Independentemente do que ocorrer no domingo – com aprovação ou não do impeachment da Presidência da República – vamos sofrer muito na condição social e econômica. Além disso, juridicamente, já enfrentamos um retrocesso sem precedentes.

Com a mitigação já enfrentada nos direitos individuais, trabalhistas e coletivos, a pauta do Congresso Nacional ainda tem 55 emendas que farão a Constituição Federal de 1988 ruir totalmente. Sob esse aspecto, equivaleria ao AI-5 (Ato Institucional no 5) editado no pós-Golpe Militar de 1964.

O que não se reconhecerá, a partir de então, é a própria ideia de Estado Democrático de Direito, e como nos acostumamos até o presente momento. Restará uma capa, fumaça, e olhe lá, das instituições primárias do Estado de Direito.

O Estado de Direito deve se fundamentar no direito constitucional: “Em todo governo, disse, tem que haver algo fundamental, semelhante à Carta Magna[1], permanente, invariável” (Heller, 1998, p. 178 – grifos nossos)[2].

Mas, o que é Estado de Direito? Na leitura clássica, que remonta aos séculos XIX-XX, pode-se aventar que seja uma fórmula jurídica que contempla três institutos elementares e fundacionais: divisão dos poderes, império da lei, prevalência dos direitos fundamentais.

Império da Lei: quer dizer que a lei deve ser imposta a todos, a começar do Estado – o Estado tem personalidade jurídica e por isso é objeto do Direito que ele próprio produz;

–  Separação dos Poderes: significa que o Poder Executivo não pode anular o Poder Legislativo, além do que deve ser acompanhado e julgado pelo Poder Judiciário – trata-se de assegurar a interdependência dos poderes por meio da aplicação do sistema de freios e contrapesos;

Prevalência dos Direitos Individuais Fundamentais: refere-se notadamente aos direitos individuais, até os anos 20 do século XX, porque somente nesse período é que entraram em cena os direitos sociais e coletivos.

Nos anos de 1970, na Espanha e em Portugal, floresceu o codinome Estado de Direito Social, ou seja, uma adjetivação de conteúdo para um Direito que não seria indiferente às demandas da sociedade. Sem dúvida, um marco foi a chamada Revolução dos Cravos, em Portugal. Como se vê, não seria uma construção teórica ou retórica de acadêmicos ou de juristas, uma vez que responderia à desconstrução tardia do Estado Fascista. Neste caso, seria uma fórmula jurídica preenchida de poder social.

Porém, se acreditarmos, como faz a maioria dos juristas, que o Estado de Direito é o sumo pontífice da realização do Poder Político – numa contemplação hegeliana de que esta forma-Estado é superior às determinações econômicas, de classes sociais –, então, é mesmo uma fórmula vazia a ser preenchida de acordo com os interesses políticos prevalecentes.

No ambiente de reconstrução do Poder Político, da normativa constitucional e da democracia, o esforço se revelou concentrado no pós-Segunda Grande Guerra. No sentido mais liberal da discussão, Denis Rosenfield (1992, p. 32), comentando o livro Qual Socialismo, de Bobbio (2002b), sintetiza as regras do jogo da seguinte maneira: “…regras estas que se caracterizam pela rotatividade do poder, pelo sufrágio universal, pelo respeito às decisões da maioria, pela defesa dos direitos da minoria…” (grifos nossos).

Essas regras democráticas, por sua vez, obedecem aos preceitos mais caros do Princípio Democrático: “princípio democrático que, nos termos da Constituição, há de constituir uma democracia representativa e participativa, pluralista, e que seja a garantia geral da vigência e eficácia dos direitos fundamentais (art. 1º)” (Silva, 1991, p. 108).

Bibliografia

AGASSIZ, Almeida Filho. Prefácio. IN : VERDÚ, Pablo Lucas. A luta pelo Estado de Direito. Rio de Janeiro : Forense, 2007.

BOBBIO, Norberto. Entre duas Repúblicas: às origens da democracia italiana. Brasília : Editora Universidade de Brasília : São Paulo : Imprensa Oficial do Estado, 2001.
_______ Diálogo sobre a república: os grandes temas da política e da cidadania. Rio de Janeiro : Campus, 2002.
______. Qual socialismo? São Paulo: Paz e Terra, 2002b.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª Edição. Lisboa-Portugal : Almedina, s/d.

HELLER, Hermann. Teoría del Estado. 2ª ed. México : Fondo de Cultura Económica, 1998.

ROSENFIELD, Denis. A ética na política: venturas e desventuras brasileiras. São Paulo: Brasiliense, 1992.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

VERDÚ, Pablo Lucas. A luta pelo Estado de Direito. Rio de Janeiro : Forense, 2007.

[1] Atualizando-se o debate, pode-se dizer que, historicamente, o direito moderno é resultado da luta política e, neste sentido, sempre houve judicialização da política. A conquista de direitos pelo povo implica na contenção do Poder Político – e vice-versa – e a politização do Judiciário é por demais óbvia, uma vez que não há poder – a começar do Poder Judiciário – em que não se manifestem vivamente os interesses políticos.

[2] Heller empresta a citação de Jellinek (2000).