança mão de uma eloquência não técnica para sustentar suas posições. O problema, em um assunto tão sério, é quando o comportamento NIMBY disfarça em si a defesa de privilégios sem contrapartidas públicas, ou representa palavras de ordem que serão nocivas para as cidades. A cidade ganha quando os cidadãos percebem e compreendem os interesses em jogo, contribuindo para que as decisões possam envolver bons rumos para a coletividade.
Afinal, sabemos que é muito mais fácil criticar do que propor soluções, e alguns argumentos, como perda do valor afetivo das áreas urbanas, desrespeito ao patrimônio cultural, perturbação sonora, desconfiguração dos bairros e comprometimento do modo de vida dos habitantes muitas vezes caem em extremismos negativos, sem se olhar o todo e sem criar possibilidade de debater novos padrões. A discussão se torna simplista e envolve a oposição a qualquer custo à mudança e ao não engessamento da cidade. Nesse arranjo, a narrativa NIMBY é sedutora e oportuna. Olhar além desta armadilha pressupõe um caminho difícil, mas rico, porque o cidadão passa a compreender melhor a cidade e a entender que o urbanismo não é uma ciência exata. Decisões sobre a cidade devem estar amparadas em evidências, e podem convergir para algo que contribua de maneira concreta para a melhoria de vida de todos.
Não dá para escapar do caráter conflituoso das cidades. Cidades são construídas a partir de projetos urbanos multidisciplinares. Existe a resistência à mudança, ou seja, uma tendência a conservar as comunidades inalteradas, em se manter o que já existe. No entanto, o abuso por parte destes contestadores aos novos projetos e às novas propostas deve ser combatido, porque, na maioria das vezes, quem paga as conta são as verdadeiras causas sociais e ambientais.
As disputas são normais, mas a busca deve sempre ser no sentido de proteger os interesses coletivos de maneira a conciliar a produção do espaço urbano, a participação popular e a democracia.
* Duda Almeida é arquiteta e urbanista especializada em Desenho de Arquitetura Assistido por Computador pela UnB, com curso em Gestão de Projetos pela FGV e Mestre na área de concentração Urbanismo – Cidade e Habitação. Atualmente é sócia-proprietária do escritório Reis Arquitetura aqui na capital, mas já atuou como docente nas áreas de Teoria e História e Projeto de Arquitetura e Urbanismo e está se aventurando como autora de livros, tendo lançado recentemente a obra Desenho Urbano e Envelhecimento Populacional
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Fonte: Nacional