Eram quase seis horas da tarde quando um grito de “fogo” iniciou um tumulto dentro do Cine Oberdan.
O dia 10 de abril de 1938, pouco mais de nove anos após a inauguração do espaço, ficou marcado como data de uma das maiores tragédias envolvendo crianças na história de São Paulo. O resultado do boato de incêndio , que até hoje não teve origem confirmada, foi a morte de 32 pessoas, 31 delas menores de idade.
O Cine Oberdan, localizado no bairro do Brás, tinha capacidade para cerca de 700 pessoas e exibia uma sessão matinê de “Criminosos do Ar”, um filme norte-americano de ação, no momento em que o tumulto foi iniciado.
As narrativas do gerente do local e do operador da película, que foram replicadas em diversos jornais da época , desenhavam uma cena de pânico e desespero por um incêndio que não estava ocorrendo.
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Segundo investigações policiais, parte do público correu em direção a uma porta de ferro que estava fechada. As crianças morreram pisoteadas e sufocadas contra o espaço.
“De súbito se originou entre a criançada verdadeiro pânico. Que todos ao mesmo tempo o procuravam ganhar a porta principal , formando-se, então, violento tumulto entre os espectadores”, disse a ocorrência policial exposta no jornal Folha da Noite três dias após o ocorrido.
Apenas uma das vítimas , identificada como Maria Pereira, era maior de idade. Ela tinha 45 anos e morreu tentando salvar a filha, Joana, com menos de um ano de idade. A bebê sobreviveu.
As vítimas mais novas foram identificadas como Armando Vavá e Pedro Pricoli, ambos tinham oito anos . Pedro morreu junto ao irmão, Walter, de 12 anos. Os dois tinham ido ao cinema com o irmão mais velho, José, de 16 anos, que sobreviveu.
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A morte de Pedro e a reação do irmão José foi detalhadamente narrada pelo Correio Paulistano, que chegou a entrevistar o pai do menino no velório dos filhos.
“Escoadas, completamente, as galerias, e não vendo os seus irmãos entre os presentes, José dirigiu-se às escadas e, passando sobre mortos e feridos, num dos degraus encontrou Pedro já sem vida. Carregou-o para a rua e, vendo a primeira ambulância chegar àquelle instante, nella entrou, conduzindo o corpo do pequeno”, afirmou a publicação.
Luto
No ano da tragédia, São Paulo já era a maior cidade do Brasil, com 1,03 milhão de habitantes. O luto foi vivido de forma intensa na cidade, com registro de multidões nos velórios das vítimas realizados no Cemitério do Brás, onde foram sepultadas 20 das vítimas; Cemitério da Penha, com 6 sepultamentos; Cemitério do Araçá, com três enterros e Cemitério de Itaquera, com dois velórios.
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A notícia gerou comoção mundial, com recebimento de telegramas com a solidariedade de países como Itália, Cuba e Peru. Três dias de luto oficial foram decretados pela força pública de segurança da cidade.
Na ocasião, até mesmo os operários , força motriz da economia na cidade, foram convidados a enviar comissões para os velórios das vítimas.
Medidas após a tragédia
Após a tragédia, o governo brasileiro determinou que escolas de todo país realizassem treinamentos de incêndio e trabalhassem com alunos dicas sobre como reagir a momentos de pânico como os registrados no cinema.
O motivo dos treinamentos, de acordo com o Diário Oficial da época, era ajudar as crianças a ver um “modo de se encarar um perigo dessa natureza”.
Em Pernambuco, a exibição de filmes de aventura ou drama foram proibidos em matinês por falta de espaços adequados.
Apesar das denúncias de falta de iluminação e de comando dos responsáveis pelo cinema na hora do tumulto, o local reabriu um mês e uma semana após a tragédia, anunciando três filmes em sequência nos jornais da época.
Investigações do crime
O culpado direto do caso nunca foi preso. Por muito tempo, a polícia trabalhou com as hipóteses de que o grito tenha sido dado por brincadeira de uma das crianças presentes. A reportagem do Correio Paulistano, narrou que um jornal parcialmente queimado foi encontrado em uma das cabines de banheiro do cinema.
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“Junto a elle [o jornal queimado] estava uma calça de menino, e a suposição creada é a de que esse pequeno tivesse estado ali, firmando, e tivesse queimado o jornal proposital ou accidentalmente. Teria sido essa a fumaça que toldou a tela, justamente quando na fita o avião se incendiou”, afirmou a publicação.
Local da tragédia ainda existe
Após ser reaberto, o Cine Oberdan funcionou até o fim da década de 1960 transmitindo filmes para o público. Ele foi fechado, vendido e tornou-se uma loja de confecção de roupas que funciona como comércio até hoje no Brás.
Apesar da mudança extrema na Rua Firmino Whitake, popular ponto de comércio no bairro, o antigo Cine Oberdan mantém a estrutura física. Confira, abaixo, comparação entre foto da época de funcionamento do cinema e do ano de 2019: