A universidade pública no Brasil nasceu na década de 1930. Foi iniciativa das elites econômicas e destinada a servir aos interesses diretos e imediatos destas mesmas elites. A universidade pública, contudo, não se acomodou nesta posição de reprodução planejada do sistema social que lhe deu origem. Em poucos anos ela transcendeu papéis que lhe foram delegados pelos sujeitos e entusiastas da urbanização e da industrialização acelerada e promovida com intenso aporte de recursos públicos e da ação administrativa dos governos federal e estaduais.
A insubordinação intelectual custou caro às nossas insituições universitárias. Já em 1935 fora criada, e logo fechada pelo governo Vargas, a Universidade do Distrito Federal, sob inspiração e a direção liberal e reformista de Anísio Teixeira. A Universidade de São Paulo sobreviveu, graças à autoconfiança dos líderes do complexo cafeeiro paulista em domesticar a instituição criada por eles para servir àquele. Sob a ditadura militar instaurada em 1964, as universidades brasileiras foram duramente atingidas.
A Universidade de Brasília foi, de cara, completamente desmantelada. Em 1969, houve a aposentadoria compulsória de inúmeros professores, entre outros danos irreparáveis às ciências e à cultura, em diferentes instituições universitárias. Os governos civis, a partir de 1985, seguiram martelando a educação pública, básica e superior, na expectativa de engatá-la em projetos predatórios e opressores de crescimento econômico.
A perseverança do idealismo humanista republicano nas instituições de educação pública frente aos interesses do mercado, despertou a ira de agentes da suposta modernização educacional no Brasil. Inicialmente sob a bandeira do chamado empreendedorismo, da inovação, da sustentabilidade… Estes generosos e utilitários instrumentos da educação liberal reafirmaram os próprios fundamentos desta: escola pública, gratuita, laica, crítica, universal, liberdade de expressão. Enfim, fortaleceu o reconhecimento da educação como direito do cidadão.
A perversidade e a persistência da concentração de renda, da cultura e do poder na sociedade brasileira e o egoísmo do nosso empresariado, rural ou urbanizado, fizeram com que aqueles instrumentos de atualização e de incremento da economia liberal na Europa, no Japão, nos EUA, naufragassem aqui, antes mesmo de içar velas e que deixassem o porto de partida. Os mais afoitos logo sairam em busca de armas eficazes na consecução de interesses imediatos e particularistas.
Surgiram projetos inspirados no controle e no dirigismo na educação básica e superior. E foi desfraldado um estandarte antiliberal e antidemocrático por execelência, estampado “Escola sem partido”. Foi preciso que, em fins de 2018, expoentes do nosso liberalismo conservador, como o prefeito de Salvador, ACM Neto, alertassem para a improcedência de tal ideia e a incompatibilidade dos meios com os fins a que se propunha.
Sepultadas na terra, a ideia e as intenções do tal “Escola sem partido” buscam a encarnação pelo céu. O assédio religioso à educação pública tornou-se a nova frente de ataque – e também da resistência – aos fundamentos humanista e republicano da educação liberal. Tomou impulso com a introdução de ensino religioso nas escolas públicas e força a porta com o ensino do chamado Criacionismo. A nova ofensiva, recorre ao controle direto do Ministério da Educação e de gestores pouco educados ou afeitos à educação.
O alvo permanece o mesmo: o pensamento livre e crítico na educação pública. Diante do fracasso de expurgá-lo pela vigilância, a denúncia e a intimidação na realização do trabalho pedagógico e administrativo, ataca-se, então, as balizas do rigor intelectual e acadêmico, mediante a consideração de fatos e de hipóteses anti-científicas, de índole valorativa, carregadas de estigmas e de preconceitos sociais, culturais, políticos e mesmo religiosos.
A tentativa de subjugação e de controle social pela supressão da diversidade, da liberdade de expressão e de opinião, de metodologias de conhecimento, de ensino e de aprendizagem, de ações afirmativas, revela a incontinência autoritária na promoção de lucros e da domesticação da sociedade brasileira. A desqualificação induzida da educação pública, de seus professores, gestores e estudantes, de equipamentos e instalações, trazem à luz a secular crueldade e mesquinharia dos senhores de engenho da dor. As moendas de almas e dos corpos, de corações e mentes, são por eles, insistentemente, acionadas.
A torpeza transbordou e erradiou-se na declaração de um senador da República, entusiasta do embrutecimento que vai ocupando o cotidiano da vida escolar no Brasil.