Quando soube do falecimento de Hélio Bicudo, fiquei matutando. Eu o conheci nos anos 1980, pelas mãos de Plínio de Arruda Sampaio. Os dois, Hélio e Plínio, colaboraram com o governo de Carvalho Pinto e se destacaram como promotores. Mais tarde, quando participamos do governo de Luiza Erundina, nos víamos em algumas reuniões de secretariado. Ele parecia sempre muito sisudo e discreto. Mais adiante, participamos de uma mesa durante um fórum dos direitos da criança e adolescentes, ele, já como vice-prefeito de São Paulo. Enfim, não tivemos tanto contato, mas ele sempre pareceu excessivamente sério, com um semblante até mesmo desconfiado.
Tenho a impressão que ele procurava certa pureza na política, uma retidão de ações que simplesmente não existe nesta dimensão da ação humana. Não que a política seja um erro ou imoral. Mas, talvez, seja amoral. Um jogo, onde a malícia, a indução do adversário ao erro, a luta constante pela manutenção ou conquista do poder exigem um gingado, assimilação de mudanças conjunturais, adaptações, simulações e riscos que não pareciam fazer parte do dicionário de Hélio Bicudo.
Sua busca obsessiva por esta regularidade, uma quase platitude no comportamento político, o fez vagar por caminhos estranhos após o crescimento vertiginoso do PT. Ser crítico às mudanças no partido de Lula não foi um erro, mas a busca da Terra do Nunca o jogou em contradições que, para superar o erro anterior, caminhava numa corda bamba cada vez mais fina e esgarçada.
Do PT foi à Marina Silva, outra ex-militante petista que foi atingida pela maldição de quem saiu deste partido e se lançou na oposição à sua velha moradia política. De Marina foi até José Serra. De Serra pulou para sua maior aventura: emprestou seu currículo para ajudar a derrubar o governo de Dilma Rousseff e empossar o governo torto e antipopular de Michel Temer. Parecia não admitir as consequências de cada passo que dava.
Bicudo se perdeu na política do século XXI. Parecia não compreender o que ocorria ao seu redor. Tentava seguir uma linha que lhe parecia reta e límpida, mas que o levava a um pântano obscuro. Um mundo cada vez mais conturbado e perigoso, de tal maneira que acabou se juntando com quem era similar a quem mais combateu: as forças paramilitares de extrema-direita.
Sei que não somos uma única pessoa. Somos um cipoal de experiências e fantasias, de conflitos da razão com o inconsciente, emoções que embaçam a vista de tempos em tempos. Sei que o mundo contemporâneo é tortuoso e pouco racional. Mais do que em outras épocas, aparenta o seu oposto. É o avesso do avesso do avesso. O que dificulta a coerência.
Mas, ao mesmo tempo, a idade nos ensina que, na dúvida, o melhor é aguardar. Se lançar na corda bamba sem rede de segurança pode parecer inicialmente um ato de bravura. Contudo, logo adiante, se revela um desatino.
Bicudo demonstrou que o caminho em linha reta é uma orientação abstrata. Na prática, nenhum caminho é linear o tempo todo. Todos exigem adaptações à topografia. Não se adaptar às mudanças é se perder no jogo da vida.