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Estudantes divulgam relatos de agressão e fotos após ação da PM em república

Estudantes divulgam relatos de agressão e fotos após ação da PM em república

Pelo menos dois estudantes envolvidos na polêmica operação policial que levou 11 viaturas da Polícia Militar a uma república em Bauru divulgaram notas nesta terça-feira em que denunciam espancamento, invasão, agressão a meninas e exageros de policiais.

As postagens rendem dezenas de comentários e muitos compartilhamentos. O caso chegou à Câmara de Bauru e também envolve organização de professores para que a Unesp adote um posicionamento sobre a atuação dos policiais. Ainda não houve manifestação oficial da universidade.

O caso começou com uma queixa de perturbação de sossego feita por vizinhos por casa do som alto. Os alunos faziam um churrasco na casa, com cerca de 30 pessoas. Segundo a polícia, um estudante atirou um copo de cerveja em um policial. Os estudantes negam.

Os dois relatos falam em exageros, agressões a meninas, usos de bala de borracha e lesões graves nos estudantes atingidos. Em uma das imagens, um dos estudantes aparece em atendimento com o olho direito muito inchado e sangrando.

“Sobrevivi, mas com sequelas na carne e n’alma. Meu olho, de acordo com o Dr. Oftalmologista “não ficou cego por um milagre”. Eu quase fiquei cego por saber de meus direitos e impedir, a priori, que invadissem minha residência”, disse um dos estudantes na postagem.

Segundo o relato divulgado, os policiais teriam dito “aquele careca vai conhecer a polícia militar de São Paulo” antes de iniciar as agressões. “Não eram pessoas, são monstros fardados.”

O Giro Marília publicou a PM para ouvir a versão oficial e eventuais procedimentos de apuração sobre o trabalho dos policiais na ocorrência. O site aguarda as respostas e vai publicar na íntegra as informações.

Veja abaixo o relato com as acusações de agressão:

Isso é um relato pessoal, só isso. O que eu vi, ouvi e senti nessa última noite de domingo. Fazíamos um churrasco em casa, acordei cedo, ajudei a juntar o dinheiro dos meninos de casa – 20 reais cada um – e fui no mercado fazer as compras com outros amigos. Começamos por volta das quatro da tarde num total de 16 pessoas e, no ápice, éramos em aproximadamente 30. Churrasco. Não era festa.

O churrasco estava no seu último ato, um abacaxi que estávamos assando e que foi levado para a cozinha para ser cortado. A polícia apareceu por volta das 22h45. A informação chegou no fundo da casa, Desliga o som! Desliguei. Fui para a frente ver o que acontecia e ajudar com o abacaxi. Coloquei a cabeça para fora e vi um dos meninos que mora comigo sendo puxado para fora por um policial militar enquanto outro amigo tentava separar. Vi esse primeiro sendo trazido para dentro da casa enquanto o policial soltava um chute. Saí de casa e comecei a conversar com um segundo PM. O primeiro policial, num estado de ânimo e exaltação inacreditável, esguelava, Eu quero aquele moleque!, hoje vocês vão conhecer a Polícia Militar do Estado de São Paulo! Enquanto eu e outros amigos tentávamos argumentar vi uma menina amiga nossa ser agredida com o cacetete por um dos PMs. Perguntei se era hábito deles a covardia e a agressão gratuita a mulheres. Tomei o primeiro soco, na cabeça.

Atordoado, cometi a inocência de correr para dentro de casa, na ilusão de que eles não invadiriam a nossa casa. Capaz. Dois entraram na minha cola, me derrubaram já dentro de casa contra o portão da garagem, e então o espancamento. Uma porrada com cassetete no braço esquerdo e outra no ombro direito, um chute na coxa, mais tantas porradas que eu não sabia de onde estavam vindo e nem onde estavam pegando. Me encolhi no chão em posição fetal tentando proteger o estômago enquanto me mandavam deitar com o rosto no chão. Ali deitado ouvi o primeiro disparo. A menos de um metro de distância um dos PMs mirou e atirou com sua arma de bala de borracha na canela de um amigo que estava com os braços abertos, indefeso. Um segundo disparo e um terceiro enquanto eu era algemado. Um deles ricocheteou na mesma amiga que apanhara ainda no começo disso tudo. Namorada, amigas e amigos implorando para que parassem a barbárie. Reforço. Um total de 11 viaturas para um churrasco de domingo.

Bomba de efeito moral e gás de pimenta comendo solto. Já algemado e na viatura, um jab frontal bem no nariz, a bermuda suja de sangue, o cuspe vermelho; a espera angustiante na viatura em frente à casa que me acolheu e que eu residi nos últimos cinco anos. No caminho à delegacia, o medo. Para onde vão me levar?, o que vão fazer comigo?, eu vou virar estatística? E ai os flashs constrangidos de calma, Eu não, nem pobre, nem preto e nem isso aqui é favela, eu sou universitário, isso é bairro de classe média, não vão fazer nada comigo, não é capaz. Mais uma hora na viatura em frente à delegacia. Do lado de fora meus espancadores apontam e dão risada enquanto eu ouço o rádio da polícia e suas chamadas de “desinteligência”. Vagabundo, lixo, maconheiro, saí da viatura, lava o rosto, vai pra salinha, chá de cadeira; o amigo que também foi detido e espancado pede uma ligação, Não, não tem ligação. Ameaças, advogado, mais espera e incerteza. Acusações: desacato, pertubação da ordem, resistência e desobediência.

Já fora da delegacia, recebo abraços e informações, O estado dele é grave, vai precisar ser internado, o olho dele tá destruído, ele pode perder parte da visão, não tem oftalmologista de plantão no Hospital de Base. Desencontros, chega um e outro com curativo. Leio a primeira matéria que saiu sobre o caso, um anti-jornalismo nojento do Jornal da Cidade, não se prestaram a entrevistar ninguém do nosso lado da história, um tal tenente foi a única fonte. Tento dormir com a incerteza do estado de saúde de um amigo que há dois anos mora comigo. Dia seguinte, IML, tem que fazer exame de corpo de delito, Parece que o seu nariz tá quebrado, o médico disse. Pronto-socorro, mais espera, volto para casa ainda sem saber se, afinal, quebraram ou não o meu nariz. Vejo-o pela primeira vez, dou um abraço, vem, só agora, a vontade de chorar, olhando para o que sobrou do olho dele. Vou para o quarto chorar. Impotente, resignado, puto.

Não houve copo de cerveja sendo arremessado. Não teve nenhum policial agredido. Não teve – óbvio! – ninguém tentando tirar arma de policial. Teve uma cena de guerra na Risca-Faca, teve uma instituição militar lidando com despraparo e violência com um churrasco que envolvia, se muito, 30 pessoas – churrascos aos domingos mais comuns, inclusive, a um de nossos vizinhos que a nós. Teve muita mentira, teve viatura parando no caminho para dar mais uns tapas, teve tiro com arma de borracha à queima roupa, teve mulher e homem apanhando, teve gás de pimenta, bomba de efeito moral, invasão de propriedade sem flagrante ou mandado, ofensas e ameaças de toda a sorte, uma mídia porca. Mas eles avisaram, era dia para a gente conhecer a polícia militar do Estado de São Paulo. A gente teve uma amostra.

* O meu estado de saúde e de todos os amigos envolvidos é estável. Nosso amigo que mais apanhou [foto] não corre risco de ter a visão comprometida. Estamos amparados emocionalmente e juridicamente. Contamos com todo o apoio de colegas, amigos e professores, especialmente na cidade Bauru.”