Meritocracia

Negros e pobres podem defender a meritocracia? Podem, sobretudo quando não têm noção de como são vulneráveis sob a manipulados pelos “bem-nascidos”. Quem tem méritos num país de miseráveis? Via de regra, quem pactua ou patrocina a miséria – direta ou indiretamente. Victor Hugo, em Os Miseráveis, diria que são os seguidores de Javert.

O romantismo também ensina o que é a opressão, ou seja, a oclocracia: o governo dos piores. No capitalismo, tem mérito quem melhor explora ou expropria o Outro. Mas, se não gostarmos, podemos ler Balzac, especialmente um que se chama Código dos Homens Honestos.

Num país em que a escravidão ainda é manifesta e rentável economicamente – inclusive contratando com o Poder Público – teriam méritos os abolicionistas e os libertários; Zumbi dos Palmares, por exemplo – ou Joaquim Nabuco. Logo, a meritocracia que interessa aos negros e aos pobres é a que lhes traga a liberdade de fato. Liberdade do eito e das mentalidades domesticadas.

Não é novidade, mas essa é uma luta que se iniciou com os liberais, mais interessados no mercado de consumo dos “homens livres”, depois evoluiu com os socialistas utópicos e os anarquistas. A Comuna de Paris (1871) já alardeava que sem igualdade não há liberdade. Por fim, os comunistas – e que liam Balzac – informaram com todas as fórmulas que não há igualdade (e menos ainda liberdade) na opressão.

A descrição mais impressionante da meritocracia faz referência ao Princípio da Equidade – e vem de Aristóteles: “tratar os iguais, igualmente; e os desiguais, desigualmente”. Veja-se que esta é uma fórmula inclusiva e não, cinicamente meritocrática, uma autorização para aprofundar as desigualdades entre os já desiguais.

Na construção comunista (de Karl Marx) ficaria assim: “a todos, de acordo com suas necessidades; de todos, de acordo com suas potencialidades. Portanto, só há meritocracia quando não há exploração; só há liberdade no reino da igualdade. E, logo, só haverá meritocracia quando os desiguais forem tratados em sua desigualdade; só haverá meritocracia quando as necessidades forem abastecidas e as potencialidades surgirem e florescerem de fato. Só há meritocracia se há liberdade na igualdade.

Livres e iguais para não sermos oprimidos pela meritocracia dos bem-nascidos. Tomando-se a exceção de uns poucos que furam a barreira de classes (da extrema desigualdade), cria-se a ilusão, ideologia, de que todos são potencialmente iguais e que basta querer para destravar sua vida. No capitalismo, a meritocracia é parte da cultura fascista que se alimenta da opressão, da exploração e da ideologia do “faça você mesmo”.

Esta prática ideologia, é óbvio, cria homens e mulheres patéticos na ignorância das razões de sermos manipulados pela oclocracia. Sem base material e histórica, nas alegações formais e principais, a meritocracia é uma ideologia que apela para as emoções, ou seja, sem o realismo políticos dos fatos – o conatus que pedira Hobbes –, sem conexão com o exterior, não passa de pura demagogia. E, como se sabe desde os gregos antigos, a demagogia é o pior dos regimes sociais e políticos; posto que está assentado na mentira.