O Gosto Amargo dos Metais

A poesia enternece, sempre. Está aí uma de suas forças. Proverbial, milenar, atual e necessária, sempre. Em O gosto amargo dos metais Prisca Agustoni nos oferece a vida e a busca da esperança sob a aridez do glacê macabro que se estendeu sobre o tenro farelo das comunidades da vida. Lambidas, soterradas, carregadas, extintas, pelos resíduos tóxicos acumulados nas barragens de empresas de mineração no século XXI.

Mariana, novembro de 2015, e Brumadinho, janeiro de 2019. Ambas as cidades, no centro do estado de Minas Gerais, viram emergir novos contornos materiais e imateriais e receberam, a contragosto, novas paisagens. Foram reviradas pelo avesso. O subsolo, agora, habita a epiderme da terra, das hortas, das roças, dos pastos. A lama vive à flor da água, da pele, das lembranças dos moradores, vizinhos, amigos e parentes.

São versos que mobilizam o sensorial ao extremo. Mãos que apalpam vestígios da vida e da morte. Palavras, imagens e sentimentos que lançam, em duelo, o tempo ancestral e contínuo, de um lado e, de outro, o tempos veloz e fragmentado. Somos levados por eles, em correntezas, ondas e arrebentações, no passado e no presente, no passado recente, que se quer imóvel e que arranha o futuro.

Águas, sons, cores, texturas da lama, do rio, dos peixes e das plantas, das palavras e dos odores, da escuridão e do fogo, das pessoas e dos lugares habitados, perdidos, imaginados, reconstruídos. A natureza que povoa o livro e a alma é o antes, mas é também o sempre, o silêncio e a eternidade. Da Lua, dos animais, da terra, das emoções, das recordações, da dor. Um percurso no tempo e no espaço, com sabor de Morte e vida Severina, com amargura e expectativa de ressurreição e de renascimento.

As metáforas do tempo são inúmeras, criativas e recorrentes. Ao menos em duas dimensões o tempo, da natureza ou medido, é narrador, personagem, objeto do trabalho poético pelas “mãos geológicas de seres vegetais”, múmias e fosseis, “vida perpétua da madeira” e de “insetos presos no âmbar”, dinossauros e tartarugas. Há expressiva carga naturalista, forte e fértil. Céu e terra. Deserto e pântano. Água e poeira. Morro e ravina. Tumores e cadáveres. São pares de unidade e não de antagonismos. Paradoxos da vida.

Ao tempo medido em calendário, memória, relógio, milenar, pré-histórico, da infância, geológico, paleolítico, arqueológico, da hora certa e das pinturas rupestres sobrepõe-se um tempo ágil, veloz, enérgico e de instantâneos. Faísca, estrondo, batimento cardíaco, turbina, tilt, corpo-motor, voltagem, alta tensão, choque, meteorito, queda livre, rasante, caos, catástrofe.

Ergue-se um “museu do amanhã”. Trata-se de triste realidade, sob novas formas. Trata-se da busca de novas visões, à cata de novas formas para a vida, em lascas de fina poesia.