Desde 2005 tenho as estruturas e as entranhas do golpe institucional como objeto de pesquisa acadêmica. O resultado contabiliza uma dissertação de Mestrado em Direito (tema: Estado de não-Direito/2005), uma tese de Doutorado em Ciências Sociais (tema: A ilegitimidade do Estado de Exceção/2011), dois livros (Estado Capitalista; Estado de não-Direito) e um pós-doutorado. O outro está no meio-fio, a meio caminho.

Aqui chegamos ao ponto, faz dois meses que não avanço absolutamente em nada na pesquisa e no relatório desse segundo pós-doutorado em Ciência Política. Ocorre que, o objetivo dessa última pesquisa é formalizar os interstícios do conceito do Estado de Exceção, incorrendo nos desdobramentos tipológicos trazidos pela história política mundial; ao menos no principal.

Pois bem, com o golpe que se conflagra atualmente em nosso país, o objeto se apoderou das minhas energias, sinto-me um combatente produzindo panfletos, gritos de ordem de insurreição ao golpe, mas nada de científico.

Se serve de consolo, e não há nada que nos console neste momento, é a descoberta de que emplacamos uma modalidade nova de Estado de Exceção: Ditadura Constitucional. O Fascismo Institucional se ajusta como luva no Golpe Judicial, no reino da cultura da torpeza. Também poderia ser um bom título para o objeto mais abjeto da vida civil e pública de um povo.

Em todo caso, nunca me pareceu mais clara a afirmação de Bourdieu: “A luta científica é uma luta armada” (2004, p. 32). Se observarmos que iniciei essa investigação, com outro nome, outra roupagem, em 2005 e que, hoje, chego a visualizar a Ditadura Constitucional que nos apossou – com advogados coagidos para delatarem clientes – e que tudo se passa sob o codinome da exceção da exceção, em que a mentira institucional traveste-se de Fonte Geradora do Direito (impeachment), então, visualizo que a luta pela ciência (social/jurídica) é uma luta armada pelo poder de dizer o certo e o errado – e de converter o errado no certo.

Sinto-me reconhecido pelo objeto da investigação, especialmente porque fui capaz de visualizar a materialidade do tema e de tratá-lo com realismo. O mesmo realismo político que recobre o impeachment está na definição do meu tema.

Não é pessimismo, é realismo, porque a primeira tarefa de quem investe na Ciência Política, tanto quanto na Ciência do Direito e nas demais ciências que imbricam no realismo político institucional e cotidiano, é reconhecer a realidade empírica do objeto de pesquisa. Daí virá sua validação, com a mesma racionalidade que se aplica a todo e qualquer objeto investigado pelas ciências naturais ou matemáticas.

Ainda é possível dizer que a relação entre ciência e política é a mesma que se mantem nas bases da Ciência Política, ou seja, o poder que se revela em cada descoberta ou clareamento científico.

Desta revelação – para o sociólogo Max Weber tratava-se de “vocação” – decorre, obviamente, outra forma de abordar a realidade e, portanto, de se inquirir o próprio poder que aprisiona a ciência mantida sob a neutralidade e a “racionalidade pura”.

Também vemos que não há epistemologia (nomologia para o direito) fora desta absoluta relação entre conhecimento científico e política. Todo conhecimento científico “desnaturaliza a realidade”, abre-a ao espectador, desmistifica a ideologia (diria o pensador Karl Marx).

Com isto, somos obrigados a tomar partido. Tomar o partido da ciência (não-neutra e muito menos imune ao entorno); sobretudo, a fim de que desvele o obscurantismo das relações de poder que há em cada sentença ou cânone científico.

Toda descoberta científica, portanto, seja em Ciência Política, seja na ciência que se fertiliza de substrato político – e por mais exata que seja: vide Copérnico, Galileu, Bacon e Darwin –, implica em resistência. Uma resistência do establishment do poder ou uma resistência às verdades aludidas por esse mesmo poder.

Trata-se de uma luta armada, de quem se arma de argumentos. Desse modo também se transforma a informação em conhecimento. Enfim, mais do que jurista ou sociólogo, posso dizer sem galhofa que sou um cientista que amadureceu com seu objeto de pesquisa.

Bibliografia
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo, Editora UNESP, 2004.