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Idealistas do Estado de Exceção - quando “não há luta de classes"

O professor de direito da USP, Modesto Carvalhosa, em entrevista na TV Bandeirantes (15/03/16), na condição de defensor da forma e do conteúdo da Operação Lava Jato, entre outras, afirmou que a corrupção governamental ameaça o Estado. 

Carvalhosa e outros juristas, nessa toada, evidentemente que não consideram crime de espionagem – previsto na Lei de Segurança Nacional – e atendado à democracia (art. 5º da finada Constituição de 1988) grampear a Presidência da República sem autorização do Supremo Tribunal Federal; e, de quebra, o próprio STF.

O jurista se reportou à ausência de racionalidade e de funcionalidade estatal, em virtude do ataque ao Poder Público. Além da ilegalidade e da inexistente legitimidade (sic), teriam sido arruinadas a estrutura e os sistemas operacionais do governo. 

Por causa disso, em frases claras, retomou concepções da própria fundação do Estado para dar mais poder aos credores da República. O que, em outras palavras, significa invocar a Razão de Estado (a necessidade de um poder absoluto) para perseguir violentamente, prender e eliminar do quadrante político os “corruptos”. 

O Estado vale mais que todos e pode, assim, requisitar toda força possível, no que se incluem os meios de exceção. Esta percepção do poder não é diferente do Leviatã – metáfora para um monstro de poder, do filósofo Thomas Hobbes – ou de Carl Schmitt: jurista alemão que serviu de base ao arcabouço jurídico do nazismo. “O poder soberano é o que reúne os meios de exceção”, professava Schmitt. 

Em sua argumentação, Carvalhosa ainda explicitou claramente que a racionalidade do Poder Público foi subsumida pela corrupção. Neste ponto, refere-se a outro alemão, ao sociólogo Max Weber.

O que restou dizer, para ficar apenas nas citações já ditadas, é que o Estado de Direito não sobrevive sem a mesma racionalidade que se propaga para a política. Ou seja, com mecanismos e práticas de exceção não há direito e nem Estado. 

No Estado de Exceção – em qualquer das suas formas – não há direito, mas sim normas que legitimam práticas descontroladas dos grupos de poder hegemônicos. Também não há Estado porque sem restrições ao poder de mando não há preservação da Nação ou do povo, e não há Poder Público. Pois, o Estado, assim aparelhado pelos grupos de poder “redentores da pátria”, apenas manifesta interesses personalíssimos. 

Como consequência “regulatória” final, o poder absoluto não admite divergências, contradições, inflexões societais e ideológicas de outros grupos de poder não-aparelhados e que requerem uma legitimação do Político para as classes sociais alijadas e oprimidas tanto pelo Estado quanto pelo refluxo do direito oficial. 

Com o que também é fácil perceber: vai de roldão a democracia e o contraditório, extirpando-se ou eliminando-se (política e fisicamente) os adversários políticos, agora convertidos em inimigos do poder.

Da perspectiva instrumental aposta ao Estado de Direito, quer seja para conter as demandas sociais quer seja para afrontar a Constituição em razão da defesa patrimonial dos abnegados e bem-tratados pelo poder, o mundo jurídico procura uma legitimação para o desmanche dos direitos fundamentais. 

A essa altura, os direitos fundamentais são tratados como indesejáveis à construção do poder absoluto. Em suma, é a história que se repete como farsa nomológica (ciência que investiga o sentido prévio das normas), ao se requerer a desconstrução do Estado de Direito para reerguer a República (sic). 

Politicamente, aplica-se a solução final do Político: “os fins justificam os meios”. Abole-se o princípio de que, no direito, a regra é exatamente inversa: <os meios implicam os fins>. Tratar-se-ia de uma Ética para a Responsabilidade.

Afinal, se a premissa ontológica da Justiça ainda vigora, como matriz histórica, o direito não pode ser meio para o poder. Na democracia, vige o direito-fim; na exceção, pelo oposto, o direito-meio é escada para o poder de exceção. 

A premissa falsa pressupõe que o Estado que se “reconstrói” é realmente servil a todos e não aos grupos de poder encantonados. Por fim, o Político é confundido com a política, a dinâmica social com base na luta de classes é reprimida, tal qual são aniquiladas as demandas das classes sociais mais indefesas de poder.