O que vimos na sexta-feira (04/03), com o ex-presidente Lula sendo conduzido para depor coercitivamente – sem que tivesse sido intimado e sem tempo de se negar a colaborar com a justiça –, desvela em tempo real uma encarniçada briga pelo poder.

A luta jurídica revelou o que de fato é: não se trata de uma disputa de “escolas”, interpretações da lei, em que argumentos contrários são confrontados a fim de se saber qual é a verificação de direito que melhor se adequa à realidade. Em verdade, trata-se de uma briga pelo poder.

Nesse miolo, a luta pelo direito também se esvai, a contar as ações legislativas da Bancada BBB – liderada pelo setor financeiro, especulativo –, e basta-nos verificar que diariamente se esfacela o Estado Laico.

O processo civilizatório ameaça recuar a patamares do tempo da senzala: setores da oposição querem modificar a legislação que combate a exploração do trabalho escravo ou análogo, conduzindo a um relaxamento das atuais regras punitivas.

Há projetos no Congresso Nacional para mudar, inclusive, o Código Penal. A recusa em transformar o racismo em crime hediondo é um marco, um ícone da burguesia nacional que se agarra a velhos padrões de sua origem de classe.

Ainda neste miolo, a mídia incendeia a classe média indecisa, por sua natureza, a adotar um discurso de ódio social e racista. A classe média só se aproxima do conjunto dos trabalhadores quando lhe convém.

Neste cenário político, só a classe média não percebe o que está em jogo. De certa forma era de se esperar, porque, sempre que a economia vai mal, os medianos tornam-se reacionários. Este é um fenômeno histórico e global. Porém, aqui, temos ainda o componente racial herdado da escravidão nunca resolvida.

De volta à briga pelo poder, observa-se que os embates entre PT e PSDB – desde as eleições de 2014 – não são meras contendas partidárias. Há projetos político-sociais e de grupos/classes em oposição, mas que são excludentes entre si.

O que (re)afirma o antagonismo, como missão de aniquilar os polos em divergência e eliminar os inimigos. A contenção de Lula, no aeroporto, tinha esse objetivo. As reações que se seguiram alardeavam o barril de pólvora: guerra civil, para alguns; reação de Golpe Militar, para outros.

Para usar de uma expressão clássica, assistimos a uma fase mais aguda na politização da luta de classes. Descontados os entreveros entre partidários dos dois lados, ainda estamos no campo da luta político-jurídica.

Todavia, se Lula for preso, como se ensaiou na semana passada, o resultado pode ser o crescimento da violência política, na forma da guerra civil – avaliam outros tantos. Quer dizer que sairíamos do campo da coerção jurídica (direito) para a ação política violenta e sem controle. O MST ameaçava ocupar as rodovias do país todo.

De certo modo, os operadores da prisão avaliaram este cenário – ante a presença massiva de populares e ativistas no aeroporto –, pois recuaram de sua intenção de embarcar Lula para Curitiba (sede da Lava Jato).

Outro sinal de que entenderam o recado da luta de classes surgiu na intenção de moverem Ação Civil de Improbidade Administrativa, porque assim Lula estaria impedido de disputar o pleito de 2018.

A Lava Jato já estaria prejudicada pelo cometimento de “abuso de poder”, no julgamento antecipado de vários ministros do STF. Portanto, por enquanto, parecem retornar ao campo jurídico, ao invés de insistir na coerção (prisão).

De todo modo, a briga pelo controle do Estado – que perpassa pela instrumentalização do Judiciário – opõe grupos de poder hegemônicos e representativos do grande capital (financeiro, especialmente) e do capital nacional.

Ocorre que esses grupos, apesar de hegemônicos, estão momentaneamente apartados do manuseio do Poder Político e seu desconforto vem com a perda de privilégios antigos. Sem contar a vaidade ou a meagalomania de políticos profissionais derrotados nas urnas, há projetos de governo absolutamente incompatíveis.

De um lado, a privatização em larga escala (a Petrobrás fatiada pela americana Chevron), por exemplo; em contraposição aos programas sociais reformistas, como previsto na tributação de grandes fortunas.

Estima-se que, tributando só os cem mil maiores declarantes de Imposto de Renda, haveria recursos equivalentes aos direitos trabalhistas rebaixados já em 2014.

Assim, o que se convencionou denominar de “golpes institucionais” refletem anseios, visões de mundo e práticas societais opostas, antagônicas e excludentes entre as várias classes sociais e os grupos políticos que compõem a sociedade brasileira.

Some-se ainda: “pautas bombas”, trancamento da pauta do Congresso, projetos de impeachment pela oposição. São evidentes os componentes de luta de classes.

Vinício Carrilho Martinez (Dr.) – Professor da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

Marcos Del Roio – Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília