O direito é um mito

É verdade, o direito é um mito. Mas, o que é um mito?

Mito é uma crença e uma tentativa de se explicar algum fenômeno ou intercorrência da vida privada ou pública, criando-se uma história, uma narração, uma espécie de fábula – com começo, meio e fim –, porque não se tem uma explicação lógica e racional para os mesmos.

Um animal pode gerar um mito, por exemplo, quando na narrativa dos fatos um determinado grupo humano acredita que os animais daquela espécie são sagrados. A ideia que motiva tudo, por sua vez, não é exatamente a divindade que se quer cultuar, mas sim a proteção do bicho de sua extinção.

Porque, por meio do mito, o animal não será mais caçado – uma vez que os humanos do grupo não querem atrair a ira dos deuses – e, assim, o bicho escapa da extinção. No mito, o bicho é a própria encarnação da divindade: a vaca, na Índia.

O direito é um mito, assim como o Estado, porque simplesmente acreditamos – sem muita base racional, quer dizer, baseados no senso comum (ou seja, no mito) – que agindo assim deve ser melhor do que de outra forma. Basta-nos verificar que o senso comum define direito como lei.

Ora, se o direito fosse a lei, não teria a nomenclatura de direito e sim de lei. João é João, e José é José. Vê-se que, sem conseguir uma definição correta, apelamos para o que mais se parece com o significado que queremos entender: a lei está para o direito, assim como a régua para o arquiteto, o estetoscópio para o médico, o livro para o professor, o volante para o motorista. É óbvio, mas não custa lembrar que o motorista não se chama volante e que o engenheiro não tem foto 3/4 de uma fita métrica.

No caso da intersecção do Estado e do direito, como mitos, pode-se/deve-se dar o exemplo nacional: ministro versado em lei diz que os direitos conquistados (direitos adquiridos) de trabalhadores, aposentados e pensionistas não são assegurados por nenhum mecanismo infalível.

Isto é, pode-se perder esses direitos rapidamente. O ministro quer dizer que esses direitos adquiridos, assim como a coisa julgada que se fez em cada caso e o ato jurídico perfeito que os motivou, podem ser anulados pela vontade do soberano que se entronizou no poder.

Neste caso, equivaleria a se desfazer o mito criado pelo direito. Todas as pessoas já agraciadas por esses direitos e suas garantias – tomando-os por sagrados, como fora o animal protegido da extinção – seriam enganadas pelo Estado no momento do desfazimento do mito mais sagrado de suas vidas: acreditaram ter trabalhado por uma existência inteira e consideravam justo descansar em paz. Não poderão, se o mito for desfeito, pois teriam de voltar a trabalhar ou mendigar para sobreviver.

Na avaliação final do mito, o animal escapa da extinção; mas o cidadão nacional, não.  Com o que também se desfaz o mito de que o Estado deve zelar pelos interesses sociais e populares. O Estado e o direito pertencem aos que controlam o poder. E não é preciso mito algum para se entender isso. Afinal, o mito é realidade.