É verdade que não há escolha moral entre o certo e o errado, porque dever-se-ia sempre escolher o certo: o melhor e não o pior. A tese do “quanto pior, melhor” é furada; pois, quanto pior, pior será.

Escolher entre fatos errados provoca uma dúvida imoral que, por sua vez, leva a outra dívida imoral ou inconfessável. Então, só há dúvida moral entre escolhas “corretas”.

Por exemplo, sabe-se que é certo fugir da enchente indo para a direita ou para a esquerda – mas, qual dos dois caminhos é o mais seguro? Quando é legítimo se defender? 

No hebraico, o dito correto é “não cometerás assassinato” e não o popularmente consagrado “não matarás”. Na dúvida entre escolher salvar a vida da mãe ou do bebê, o médico não tem dúvida moral: sacrifica o bebê para salvar a mãe. 

Assim, ainda que tivesse uma dúvida moral, esta estaria presente na escolha de só poder fazer o bem a um dos dois entes, dadas as circunstâncias em que não pode patrocinar o bem a ambos. 

Esta lógica deveria ser a mesma diante da condição política. Se víssemos o Político desse modo, como oriundo de Pólis, da convivialidade humana diante do poder, e não apenas na forma mesquinha da briga pelo poder.

A verdade que está no Político é a essência da condição humana. A corrupção, o apodrecimento dessa verdade, é a prática de quem atua com impulso de vaidade, capacidade de angariar recursos ou poder capaz de influenciar benefícios diretos. 

Portanto, o que se vê na luta pelo poder em Brasília – mas não somente lá – é que uma dúvida moral é, apenas, uma dívida imoral. Pois, se a escolha está entre o certo e o errado, é porque já se escolheu o lado errado ou o modo errado de se fazer as coisas. 

Também pode-se dizer que a tal dúvida imoral estaria entre escolher os meios errados – menos danosos ou mais eficientes – para se fazer a coisa certa. Muitos dizem que este é o dilema dos que têm o poder para decidir as coisas do Estado.

Neste sentido, opera-se pela exceção dos sentidos e das práticas políticas aceitáveis; e, sendo esta a regra, a corrupção da política subverte todas as regras legítimas em prol de um interesse particular e escuso. No fim das contas, a exceção (corrupção) já se tornou a regra instalada no cerne da política.

Portanto, a dúvida imoral se mantém e se converte, novamente, em dívida moral. Uma vez que se escolheu o errado – ou entre errados – para que, supostamente, fizesse-se o bem ou o certo. Afinal, não é difícil concluir que não se chega ao bem fazendo-se o Mal. 

A verdadeira dúvida moral (e não “i”moral) – e que não acarreta uma dívida moral, quando se coloca a escolha pelo Mal ou “entre-errados” –, em primeiro plano, estaria entre as opções colocadas por dois males: “o menor dos males”. Isto é posto na inevitabilidade de que um Mal se verifique: morrer afogado ou de fome depois de fugir da enchente? 

Posta desse modo, a escolha entre dois males para financiar um bem, qual seja, a escolha do “bem maior”, permanece a mesma. O bem não virá do Mal praticado: não há sobreviventes na enchente, pois ou se morre afogado ou de fome. E toda vez que se reduz a política a esses termos é porque nunca se colocou a dúvida entre dois bens; estando sempre limitada a dois males. 

A cultura brasileira transformou a política nacional, estadual ou municipal (ou grupal) na mais clássica das dúvidas imorais: “roubar de João ou de Maria?” – ou de ambos e de terceiros também? Esta dívida imoral é paga por todos nós.

O malefício sempre esteve em primeiro plano e o que o fizemos foi, tentar, arrumar uma justificativa para o Mal e que sempre foi planejado com muita antecedência. Por isso, na condução da política brasileira, a dúvida imoral sempre foi simples: “que uso do Mal acarretará menos mal a nós que operamos em total dúvida imoral?”. 

Daí nossa eterna dívida imoral, nos inúmeros (des)caminhos do poder, em qualquer de suas instâncias. Pois, tanto dentro quanto fora do poder, replica-se a máxima da dúvida imoral: “A ocasião faz o ladrão”.

Porém, faz mesmo a ocasião do sorrateiro? Apenas para os que sempre tiveram a certeza de que têm, diante de si, tão-somente a dúvida imoral de escolher entre dois caminhos errados. E esta é a cultura da exceção à regra que habita a alma do homo brasilis. Repetimos em casa, nas ruas, que a regra é para os tolos.