Prestes a se tornar o decano do Supremo Tribunal Federal (STF) , o ministro Gilmar Mendes afirmou nesta terça-feira (29), ao analisar o atual sistema presidencial brasileiro, que o país “naturalizou” o instrumento do impeachment e que é preciso “zelar para que o remédio não mate o doente” .
— Nós naturalizamos de alguma forma o impeachment, tornando-se quase que equivalente a um voto de desconfiança. [Se] o presidente perdeu as condições de governabilidade, logo a solução é a interrupção de seu mandato”, disse Gilmar.
A fala do ministro do Supremo foi proferida durante o debate “Justiça e Democracia — A visão da Justiça, do Ministério Público e da Advocacia”, promovido pelo site Conjur, com a participação do procurador-geral da República Augusto Aras e do advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ex-presidente do Conselho Federal da OAB .
No debate, Gilmar afirmou considerar que a banalização do impeachment como consequência da perda de apoio político no Congresso deveria levar a uma reflexão e um diálogo sobre o que classificou de “aparente presidencialismo imperial” no Brasil. O ministro observou que há “uma presença muito forte do Congresso em questões vitais”.
— Esse debate que agora se faz a respeito desse chamado ‘orçamento secreto’, as emendas impositivas, tudo isso indica uma participação do Parlamento muito efetiva em questões de gestão. Considerando a instabilidade que marca o nosso presidencialismo pós 88 não seria o caso de mantermos sim o regime presidial mas com um outro perfil, em que presidente tivesse talvez um poder de moderação? — pontuou.
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Para o ministro, é preciso “discutir de fato a mudança e a adequação do sistema de governo. Contra ninguém, mas em prol um aperfeiçoamento do sistema, um jogo às claras, para não afetar nenhum mandato que esteja em curso. É uma construção tem que ser feita com a continuidade do aperfeiçoamento do sistema político eleitoral”.
O ministro também pontuou que “aqui também a gente tem que adotar o voto de desconfiança construtivo. Só se derruba um governo colocando outro no lugar. Porque, do contrário, corremos o risco de repetir aquilo que foi a tragédia de Weimar, o que leva ao colapso da democracia. Temos que zelar para que o remédio não mate o doente”.
Durante a conversa, o ministro ainda comentou os desafios que o modelo democrático enfrenta em todo o mundo e disse que o episódio em que apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump invadiram o Capitólio, em janeiro deste ano, foi “chocante”.
— Nós vimos a democracia americana, tão sólida, passar por momentos que talvez disséssemos que fossem adequados a Repúblicas menores da América Latina . O episódio do Capitólio é chocante e mostra como grupo pretensamente democráticos se aferram a determinadas abordagens para, pelo menos, causar tumulto. Ninguém imagina que aquele tipo de manifestação iria resultar na manutenção do poder de Trump em detrimento de Biden . Foi uma realidade muito chocante para as democracias em todo o mundo — afirmou.