A mutação constitucional operada para aprovar a redução da maioridade penal aos 16 anos foi só o começo de uma longa série de verdadeira metamorfose (monstruosidade) na lógica dos direitos fundamentais. Não é profecia e nem desejo (a não ser dos nazi-fascistas), simplesmente porque a realidade política já deu todas as pistas. Não é um fenômeno local, reflete a ação globalizadora destrutiva e colonizadora do capitalismo (Síria, Iraque, Ucrânia). De todo modo, fortes são e serão os respingos ou “raios em céu sem nuvens” (Marx) que se acercam.
Agora, exclusivamente para quem gosta de mexer com fogo, especialmente a classe média reacionária (muitas vezes fascista), vejamos essa: em seu artigo 62, parágrafo 1º, inciso II, a Constituição Federal/88 proíbe o confisco da poupança – como ocorrera com Collor/Zélia nos anos 1990 –; porém, se temos capacidade para revogar direitos fundamentais, o que dizer da mísera poupança? Pode-se dizer que haveria tempo de tramitação e que todos poderiam se salvar, resgatando seus quinhões. Pois bem, com inflação alta e sem poder enviar dinheiro para o exterior, o que o sujeito faria? Guardaria no colchão? O que também seria prato cheio para ladrões.
Na ante-sala (e que não é a Sala da Justiça) está o antepasto do golpe constitucional. E se há força para esculhambar direitos fundamentais, mais haverá para outros golpes menores. Quem pode o mais, pode o menos. E pode o mais, novamente. Neste caso, seria para fechar o Congresso Nacional – e com apoio de 99,99% da população estarrecida com a corrupção política profissional.
Neste trágico episódio, o que aconteceria com os políticos corruptos se isso viesse a ocorrer, outra vez? Com a imensa maioria dos políticos corruptos, absolutamente nada. Pois são eles que ajustam legalmente os interesses dos grandes negócios e dão legitimidade aos grupos de poder. Para os não-corruptos, o mesmo de sempre, o desterro do exílio.
A história cansou de nos mostrar que a “fogueira santa” não é a da paixão – inclusive porque o Inferno está cheio de boas intenções. Se algo pode ser pior, sem sobreaviso e inescusável intempestividade, com total desprezo pela prudência e pelo bom senso, pode-se apostar com cem por cento de acerto que será bem pior. A vovó nos dizia que “quem mexe com fogo, faz pipi na cama”. No momento, os golpistas de plantão preparam surpresas sim, mas é na base da cama de gato para o que restou da democracia.
Outra velha lição que aprendemos com o direito de Roma é que fora do direito não há aconchego: “Quem tem prioridade no tempo tem prioridade no direito”. O tempo dos golpes primários era passado, mas ressurgiu como Fênix; logo, o tempo do direito se tornou prioridade para quem lucra com os referidos golpes na Constituição.
Pensemos bem antes de comemorar as rubricas legais e impróprias que provém dos golpes constitucionais, pois nunca nos farão bem; afinal, a lei nunca foi feita para alcançar quem está no poder. O chamado Estado Legal, que se seguiu à Revolução Francesa de 1789, foi uma exceção democrática de conteúdo popular, e está bem soterrado pelos contra-golpes reacionários dos donos do capital.
Nesse rumo, com leme quebrado, realmente já descemos do futuro.