Há três anos, os agentes de saúde sumiram e o clínico-geral deixou de fazer as visitas mensais à comunidade do quilombo Barro Branco, em Belo Jardim, no agreste pernambucano. Consequência de um conflito territorial entre o município e o vizinho São Bento do Una, a medida causou transtornos para os moradores. Com a pandemia de Covid-19 , a ausência do serviço de saúde multiplicou a angústia das 80 famílias quilombolas. Mesmo assim, nenhum dos municípios assumiu a tarefa de oferecer assistência médica.
Curiosamente, se o assunto fosse educação, é possível que a prefeitura de Belo Jardim se prontifique a identificar e sanar problemas. Mas quando questionada a respeito da assistência em saúde, o posicionamento é de que o quilombo não faz parte da cidade e que pertence ao município de São Bento do Una, já que as terras quilombolas ficam localizadas exatamente na divisa entre as duas cidades.
Essas informações foram dadas pela própria prefeitura de Belo Jardim em notas distintas das secretarias de Saúde e Educação. Pouco antes, a liderança e vice-presidenta da associação de moradores do quilombo, Elaine Lima, já havia alertado sobre a realidade de desassistência: “Não temos estrutura básica. Há três anos tiraram a agente de saúde que nos acompanhava e, com isso, o médico clínico geral que fazia visitas mensais também parou de vir. Quando a gente vai na prefeitura reivindicar, eles dizem que não somos mais do município”.
De acordo com a certificação da Fundação Palmares, dada ao quilombo Barro Branco em 2010, a comunidade está localizada de fato em São Bento do Una. Mas as relações políticas e de assistência desta população giram todas em torno de Belo Jardim e nenhuma decisão para sanar de vez essa contradição foi tomada efetivamente pelos dois municípios.
Belo Jardim argumenta em nota que a agente de saúde foi tirada da comunidade em resposta a um ofício feito por São Bento do Una solicitando a “retirada da agente das terras deles”. Contudo, na nota há diversos registros de ações feitas pela prefeitura no quilombo. Ações que comprovam um vínculo estabelecido entre população e poder público. Já a secretaria de Educação informa que há uma obra em processo de licitação destinada à única escola existente na comunidade. Ou seja, se a obra na escola for construída por Belo Jardim, os moradores entendem que estão sob jurisdição desse município.
Entre uma dificuldade e outra, a população quilombola segue sem saber em qual espaço reivindicar soluções para diversos problemas.
Elaine conta que a situação tomou uma proporção maior com a pandemia da Covid-19, porque a população tem dificuldades de fechar as entradas do quilombo, como orienta a Coordenação Estadual de Articulação de Comunidades Quilombolas de Pernambuco (CEACQ) para a restrição do acesso de não moradores às comunidades. O espaço do quilombo não está claramente delimitado, tem um histórico de invasões por parte de fazendeiros locais e está rodeado de outras comunidades.
“As pessoas não são quilombolas, mas moram por aqui e têm bares. É um entra e sai de gente e o que mais me deixa aflita é não poder fechar a comunidade e se proteger. Tivemos que ir até a prefeitura, no centro de Belo Jardim, para pedir que a campanha de vacinação contra a gripe chegasse em Barro Branco.”, acrescenta Elaine. No primeiro contato da reportagem com o quilombo, há duas semanas, a liderança comentou que havia acabado de levar uma pessoa da comunidade para ser socorrida no Recife. Felizmente, o caso não foi confirmado como covid-19.
Belo Jardim tem até escola em obras
A obra em licitação citada pela prefeitura de Belo Jardim é da Escola Municipal Maria Bezerra e Renovato, a única existente no quilombo e que dá conta apenas de estudantes que estão no Ensino Fundamental I. Lá, as aulas têm que ser suspensas nos períodos de chuva, porque o telhado já não dá conta do recado. A unidade escolar é recente, foi construída há dois anos. Em nota, Belo Jardim diz que tem aproveitado o período de pandemia para visitar as escolas do município e “implementar pequenas reformas”.
Estudantes do Ensino Fundamental II do quilombo Barro Branco estão matriculados em São Bento do Una, na Escola Municipal Manoel Rodrigues. Já os do Ensino Médio saem da comunidade e vão até Belo Jardim para ter aulas. Questionada sobre a possibilidade da oferta para o Ensino Fundamental II dentro do quilombo, a prefeitura afirma se comprometer “a buscar formas de sanar essa dificuldade encontrada”, mas lembra que o poder público oferece transporte para levar estes estudantes também para a rede de Belo Jardim.
A oferta para o Ensino Médio fica a cargo do governo estadual.
Sem água, agricultores têm apoio de ONG
O Centro Diocesano de Apoio ao Pequeno Produtor (Cedapp), que tem sede em Pesqueira, dá assessoria e assistência técnica aos agricultores do quilombo Barro Branco. Há nove anos, realiza o trabalho de fortalecimento associativo, gerenciamento dos recursos naturais disponíveis no local e incentivo à geração de renda junto à comunidade. Ao todo, são 40 famílias quilombolas associadas que mantém plantações diversificadas e criações de animais de pequeno porte. Isso voltado primeiramente para a subsistência. A necessidade da fome é urgente, já que nem as cestas básicas da Fundação Palmares tem chegado ao local há mais de um ano.
“A dificuldade maior é a da falta de água lá no quilombo. As famílias só conseguem produzir em tempos de chuva. Estamos incentivando a criação de caprinos no momento, já que elas criam muitos suínos.”, explica o técnico de referência do Cedapp responsável pela comunidade, Leandro dos Santos Silva.
Segundo o centro, sete famílias associadas faltam receber cisternas para uso humano. A organização não tem um levantamento sobre cisternas voltadas para a agricultura, mas atenta para o fato de que a falta de abastecimento d’água é um grande percalço para a geração de renda. Barro Branco participa da feira da Agricultura Familiar de Belo Jardim, mas não tem condições de participar de programas de aquisição de alimentos porque a falta de água dificulta a regularidade e constância da produção.
Por meio de articulação do Cedapp, o quilombo foi contemplado com um projeto que vai construir uma sede para a associação. Atualmente, há um “Espaço Sagrado”, como chama a liderança Elaine Lima, que fica impossibilitado de acolher as reuniões e os momentos coletivos da população quilombola quando o período de chuvas chega. “Tudo o que é nosso, todas as nossas reuniões e e encontros acontecem debaixo dessa tenda”.
A reportagem da Marco Zero também procurou a secretaria de Cultura de Belo Jardim para coletar respostas sobre quais medidas serão tomadas para estruturar o espaço que tem significado cultural e político para Barro Branco. Em nota, a pasta afirma que entrará em contato Elaine e “estudará a melhor forma de atender as necessidades da Comunidade Remanescente Quilombo Barro Branco”. Ainda, acrescenta que não pode “dar um prazo” para solucionar, apenas quando for feita a “diagnose”.
A nota da área Cultura sequer mencionou uma suposta indefinição territorial.
Organização política e conflitos
Acompanhando a comunidade nos últimos dois anos, Leandro dos Santos Silva fala que Barro Branco é marcado por antigos conflitos de terra e invasões que consequentemente levaram a falta de delimitação sobre o território quilombola. Elaine Lima fala que há uma dificuldade ainda muito grande da própria população se reconhecer como remanescente de quilombo e isso acarreta a falta de mobilização diante da luta pelos direitos de seu povo. Contudo, em nenhum momento da entrevista, a liderança se mostra desacreditada de que pode mudar a realidade atual.
“Estamos aqui há mais de 100 anos, temos pessoas ainda muito antigas. Quando fomos certificados pela Fundação Palmares foi por causa da nossa ancestralidade”.
Esta mesma comunidade tem se sentido ameaçada com o comportamento recente de alguns capatazes das fazendas locais que andam de cavalo pelas terras, ostentando armas, e fazendo a proteção de cercas que foram erguidas ao longo dos anos dentro do território quilombola.
Quando a prefeitura de São Bento do Una se posicionar, o texto será atualizado.