O direito é dialético? Para muitos, o direito expressa apenas o poder de quem comanda o jogo. Tanto é assim que comandantes geram antidireito, ou seja, privilégios para si e remédios jurídicos amargos para os inimigos do poder.
Em todo caso, também cabem ressalvas a esse modelo interpretativo: a Declaração Universal dos Direitos Humanos; a metamorfose dos direitos individuais, desde 1215, em direitos individuais homogêneos coroando milhões de pessoas.
Contudo, nessa dinâmica “progressista” não há dialética. Mesmo que se diga que o sagrado direito à propriedade não mais se apresentou como direito fundamental depois de 1948, em nenhum documento da ONU, o direito não rompeu a barreira do capital.
No plano nacional aberto em 2016, violou-se irrecuperavelmente o que separava o direito do poder a descoberto. A somatória entre Estado de Direito, Constituição e democracia não mais existe.
O processo do impeachment, construído sob o tema “conjunto da obra”, seria suficiente para ver como o direito serve aos “donos do poder”. Porém, fatiar a pena constitucional – por ato de misericórdia, humanitarismo – foi a consagração de que é uma Constituição de Papel (Lassale).
Mas, dado que o afastamento já tem o selo da Ditadura Inconstitucional, resta-nos ver o que vem pela frente. Para os trabalhadores, menos direitos; para os corruptos, a segurança jurídica de que não serão julgados fora de seus mandatos; para o capital virão muitos patos de ouro, diretamente da Avenida Paulista.
E, se é certo que todo “mas” congrega um “mais”, haverá mais ameaças às instituições republicanas. A violação constitucional revela que não há abrigo para ninguém: a inamovibilidade de juízes e de ministros do STF, descontentes com o poder, já está na alça de mira.
Aliás, como bem postado no plano de poder proposto, “o negociado deve se sobrepor ao legislado”. E isto não acomete apenas à classe trabalhadora; pois, na única regra incomensurável da lógica jurídica, “quem pode o mais (impeachment), pode o menos”.
Por exemplo, far-se-á exegese constitucional restritiva para afastar um juiz específico[1], sem que haja excomunhão do próprio texto constitucional. Enfim, como doravante qualquer interpretação inconstitucional será admitida, a inamovibilidade poderá permanecer como decoração. Mas, sem eficácia, será indecoro.
Em verdade, nisto que inauguramos e que assombra o mundo[2], o legal e o legítimo são serviçais pragmáticos da pior fase fascista aposta ao Estado de Direito. Antes, o fascismo era um poder nu (Einstein), agora se cobre com pelegos: o “manu militari[3]” foi metamorfoseado em exorcismo inconstitucional e antidemocrático.
Como o cobertor é pequeno para todos, salvo os já acobertados, os regimentos internos do Senado e da Câmara Federal provar-se-ão inúmeras vezes mais fortes do que a Constituição.
Mas (mais), ainda espero que alguém prove o “conjunto da obra” como tipo legal. Posso estar enganado, mas (mais) ainda não vi nenhum “operador do antidireito” sustentar esta base legal.
Gostaria muito. Até porque preciso fechar meu relatório de pesquisa de pós-doutorado em Ciências Políticas e viria feito luva para exemplificar a Ditadura Inconstitucional.
Afinal, entramos com tudo na era do Exorcismo Pragmático Constitucional.
[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1809137-cassacao-cria-precedente-gravissimo-e-ameaca-ministros-do-stf-diz-cardozo.shtml.
[2]http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/45117/golpe+de+estado+estava+anunciado+ha+tempos+diz+mujica+sobre+impeachment+de+dilma.shtml.
[3]http://paranaportal.uol.com.br/politica/passageiro-e-detido-pela-pf-por-hostilizar-senadora-no-aeroporto-de-curitiba/.